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Hidrelétrica no ‘Velho Chico’ poderá promover graves desequilíbrios, diz estudo

Tratado como prioridade nacional, empreendimento no Alto Rio São Francisco está localizado em área de preservação permanente e poderá afetar 8 mil pescadores

Emanuel Alencar ·
22 de novembro de 2020 · 4 anos atrás
Crédito: Reprodução/CBHSF.

A construção de uma hidrelétrica na calha do Rio São Francisco, no município de Pirapora (MG), a 269 quilômetros de Belo Horizonte, poderá afetar 8 mil pescadores e alterar profundamente uma área de preservação permanente, adverte estudo publicado no periódico científico “Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems”, assinado por dez biólogos brasileiros. O reservatório, diz o texto, pode levar a mudanças na composição das espécies de peixes, favorecendo a introdução, disseminação e estabelecimento de exóticas (como tilápias), aumentando a abundância de espécies não-comerciais. O Rio São Francisco, que nasce em Minas Gerais e deságua em Alagoas, possui 135 espécies endêmicas [exclusivas] de peixes. A hidrelétrica de Formoso, se licenciada, só deve começar a operar daqui a sete anos. O licenciamento da hidrelétrica de Formoso está a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), mas essa questão também está envolta em polêmica, pois se trata de rio de domínio federal.

“Além de todo o impacto na biodiversidade, há um tremendo impacto social. O projeto era antigo, foi desconsiderado pela Cemig [Companhia Energética de Minas], mas voltou com força em 2018. Agora, durante a pandemia, o empreendimento tornou-se prioritário ao governo Bolsonaro”, critica a ecóloga e pesquisadora pós-doutora da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Ruanny Casarim, uma das autoras do estudo.

Para ela, o exemplo do que ocorreu na barragem de Três Marias, cuja operação começou em 1962 acima da nova hidrelétrica proposta, mostra o risco do domínio de peixes exóticos, comprometendo a pesca tradicional.

Decreto qualifica a UHE Formosa no âmbito do PPI da Presidência da República. Imagem: DOU.

“Há estudos provando que houve a entrada de espécies exóticas de peixes, e aqueles importantes para a pesca deixaram se estar presentes. A região de Formoso, se essa usina sair serão mais de 6 mil hectares do bioma do Cerrado impactados. Essa é uma região a se conservar, e estamos indo no sentido contrário”, destacou.

No seminário “UHE Formoso”, que ocorreu em 30 de setembro e discutiu o empreendimento, o gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia, Leôncio Vieira, informou a área inundada da barragem será de 324 km2, o que equivale a 31.200 campos de futebol. Leôncio rechaçou o que chamou de fake news e destacou que vários estudos ainda serão feitos para se chegar à viabilidade da hidrelétrica. A Quebec é a desenvolvedora do projeto, mas não será a responsável por operá-la.

“Não podemos dar certeza, hoje, sobre [quais são] os impactos do empreendimento. Estamos no início dos estudos. Serão propostas medidas de mitigação ou compensação. Esse projeto vai gerar 2 mil empregos diretos e 4 mil indiretos. Quem for o empreendedor pode optar por mão e obra local”, detalhou. “Os indícios apontam sim, para a viabilidade, mas quem vai determinar isso é a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]”.

Peixe-símbolo ameaçado

A área registra a ocorrência de oito espécies de peixes ameaçadas, como o Conorhynchos conirostris, o pirá, e Lophiosilurus alexandri, o pacamã. O pirá é conhecido como peixe-símbolo do São Francisco. A usina de terá capacidade de 306 MW – o necessário para abastecer 1,5 milhões de pessoas – e barragem de 30 metros. A partir do momento em que há início das obras físicas, a previsão de conclusão é de três anos. Por isso, o prazo de 2027 para o início da operação, após toda a realização do licenciamento.

Analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Cláudio Rodrigues Fabi endossa que a hidrelétrica, ao alterar os regimes de cheia, a qualidade dos sedimentos do rio e o regime de vazão, vai representar ainda mais dificuldades de sobrevivência que são ali encontradas.

“Essa manipulação de vazão tem várias interferências na reprodução dos peixes. Os peixes ficam desorientados quando entram em reservatórios. Portanto, a construção hidrelétrica vai ameaçar espécies que já estão em extinção e outras que estão quase extintas. Isso afeta toda a cadeia trófica”, disse.

A hidrelétrica de Formoso implicaria a descontinuidade de um trecho livre no Velho Chico, de 1.300 quilômetros, entre a barragem de Três Marias e a cachoeira de Pirapora. O decreto estadual nº. 45.417, de 28 de junho de 2010, vedou a realização de obras de infraestrutura vinculadas à geração de energia nesta região. Mas em 6 de fevereiro de 2018, a legislação sobre a área de preservação permanente foi alterada pelo decreto estadual nº 47.369, incluindo obras para a geração de energia elétrica como uma das tipologias passíveis de serem desenvolvidas no trecho.

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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Comentários 1

  1. Legislação ambiental diz:

    "O licenciamento da hidrelétrica de Formoso está a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), mas essa questão também está envolta em polêmica, pois se trata de rio de domínio federal."
    Polêmica pra quem não conhece a legislação ambiental ou não consegue interpretar. Rio federal não leva a competência pro licenciamento federal.