O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), tem intensificado suas articulações em Brasília para concretizar o pleito de trazer para a gestão estadual uma das mais importantes unidades de conservação do país: o Parque Nacional (Parna) da Chapada dos Guimarães. A unidade de conservação protege importantes nascentes do bioma Pantanal e é uma das poucas áreas protegidas do Cerrado.
Um dos principais cabos-eleitorais de Jair Bolsonaro (PL) na campanha de 2022, Mendes aproveitou a reunião dos 27 governadores com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na última semana de janeiro, para obter apoio político em Brasília para deixar sob seu controle o parque, gerenciado pela União desde sua criação, em 1989.
Em outra frente de atuação, na jurídica, o governador anunciou, na quinta-feira (2), que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) entrará com recursos para validar a participação de uma empresa estatal na concorrência aberta pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a concessão do Parna de Chapada dos Guimarães à iniciativa privada.
A proposta apresentada pelo governo foi rejeitada pelo ICMBio. Alegando ter boas propostas de gestão para a UC e um montante de R$ 200 milhões para investimentos, o governador não aceita que a empresa MTPAR (MT Participações e Projetos S/A) tenha sido preterida durante o leilão público. A empresa é uma sociedade anônima de economia mista e capital fechado, que tem como sócio majoritário o Governo do Estado de Mato Grosso, e foi criada com intuito de auxiliar o Estado de Mato Grosso em ações que envolvem investimentos públicos e privados.
O processo de concessão da UC para o setor privado foi iniciado ainda no governo Michel Temer (2016-2018), e concluído na gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022). Mas, nem mesmo o presidente aliado de Mauro Mendes repassou a gestão da UC Federal para o âmbito estadual. Em discurso proferido na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Mauro Mendes promete elogio público ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso este efetue a estadualização do Parque de Chapada.
“Pedi durante quase três anos ao Governo Federal. Posso falar isso aqui com muita tranquilidade. Disse ao ministro do Meio Ambiente: pelo amor de Deus, passe esse parque para Mato Grosso. Temos R$ 100 milhões para investir. Não passaram e prosseguiram no processo de licitação e estranhamente nos desclassificaram. Mas, se acaso agora o leilão for desconsiderado e a área passar para nós, iremos investir R$ 200 milhões em quatro anos. Além disso, eu disse ao presidente Lula: Presidente, se o senhor fizer isso eu quero fazer o primeiro grande elogio público ao governo do senhor, porque eu fiquei dois anos e meio no governo anterior e não consegui”, declarou Mendes.
Conforme fontes em Mato Grosso, que pedem sigilo por conta do clima político tenso no estado controlado por aliados de Bolsonaro, ao menos três fatores influenciam na ofensiva do governo Mauro Mendes: a atividade de mineração, a duplicação da rodovia entre Cuiabá e o município de Chapada dos Guimarães, mais os interesses dos setores imobiliário e de entretenimento no entorno da unidade de conservação.
Os movimentos de Mendes chamam a atenção também porque esse mesmo governo tem tido uma atuação que deixa muito a desejar na gestão das áreas protegidas estaduais. Nem mesmo o projeto para a construção de uma guarita numa das entradas do Parque de Chapada dos Guimarães, fruto de uma parceria entre os governos Federal e Estadual à época da Copa do Mundo de 2014, foi concluído.
Outro ponto que chama atenção sobre as intenções do governador é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 12/2022) enviada em dezembro pelo governador Mauro Mendes à Assembleia Legislativa de Mato Grosso, e que praticamente inviabiliza a criação de novas unidades de conservação no estado. Pelas alterações, o estado só pode criar novas UCs caso haja a garantia de recursos para a desapropriação de propriedades privadas, além de impor a condicionante de regularização fundiária de ao menos 80% das atuais unidades estaduais.
Para os ambientalistas, a PEC – se aprovada por um parlamento sob controle político do governador – sepulta as chances de o estado de Mato Grosso ampliar o tamanho de áreas protegidas, isso numa das regiões do país mais pressionadas pelo avanço do agronegócio.
Apenas Congresso pode repassar competência
Para que uma unidade de conservação federal seja transferida para outro ente da federação é preciso que um projeto de lei com essa finalidade seja apresentado numa das casas do Congresso Nacional. Tanto na Câmara quanto no Senado, a proposta precisa ser aprovada pela maioria simples.
No caso da Câmara, são necessários os votos de 50% da maioria absoluta presente em plenário, ou seja, 257 deputados. Já no Senado, o voto de pouco mais de 40 parlamentares é suficiente para aprovar a proposta.
Com boa parte do Congresso Nacional eleita em 2022 aliada ao bolsonarismo, Mauro Mendes pode não ter muitas dificuldades em suas articulações políticas. Todavia, o apoio do governo dentro do Legislativo é fator decisivo para avançar ou travar a tramitação de propostas. O aval do Ministério do Meio Ambiente também é fator de peso para a tramitação de matérias do tipo.
“A lógica que nós temos por uma legislação ambiental nacional é para fugir das pressões dos setores econômicos dependendo do lugar. Esses setores econômicos têm muito mais facilidade para exercer pressões nos municípios, nos estados, e isso não é bom para o meio ambiente. Quando você estadualiza você enfraquece a perspectiva ambiental”, diz o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), em entrevista ao ((o))eco.
“Uma proposta como essa, dentro do Congresso, a gente vai trabalhar para que não ocorra de se estadualizar.” Apesar de o novo Congresso Nacional permanecer sob influência de forças mais políticas mais conservadoras e à direita, Tatto avalia que tanto o Palácio do Planalto quanto o MMA tendem a se posicionar contrários ao pleito de Mauro Mendes, o que reduz as chances de um eventual PL da estadualização da Chapada dos Guimarães ter forças para tramitar no Congresso.
O Parque Nacional da Chapada dos Guimarães foi criado em 1989 por meio de decreto presidencial. Ele possui uma área de 32,6 mil hectares entre os municípios de Cuiabá e Chapada dos Guimarães. O Parque exerce uma importante função ecológica ao proteger as nascentes essenciais para a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. A UC também mantém preservada a área de um dos biomas mais ameaçados do país, o Cerrado.
O que diz o governo Mauro Mendes
Procurada pela reportagem, a assessoria do governador Mauro Mendes afirmou que o interesse pela estadualização do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães está voltado tão somente para o fortalecimento do turismo na região.
“O parque é um dos maiores atrativos turísticos de Mato Grosso, e há décadas continua precarizado, mal-cuidado e com visitação muito aquém de locais turísticos de outros estados com menor potencial”, diz nota enviada. Segundo a assessoria, os investimentos serão voltados para a prática de um turismo “ecológico e sustentável, com total respeito ao meio ambiente”.
O governo criticou a concessão feita pelo ICMBio do parque, informando que a empresa vencedora tem como proposta investir R$ 18 milhões em 30 anos, enquanto o estado tem disponível R$ 200 milhões para quatro anos. “Isso vai garantir não só os investimentos para melhorias estruturais, mas para a conservação de todo o ecossistema local.”
Sobre a PEC 12/22, o governo diz que seu objetivo é o de promover a regularização fundiária das unidades de conservação já existentes em Mato Grosso, “evitando a criação de várias unidades cuja conservação só existe no papel e nenhum efeito prático”.
“Política ambiental precisa ser feita de forma séria e concreta, e não com ações de fachada. Mato Grosso tem hoje reconhecidamente uma das melhores secretarias de Meio Ambiente, possui controle de todo o território por satélite e a melhor transparência ambiental do país.”.
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