Reportagens

Fiscais ambientais cobram ação de governo para reestruturação da carreira

Frustrados pela lentidão nas negociações com ministério da Gestão por melhorias na carreira, agentes ambientais paralisam atividades de campo por tempo indeterminado

Karina Pinheiro ·
9 de janeiro de 2024

Os analistas e técnicos ambientais federais não voltarão a realizar os trabalhos de fiscalização e monitoramento até o governo retomar, de fato, as negociações em relação à proposta de reestruturação das carreiras ambientais. Ontem, as ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, reuniram-se para debater sobre o retorno das negociações, marcado para o dia 1º de fevereiro, às 15h, dando continuidade ao processo iniciado em outubro. O anúncio da retomada das negociações é uma resposta às paralisações das atividades de campo feitas pelos servidores da área ambiental. O movimento teve início na última quinta-feira (04). Apesar do aceno, os servidores decidiram manter a paralisação. 

A decisão foi anunciada após a realização da Assembleia Geral Permanente, feita pela Asibama (Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA), no Distrito Federal.

Em nota divulgada pela Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente), a entidade expressa seu apoio à suspensão das atividades de campo. “Considerando que mesmo com a marcação de uma data para a próxima reunião, não há garantias de que as nossas reivindicações serão atendidas, informamos que os servidores não irão recuar em seu posicionamento até a conclusão do processo de negociação”,  explica em trecho da nota.

Desde 2017, durante o governo Temer, servidores ambientais federais buscam a reestruturação e valorização da carreira dos especialistas em Meio Ambiente do Ibama e ICMBio. Desta vez, uma paralisação das atividades de campo nas fiscalizações foi anunciada através de uma carta feita pelos próprios servidores, em busca de respostas por parte do governo federal e do Ministério da Gestão e Inovação.

De acordo com a carta, a partir do dia 4 de janeiro, todos os servidores dos dois órgãos iriam suspender as ações de fiscalização que dependam exclusivamente de ações externas de campo, concentrando-se apenas em atividades burocráticas internas. Mais de 2.000 servidores aderiram à paralisação, sendo 1.400 servidores do Ibama e 600 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Uma das principais reivindicações do setor busca respostas das negociações com o Ministério de Gestão e Inovação, que estão estagnadas há cerca de três meses. Em nota encaminhada à imprensa, a Ascema Nacional alega que nenhuma resposta sobre a proposta de reestruturação, dentre outras reivindicações, foi respondida pelo MGI.

Em conversa com o ((o))eco, a vice-presidente da Ascema Nacional do Distrito Federal, Beatriz da Silva, afirma que as reivindicações apresentadas são reflexos de uma luta que já dura uma década, e que, no governo atual, os servidores viram uma oportunidade para serem ouvidos, algo que seria impossível no anterior, que trabalhou para desmontar as estruturas da área ambiental federal e a política nacional de meio ambiente. As expectativas, entretanto, ainda não foram correspondidas.

“Com a abertura das mesas específicas de negociação, vimos uma oportunidade de sermos ouvidos e finalmente atendidos em nossas reivindicações. Porém, ao percebermos um descaso com nossa mesa em detrimento ao atendimento de reivindicações de outras carreiras [como a reestruturação das PF e PRF], nos sentimos deixados para trás nas negociações”, explica.

Entre os pedidos de mudança da reestruturação da categoria, estão a alocação de recursos financeiros no orçamento da União que sejam suficientes para a reestruturação de carreiras, redução da diferença salarial entre os técnicos e analistas da área; gratificação por atividades de risco, melhoria das condições de trabalho em campo, além da realização de concursos público em caráter de urgência e periodicamente, contando com dimensionamento participativo da força de trabalho necessária destinados a cada órgão.

Em busca de respostas do MGI

O presidente da Ascema Nacional do Distrito Federal e Asibama, André Oliveira, explicou que há 7 anos uma proposta de reestruturação de carreira havia sido apresentada ao Ministério de Meio Ambiente. Na época, algumas das reivindicações foram consideradas e transformadas no Aviso Ministerial nº 52, então encaminhado ao Ministério do Planejamento. Todavia, o trâmite não foi adiante.

Apenas no ano passado, durante o 12º Congresso da Ascema Nacional, a proposta foi retomada, atualizada e encaminhada novamente para o MMA, para que fosse oficializada.

“Inicialmente, mandamos ofícios pro MMA, eles demoraram um pouco para responder, mas nos recepcionaram e fizemos uma apresentação do que a gente queria e o MMA disse que não existia mais o documento de aviso ministerial. Foi quando fizeram um ofício e encaminharam as premissas e principais reivindicações da gente pro MGI (Ministério de Gestão e Inovação), porque é nele que se realizam as mesas de negociação específica temporária das carreiras”, disse André.

Segundo André, o MMA entregou o ofício para o MGI e foram feitas assembleias e abaixo-assinados para que a mesa fosse instalada. No dia 9 de outubro de 2023 ocorreu a primeira reunião de apresentação da proposta das reivindicações. Ao todo, era esperado que três reuniões fossem realizadas em um período de pouco mais de um mês, o que não ocorreu.

“Para se ter uma ideia, tivemos nossa primeira reunião de negociação com o MGI no dia 09/10. Desde então não tivemos nenhuma devolutiva, cronograma ou expectativa de resposta às nossas demandas. Sequer uma data para uma segunda reunião de negociações”, informa a vice-presidente da Asibama, Beatriz da Silva. 

Servidores alegam contradição

André Oliveira explica para ((o))eco que a categoria observou contradições do governo federal, o que intensificou um sentimento de frustração entre os agentes ambientais.

“O governo usa como portfólio as ações e resultados da atuação dos servidores na carreira de especialistas em meio ambiente, sobretudo as ações contra o desmatamento e garimpo ilegal, e isso tem trazido benefícios do olhar internacional pra gente, mas em contrapartida não temos a devida valorização,  apesar da gente ter entregue os resultados”, afirma André.

Segundo os representantes da associação, o Ministério de Gestão e Inovação enfatizava que, para que a reestruturação acontecesse, seria necessário observar o impacto orçamentário e colocado como condicionante para que não houvesse a segunda reunião. Entretanto, a categoria questiona que outros repasses e acordos foram disponibilizados pelo governo federal a outras categorias com impacto orçamentário superior ao solicitado pelos especialistas em meio ambiente.

Às margens do Rio Jamanxim, fiscais do ICMBio observam balsa usada para retirada ilegal de madeira. Foto: Bernardo Camara

“Parece meio óbvio que a gente precisa ser valorizado, mas a gente sabe o valor do trabalho que é de fiscalização, de preservação, de conservação de biomas e recursos ambientais, de territórios, porque vivemos uma realidade de crise climática. Nós sabemos que estamos num dos centro de atenção e de importância para manutenção da vida, sabemos o quanto é ruim ter que tomar este tipo de atitude porque a gente gosta de fazer, acreditamos na missão social, com a perspectiva socioambiental de que nosso trabalho tem esse viés de preservação e de manutenção da vida e do planeta. Não é fácil, mas a gente espera que esse tipo de ação seja um indicador para que o governo responda o quanto antes”, informou André Oliveira.

De acordo com o presidente da Asibama e Ascema Nacional, existe uma preocupação das entidades representativas em relação às ações de fiscalização.  O impacto da paralisação pode afetar as operações de fiscalização ambiental na Amazônia, vistorias de processos de licenciamento ambiental, processos autorizativos, dentre outros. André ressalta que a paralisação não é ideal, mas que, segundo ele, parece ser uma das poucas atitudes que faz com que o governo os escute.

Para o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, ainda é cedo para realizar uma avaliação do impacto que a paralisação poderá causar, mas enfatizou para a reportagem de ((o))eco que o governo está trabalhando “para que as coisas se resolvam rapidamente”. 

Em nota, o ICMBio informou que as questões relacionadas à carreira dos Especialistas em Meio Ambiente (Lei 10.410, de  11 de  janeiro de  2002), que abrange os servidores do Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, ICMBio e Serviço Florestal, estão sendo tratadas pelo Ministério do Meio Ambiente, junto com o MGI.

No encontro realizado nesta segunda-feira (08) entre as ministras do Meio Ambiente e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), a principal mensagem era que a reestruturação seria uma prioridade.  

  • Karina Pinheiro

    Jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), possui interesse na área científica e ambiental, com experiência na área há mais de 2 anos.

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Comentários 5

  1. Paulo diz:

    Bom dia.
    Pq as entidades não efetuaram a paralisação no ano passado. Durante o desgoverno do transtornado. Já estava uma baderna mesmo. Deveriam ter parado tudo.


  2. Fernandes diz:

    Todos os servidores do executivo já receberam 9% de reajuste do novo governo. No do genocida ficaram a zero, tiveram seus seus setores e esvaziados e muitos foram transferidos. Agora fazem greve rapidinho, fazem chantagem, ameaçam. Vão com calma, negociem, parece que estão com saudade do Bozo!


  3. Vitor Sarno diz:

    Parabéns pela reportagem!!! Só uma pequena observação: André é presidente da Asibama-DF apenas, filiada à Ascema Nacional, presidida por Binho, Cleberson Zavaski, servidor do ICMBio.


  4. Denio Pimenta Nacle diz:

    É preciso trabalhar na Reconstrução e União do Governo Federal, mesmo após, os desmantelamentos promovidos, durante a Ocupação de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. A reinvidicação é justa e necessária, para ambas as carreiras de Técnico Ambiental e de Analista Ambiental, onde o número de especialistas nesta área, ainda é ínfimo, diante do dimensão criminosa, que infestaram o nosso país, comprometendo os ecossistemas naturais. Sabendo-se da dimensão territorial brasileira, com limitações de número profissionais em abrangência e dos valores comerciais de seres vivos, especialmente na Amazônia, os criminosos ambientais de “lambuzam” na grana, em detrimento de tantas vidas comprometidas e , até mesmo, ceifadas no atendimento da ganância dessa gente. Parabenizo a esses profissionais do IBAMA e do ICMBio pela coragem, determinação e, sobretudo, por resultados melhores, visando a preservação das vidas nas florestas. Continuem na luta por melhores condições de trabalho, que é a luta de todos nós brasileiros!!! Abraços!


  5. Denio Pimenta Nacle diz:

    É preciso trabalhar na Reconstrução e União do Governo Federal, mesmo após os desmantelamentos promovidos, durante a Ocupação de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. A reinvidicação é justa e necessária para ambas as carreiras de Técnico Ambiental e de Analista Ambiental, onde o número de especialistas nesta área ainda é ínfimo, diante do dimensão criminosa, que infestaram o nosso país, comprometendo os ecossistemas naturais e, sabendo-se da dimensão territorial brasileira com limitações de número profissionais em abrangência e dos valores comerciais de seres vivos, especialmente na Amazônia, os criminosos ambientais de “lambuzam” na grana, em detrimento de tantas vidas comprometidas e , até mesmo, ceifadas no atendimento da ganância dessa gente. Parabenizo a esses profissionais do IBAMA e do ICMBio pela coragem, determinação e, sobretudo, por resultados melhores, visando a preservada das vidas nas florestas. Continuem na luta por melhores condições de trabalho, que é a luta de todos nós brasileiros!!! Abraços!