Um julgamento de abril do Supremo Tribunal Federal (STF) buscou enquadrar a legislação do Rio Grande do Sul às regras federais de licenciamento, reforçando que o procedimento é função exclusiva do poder público, não podendo ser delegado a terceiros, e que sua simplificação só vale em casos de baixo impacto.
Consultado por ((o))eco, o Supremo ressaltou que o julgamento tratou especificamente do Código de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e que a aplicação da norma cabe às autoridades gaúchas. “Os efeitos da decisão são imediatos”, ressaltou sua Assessoria de Imprensa.
O julgamento foi relatado pelo ministro Cristiano Zanin, cujo voto foi seguido pela maioria do Supremo sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade referente ao Código Ambiental gaúcho.
À reportagem, o órgão licenciador estadual afirmou que, embora a decisão seja alvo de recursos da Procuradoria-Geral do Estado, já está sendo cumprida. “A Fepam não contrata terceiros para auxiliar nos processos de licenciamento, que são conduzidos por técnicos do quadro de servidores permanentes”.
Contudo, o professor de Direito Administrativo da UFRGS, Eduardo Luiz Fonseca Benites, reforçou que a legislação gaúcha precisa ser ajustada para que também os municípios cumpram a decisão do Supremo. “Alterações no Código Estadual do Meio Ambiente dependem de aprovação da Assembleia Legislativa”, destacou.
O governo gaúcho não informou se algum projeto nessa linha foi encaminhado ao legislativo estadual.
Segundo um balanço do Tribunal de Contas do RS, 465 municípios (93,5% do total) estão habilitados a licenciar obras de impacto local. Na prática, podem contrariar o julgamento se contratarem empresas privadas, firmarem convênios ou parcerias para licenciar.
“Os órgãos licenciadores não poderão – como nunca puderam – delegar as atividades de licenciamento, que constituem função típica de Estado e devem ser exercidas exclusivamente por servidores públicos”, ressaltou o advogado Marcelo Mosmann, mestre em Direito Ambiental pela UFSC e sócio do escritório Mosmann Advocacia – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural.

Para enfrentar esses desafios crescentes do licenciamento, será preciso fortalecer a estrutura pública. “Os órgãos ambientais têm a obrigação de estruturar corpo técnico de carreira qualificado para análises ambientais, conforme já exigia a legislação federal”, ressaltou Mosmann.
Outra alternativa é a formação de consórcios regionais. “Cinco ou seis municípios juntos podem se estruturar melhor e contratar empregados públicos. Vai ser preciso centralizar licenças em órgãos públicos e abrir concursos para ampliar a capacidade técnica”, apontou Benitez.
Tentamos repercutir as decisões do Supremo com a Associação Gaúcha de Municípios (AGM), mas não obtivemos retorno até o fechamento da reportagem.
Flexibilização só para baixo impacto
Além da estrutura, outro ponto delimitado pelo Supremo foi que um licenciamento simplificado no Rio Grande do Sul só vale para atividades de baixo dano ambiental.
“O STF considerou indevida, temerária e pouco protetiva ao meio ambiente a flexibilização ampla e irrestrita a qualquer licenciamento ambiental, tentada pelo Governo do Estado com o novo Código Ambiental Estadual”, detalhou Mosmann.
Benites analisou que pontos de incerteza precisam ser esclarecidos na legislação estadual. “Existem sombras sobre o que é baixo, médio e alto impacto”, observou.
Ele citou um caso no município de Bagé, na campanha gaúcha, onde um projeto de captação de água da chuva sofreu atrasos e judicialização por falta de licenciamento. “A harmonização jurídica ainda exigirá refinamentos, principalmente em vegetação urbana e nos estudos de impacto ambiental”, avaliou.

Riscos federais de retrocesso
O professor da UFRGS alertou para os riscos vindos de Brasília (DF), caso o Congresso derrube os vetos presidenciais às mudanças na lei geral do licenciamento. A proposta cria modalidades e procedimentos, mas especialistas veem grande ameaça de retrocessos e fragilização dos controles ambientais.
“Um dos pontos mais perigosos é devolver a estados e municípios o poder de criar regras próprias. Isso pode levar empreendimentos de médio porte a serem reclassificados como de baixo impacto, causando caos no licenciamento”, avaliou.
Uma possível contenção desses riscos pode vir justamente do julgamento do Supremo, em abril. Embora tenha tratado da legislação gaúcha, ele reafirmou que os princípios constitucionais do licenciamento se aplicam no país todo.
“A decisão é relevante porque o STF deixou claro que as bases constitucionais devem orientar inclusive as mudanças em discussão no Congresso”, destacou Mosmann.
Assim, os efeitos do julgamento vão além do Rio Grande do Sul, reforçando que qualquer alteração legislativa só terá validade se preservar a centralidade do poder público no processo e a prioridade da proteção ambiental.
“A legislação ambiental deve ser sempre mais protetiva, por estar ligada diretamente aos direitos fundamentais”, concluiu Benitez.
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