Reportagens

Governadores da nova fronteira do desmatamento buscam reeleição

A criação de uma zona do agronegócio na divisa do Acre, Amazonas e Rondônia (ainda) não avançou, mas a devastação da floresta disparou. Mas nada disso parece mudar a vontade do eleitorado da região

Fabio Pontes ·
15 de agosto de 2022 · 2 anos atrás

Os governadores dos três estados da Amazônia que mais chamaram a atenção pelo recente aumento do desmatamento chegam às eleições de 2022 como favoritos à reeleição.

Seguidores da cartilha do presidente Jair Bolsonaro (PL), de fragilização da política de proteção ambiental, Gladson Cameli (Progressistas), do Acre; Coronel Marcos Rocha (União Brasil), de Rondônia; e Wilson Lima (União Brasil), do Amazonas, recorrem ao discurso de fortalecer o agronegócio como forma de impulsionar o desenvolvimento. 

Uma das formas encontradas para isso foi a adoção de práticas – como o enfraquecimento das fiscalizações e mudanças na legislação estadual – que resultam (no aumento ) na devastação da Amazônia em seus respectivos estados. 

Em 2021, o Amazonas ficou em segundo lugar como o estado que mais aumentou a área desmatada do bioma, conforme os dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2021 (RAD21), elaborado pelo MapBiomas com base em dados oficiais.

Em 2021, o Amazonas perdeu 194.498 hectares de floresta, com um aumento de 50% na comparação com 2020, ficando atrás apenas do Pará no ranking nacional de desmatamento no bioma. Rondônia teve desmatados 130.266 hectares da cobertura florestal do território; outros 64.147 hectares da Amazônia desapareceram no Acre no mesmo período. Todos os três apresentaram ampliação na área de floresta perdida ante 2020. 

Em 2019, os três governos ensaiaram a criação de uma zona de desenvolvimento comum do agronegócio na área da tríplice divisa. A proposta seria seguir o modelo da zona chamada Matopiba, formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Para isso, até um nome foi dado: Amacro – sigla para Amazonas, Acre e Rondônia. 

A iniciativa não decolou, mas as pressões sobre a preservação da Amazônia nesta tríplice divisa amazônica só aumentaram. A desestruturação dos órgãos ambientais, não só por parte de Brasília, como também nos estados contribuiu. 

Segundo o relatório do MapBiomas, Amazonas e Rondônia têm quatro dos dez municípios brasileiros responsáveis por 23% da área total desmatada no país. Todos eles estão justamente na região que formaria a Amacro, incluindo a capital rondoniense, Porto Velho. 

Os municípios do Amazonas campeões em desmatamento estão na porção sul do estado: Lábrea, Apuí e Humaitá. Dos 50 municípios do país líderes em desmatamento, três estão no Acre: Feijó (23º), Sena Madureira (41º) e Tarauacá (46º).

Rondonização do Acre 

Do trio de governadores, os que mais mostraram afinidade na política de boa vizinhança foram Gladson Cameli, do Acre, e Marcos Rocha, de Rondônia. No primeiro ano de mandato, Cameli ia com frequência a Rondônia para visitar as feiras agropecuárias do estado e importar o modelo de desenvolvimento do agronegócio. 

Essa inspiração foi definida como a “rondonização” do Acre, um modelo ideal de desenvolvimento que deveria ser seguido. Rocha retribuía, participando das festas agropecuárias organizadas pelo governo Cameli. 

Num de seus primeiros discursos como governador, em 31 de maio de 2019, Gladson Cameli falou a produtores rurais de Sena Madureira que, a partir daquele momento, ninguém precisava mais pagar as multas ambientais pois “agora quem está mandando sou eu”, disse.

Desde então, o Acre registrou aumentos recordes nas taxas de desmatamento e queimadas. A invasão de áreas públicas – incluindo áreas de conservação – para fins de grilagem se expandiram no estado. A Floresta Estadual do Antimary, em Sena Madureira, é um dos exemplos dessas pressões. 

Todo o arcabouço de política florestal construído pelo Acre ao longo das últimas duas décadas ficou comprometido com o novo governo do agronegócio, que trazia de volta a velha visão de ocupação e desenvolvimento da Amazônia implementada pela ditadura militar (1964-1985) na região.  

O Estado, outrora conhecido como o Governo da Floresta, colocou em risco até a sua estratégia de pagamento por compensação ambiental firmada com países como a Alemanha e o Reino Unido; o aumento do desmatamento fez o estado perder recursos.

Em Rondônia, o governo do também bolsonarista coronel Marcos Rocha tentou legitimar a grilagem com a apresentação do projeto de lei que desafeta áreas dentro da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual do Guajará-Mirim. 

O PL 80/2020 foi aprovado sem a mínima dificuldade por uma Assembleia Legislativa de maioria ligada ao agronegócio, a lei sancionada pelo governador foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, após recurso movido pelo Ministério Público. Ainda assim, as duas unidades ainda sofrem com as constantes invasões.   

O governador Marcos Rocha (União Brasil) também tentou impedir que policiais militares do batalhão ambiental participassem das já escassas operações realizadas por órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), sobretudo aquelas que resultassem na destruição de maquinários, como tratores usados na abertura de áreas e dragas de garimpo. 

Após pressões e críticas, o comando da PM voltou atrás e passou a ceder os policiais para ações com os órgãos federais.

Sul do Amazonas

Com as dimensões gigantes do território amazonense, os municípios mais afastados ficam “invisíveis” aos olhos das autoridades de Manaus, facilitando a prática de crimes ambientais. O estado passou da situação de controle para o segundo lugar no ranking nacional de desmatamento na Amazônia em 2021, conforme aponta o relatório do Mapbiomas. 

Apesar de oficialmente não ter adotado uma agenda anti-ambiental, Wilson Lima também pouco atuou para fortalecer os órgãos ambientais do estado em regiões críticas como Lábrea, Humaitá, Boca do Acre e Apuí. 

Outro problema que avançou no Amazonas foi o garimpo ilegal pelos rios, com especial atenção no Madeira. 

Garimpo ilegal no Amazonas. Foto: Bruno Kelly/Greenpeace.

A retórica de Jair Bolsonaro em defesa e regulamentação do garimpo ocasionou um boom da atividade em toda a Amazônia, com destaque para o Amazonas, dono da maior extensão territorial do país e uma vasta bacia hidrográfica. Logo após a invasão de balsas de garimpo na região do município de Autazes chamar a atenção do mundo, Wilson Lima também falou sobre a regularização da mineração nos rios, dizendo estar disposto a tratar do tema com o Congresso Nacional. 

“Há uma urgência da gente começar a discutir a legislação para exploração, de forma racional, da mineração que a gente tem em nossa região. O caminho mais seguro é a gente começar a discutir isso e encontrar um caminho para que isso possa ser feito de forma a preservar o meio ambiente”, afirmou Wilson Lima em coletiva de imprensa no dia 30 de novembro. 

Outro problema político da região é a (re)pavimentação da BR-319, que interliga Manaus a Porto Velho. No fim de julho, atropelando as próprias normas técnicas, o Ibama concedeu a licença prévia para a retomada das obras.

A reconstrução da rodovia é uma das principais bandeiras eleitorais dos políticos amazonenses, independente do espectro ideológico. Com a medida, Bolsonaro tenta obter votos no maior colégio eleitoral da região Norte (Manaus), o que de quebra beneficiaria seus aliados locais.      

A proposta de revitalização da BR-319 sem a adoção de planos de mitigação é apontada como a maior ameaça para a preservação de uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia. 

“O alcance do impacto da rodovia BR-319 é muito mais do que a faixa ao longo da rota da rodovia que é o assunto do EIA – ela abre as porções central e norte da Amazônia para a migração a partir do “arco do desmatamento”, escreve o ecólogo e pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), num de seus muitos artigos sobre os impactos da reconstrução do “trecho do meio” da rodovia federal. 

Com a agenda ambiental bastante renegada na realidade política local, a sobrevivência da Floresta Amazônica vai servindo como moeda de troca em mais um processo eleitoral que o Brasil inicia. O que acontece desde 2019 na região da Amacro é um bom e péssimo exemplo disso

O que dizem os governadores

A reportagem de ((o))eco procurou as assessorias dos governos do Acre, Amazonas e Rondônia para comentar a atual situação ambiental nos estados, mas apenas os dois primeiros responderam. 

O governo do Amazonas afirmou “que tem trabalhado, de forma prioritária, na otimização das estratégias para fortalecer as ações de combate ao desmatamento e às queimadas ilegais.” 

A realização da Operação Integrada Tamoiotatá 2 é citada como referência nestas ações ao integrar os mais diferentes órgãos estaduais.    

“Além das ações de comando e controle, o Governo do Amazonas tem buscado integrar os eixos de bioeconomia e ordenamento territorial e ambiental como estratégias de médio e longo prazo para conter o avanço do desmatamento ilegal.” 

Ainda conforme a resposta, o governo amazonense tem aplicado recursos – na ordem de R$ 56 milhões – em políticas para adoção de práticas mais sustentáveis na produção rural.

“O Estado também investiu, neste ano, R$ 20 milhões para implementação do Programa Guardiões da Floresta, o novo sistema de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), em acordo com Associação de Unidades de Conservação Estaduais, para fortalecer a conservação e desenvolver a economia nas áreas protegidas do Estado”.  

Já o governo do Acre afirmou que, apesar do crescimento das taxas de desmatamento, o estado é o que menos desmatou o bioma dentro da região. A assessoria do governador Gladson Cameli informou que investe em ações de educação ambiental, além de levar assistência técnica aos produtores rurais para uma agricultura e pecuária com práticas sustentáveis. 

“Recentemente, a Secretaria de Meio Ambiente e das Políticas Indígenas renovou sua participação na Força Tarefa de Combate ao Desmatamento ao lado de outros estados da Amazônia Legal. Também investimos na aceleração dos processos de Licenciamento e Regularização Ambiental além de participar de todos os esforços conjuntos dos estados da Amazônia Legal em campanhas de prevenção e combate ao desmatamento e queimadas.” 

Questionado sobre as ações concretas de combate ao desmatamento, o governo declarou que tem investido no fortalecimento das ações do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), fornecendo recursos e equipamentos como drones e viaturas novas. 

“No último ano, foram destinados à Gestão Ambiental um total de  R $106.486.996,93 sendo R $29.139.950,39 oriundos de recursos próprios e  R $77.347.046,54 provenientes de outras fontes.”

  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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