O processo de licenciamento ambiental da controversa Usina Termelétrica (UTE) São Paulo, a ser instalada em Caçapava (SP), foi suspenso nesta quarta-feira (31) por determinação do juiz Antonio André Muniz Mascarenhas de Souza, da 3ª Vara Federal de São José dos Campos. Uma audiência pública que seria promovida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na mesma data, também foi suspensa. A sentença atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), no âmbito de uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada contra o órgão ambiental, na condução dos trâmites desse mega empreendimento energético, considerado o maior do Brasil. Organizações da sociedade civil e ambientalistas temem pelos seus altos impactos socioambientais em uma região cuja qualidade do ar já é fortemente afetada pela poluição.
O juiz afirmou na liminar que o processo estará suspenso “até a apresentação, pelo empreendedor, de certidão atualizada de ocupação e uso do solo emitida regularmente pelo Município de Caçapava, como condição para apresentação do EIA/RIMA [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] e para sua análise pelo órgão ambiental federal”. Segundo o MPF, a certidão apresentada pela companhia foi obtida em julho de 2022 e expirou há um ano.
Após a conclusão desses trâmites documentais, a fim de garantir o amplo acesso à informação para a sociedade, foi determinado que o Ibama deverá respeitar o prazo de 30 dias úteis entre a publicação do novo edital de consulta à população sobre o empreendimento e a realização da audiência pública. O MPF já havia afirmado, em divulgação sobre o imbróglio, que “pendências na documentação e a pressa na condução do procedimento têm colocado em risco a regularidade da análise ambiental do megaempreendimento energético”.
“A UTE São Paulo terá capacidade para a geração de 1,74 GW, volume superior ao de qualquer unidade desse gênero em funcionamento na América Latina. A energia será produzida a partir da queima de gás natural, com elevado potencial de impacto sobre o Vale do Paraíba. Além de causar danos climáticos e atmosféricos pelo uso de combustíveis fósseis, termelétricas necessitam de grande quantidade de água nas operações, o que ameaça as fontes de abastecimento da população nas regiões onde estão instaladas”, destaca o MPF.
Ainda segundo o MPF, apesar da complexidade do projeto, “o Ibama estabeleceu prazo de apenas duas semanas para que a sociedade pudesse avaliar os estudos de impacto do projeto e participar da audiência pública”. Foi informado na divulgação mencionada que “o evento, agendado para esta quarta, teve o edital de convocação publicado no último dia 15”. O prazo foi destacado como insuficiente “para que os interessados possam analisar as mais de 1,6 mil páginas do relatório sobre as consequências ambientais do empreendimento”. Diante desse cenário, “o MPF quer que o órgão seja obrigado a respeitar um intervalo mínimo de 30 dias úteis entre a convocação e a realização da consulta”, defendeu o Ministério Público Federal em argumento que foi aceito pelo juiz.
Em comunicado à imprensa sobre a realização da audiência pública, o Ibama havia informado que o objetivo do evento era de “apresentar o empreendimento à sociedade, os estudos ambientais e impactos relacionados ao projeto, com a finalidade de sanar eventuais dúvidas da população e coletar informações adicionais para a tomada de decisão sobre a viabilidade ambiental do projeto”. Foi destacado também que, “desde 2020, o Ibama requer que todas audiências públicas sejam transmitidas online, com canais para questionamentos remotos de quaisquer interessados”.
Ainda segundo o órgão ambiental federal, “a equipe técnica da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama analisa o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento para verificar a viabilidade ambiental do projeto”. “O objetivo principal consiste em compreender adequadamente o ambiente na região onde o projeto será implementado. Isso inclui uma análise cuidadosa para identificar e mensurar os impactos ambientais potenciais. Além disso, é essencial que o empreendimento apresente os planos e programas ambientais específicos requisitados, visando controlar, mitigar e prevenir os impactos durante a instalação e operação do empreendimento”, destacou o comunicado do Ibama.
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Ambientalistas alertam sobre riscos de desinformação e dados subestimados
Outro pedido de suspensão da audiência pública tinha partido também do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) que, em parecer protocolado junto à Procuradoria da República, nesta segunda-feira (29), apresentou argumentos de insuficiência técnica dos estudos para o licenciamento ambiental da Usina Termelétrica, sobretudo, envolvendo a poluição atmosférica. A demanda foi apoiada pelo Fórum Permanente em Defesa da Vida e outras organizações ambientalistas
Em entrevista a ((o))eco, o ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Proam, reiterou as preocupações que levaram à apresentação do parecer e ao fortalecimento das ações de articulação das organizações da sociedade civil preocupadas com a perspectiva de instalação de um empreendimento desse porte no Vale do Paraíba e com as falhas que consideram evidentes no processo de licenciamento ambiental. Para ele, uma termelétrica movida a combustível fóssil não se justifica em cenário de agravamento da crise climática.
“O planeta é ainda mais suscetível às mudanças climáticas do que se pensava”, destaca com base em recente artigo liderado pelo cientista James Hansen, pioneiro no debate mundial dessa temática. Na publicação, o ex-cientista da NASA e outros pesquisadores sinalizam que o teto de 2ºC de aumento da temperatura global será alcançado antes de 2050. Bocuhy acrescenta que pela recorrência de eventos extremos já enfrentados no Brasil e no mundo podemos ter uma ideia do cenário arriscado que teremos sem o cumprimento de metas de redução de emissões do Acordo de Paris. Em artigo recém-publicado em ((o))eco, ele refletiu sobre a ocorrência das desafiadoras ondas de calor no mundo e suas complexas interconexões com as atividades humanas e o aquecimento global.
“O gás natural passou a ser apresentado como algo suave, mas é altamente poluente e impactante”, opina. Diante dos prognósticos preocupantes para o futuro do planeta e da vulnerabilidade enfrentada por países como o Brasil, o ambientalista reitera que a decisão de instalar a usina de Caçapava representa um grande equívoco. No parecer do Proam é destacado que há uma previsão de emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), decorrente da queima de 6 milhões de metros cúbicos por ano de gás natural, que poderá alcançar 2.541 toneladas anuais, comprometendo a saúde pública e agravando o quadro, principalmente, de pessoas com doenças respiratórias.
Bocuhy também denuncia que os precursores de poluentes como o ozônio, por exemplo, têm capacidade de atingir até 200 quilômetros de onde são lançados. Essa questão se torna ainda mais preocupante, segundo ele, quando se pensa que cidades como São José dos Campos e Taubaté estão a aproximadamente 20 quilômetros de onde se planeja instalar a usina termelétrica. “Teremos mais lançamento de ozônio em uma região que já está saturada”, alerta.
Outra preocupação do presidente do Proam envolve a defasagem dos padrões de qualidade do ar que servem de referência para processos de licenciamento ambiental de empreendimentos como a termelétrica de Caçapava. “Todos os licenciamentos em curso no Brasil acabam por subestimar as normas protetivas de saúde em relação às emissões de poluentes atmosféricos”, opina. “Assim, se informa mal à sociedade para a qual se passa uma falsa sensação de segurança. Dessa forma, a sociedade vai ser vitimada por uma poluição invisível”, observa o ambientalista.
Os padrões de referência adotados pelo Ibama, para avaliação da termelétrica de Caçapava, são apontados como defasados pois se baseiam em normas da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2005 e, não na versão mais atual, de 2021. Além disso, no caso específico do estado de São Paulo, o Decreto Estadual 59.113, de 2013, tem diretrizes de adoção desses padrões da OMS de 2005, em etapas, estando, quase duas décadas depois, ainda em um estágio intermediário.
Não por acaso, o Proam alerta no seu parecer que “tanto a construção do EIA-RIMA da Termelétrica São Paulo como sua avaliação pelo órgão ambiental estão sendo definidos com base em meras metas intermediárias de padrões finais também defasados”. O Instituto alega, ainda, no documento que “o respeito às constantes atualizações nos padrões de qualidade do ar da OMS, que já ocorreram em 1987, 2005 e 2021, se reveste da maior importância para avaliações ambientais”.
O engenheiro Vicente Cioffi, coordenador do Fórum Permanente em Defesa da Vida, compartilha a mesma opinião de Bocuhy. Para ele, “é inconcebível a instalação de uma termelétrica no Vale do Paraíba, em tempos de emergência climática, e principalmente porque a região não possui capacidade de dispersão para poluentes na maior parte do ano, e sua atmosfera já se apresenta saturada”.
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Muito bom o estudo e reflete exatamente o problema por que passamos em 2008 quando se que fazer o mesmo em Canas. O COMMAM de Lorena enfrentou a situação e levou informações à sociedade sobre os riscos, danos, e dados reais que não estavam no EIA sobre os ventos. À população se afirmou a possibilidade de mais benefícios que o real prejuízo que isso causaria.
Sugiro, neste momento, que nos unamos a força política, para forçar uma adequação da lei para que use os novos valores da OMS ou os dados de estudos reconhecidos mais protéticos sempre, sempre no sentido de maior proteção e precaução, usando como apoio este principio do Direito Ambiental.
O Vale do Paraíba precisa se unir para afastar a ideia sequer de tais projetos em nosso vale.
Ingrid Elena Sánchez Schnoor Nunes é Arquiteta e Urbanista, mestre em planejamento urbano e especialista em meio ambiente e recursos hídricos. Foi presidente do COMMAM Lorena e participou da luta contra a implantação de uma dessas termoelétricas em nossa região.