O licenciamento ambiental da exploração petrolífera na Foz e Margem Equatorial do Rio Amazonas está sendo conduzido “sem adequada consulta prévia, livre e informada, conforme estabelece a Convenção nº 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], e sem a devida transparência”. A afirmação é do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Marinha de Soure e consta na Moção nº 1/2025, assinada por 25 das 30 instituições componentes durante a sua 1º Reunião Extraordinária, realizada no dia 22 de outubro, e levada para ampla divulgação na COP 30 e para encaminhamento a instituições públicas fundamentais para garantir o atendimento às suas resoluções.
A notícia sobre os desdobramentos da Moção na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 chegou à reportagem de ((o))eco nesta quarta-feira (12), durante uma atividade da Campanha Nem Um Poço a Mais, realizada no ginásio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Stella Maris, no centro de Soure, município da Ilha do Marajó, no Pará. O anúncio foi feito pela chefe da Resex Marinha de Soure, Lizângela Aparecida Pinheiro Cassiano, ao relatar suas percepções a respeito desse início de mobilização da sociedade marajoara para barrar o empreendimento. “Eu lamento que tenha sido aprovado [a pesquisa para avaliação da viabilidade econômica]”, afirmou a servidora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), acrescentando acreditar que a união da população, que se mostrava crescente naquela reunião, pode evitar o desastre maior.
Sua intervenção ocorreu em meio a uma sequência de depoimentos, alguns mais emocionados, de moradores de comunidades diversas da cidade, inaugurada por uma fala cortante, que deu o tom da narrativa marajoara neste momento, proferida pelo engenheiro naval aposentado Raimundo Brito: “É claro que já tivemos muitas ameaças, mas essa agora é uma ameaça muito presente, porque está envolvendo muito dinheiro, muita gente ambiciosa, que não quer saber se vai fazer mal ao povo marajoara”.

Na arquibancada e cadeiras dispostas na quadra, dezenas de pessoas se distribuíam, formando um conjunto diverso, composto, além dos moradores locais, por pessoas vindas de alguns estados brasileiros e países que sofrem a exploração petroleira há mais de meio século. Para as comunidades, a motivação principal era conhecer e discutir a “missão” de “proteger o presente e o futuro dos nossos territórios do desastre da indústria petroleira”, conforme instigava o convite distribuído entre as comunidades. Os demais brasileiros e latino-americanos compunham uma rede de integrantes e apoiadores da Campanha Nem Um Poço a Mais, cujo 10º Seminário foi realizado na Vila do Pesqueiro, em Soure, entre os dias 11 e 13 de novembro, e teve a reunião no ginásio escolar como um dos pontos altos da programação.
“Ninguém nos garante que não pode haver uma falha humana na extração desse petróleo. Ninguém nos garante que não pode haver um vazamento por um super tanque desses que vêm pegar o petróleo. E, se houver isso, acabou o Marajó, porque acabou o mangue, acabou o pescado, acabou o caranguejo, acabou nossa fonte de trabalho”, prosseguiu.
As palavras do ancião, que abriram a sessão de manifestações dos convidados, se seguiu à apresentação de um documentário sobre os impactos da indústria petroleira no litoral do Espírito Santo – Mais Vida Menos Petróleo, dirigido por Ricardo Sá e produzido pela Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (FASE), uma das ONGs que lidera a Campanha, junto a dezenas de organizações, movimentos e coletivos, formais e informais, de comunidades e povos tradicionais e ativistas socioambientais – e os depoimentos das quilombolas Miruca, da Ilha da Maré, em Salvador/BA, Vera Domingos, do Engenho Ilha, em Cabo de Santo Agostinho/PE, e Robério Manoel da Silva, de Pontal da Barra, em Barra dos Coqueiros/SE.

Os relatos em primeira pessoa dos três quilombolas, contando sobre mortes, doenças, perdas de território pesqueiro, violações contra crianças e adolescentes, assim como sobre as mentiras, falsas promessas, ilusões e descaso do poder público em relação às suas comunidades, a despeito dos royalties milionários gerados a partir dessa degradação humana e natural, visivelmente, emocionaram os presentes. Inspirador por sua vez foi a apresentação da experiência no Parque Yasuní, no Equador, que teve sua integridade reivindicada pela população do país, durante uma consulta popular realizada em 2023, concomitante às eleições presidenciais. Junto às cédulas com os nomes dos candidatos aos cargos eletivos, estava a pergunta se o eleitor queria ou não deixar o petróleo no subsolo do Parque, para a qual cerca de 60% dos votantes disseram sim para Yasuní. “Vamos Yasunizar o planeta”, convocou Alexandra Almeida, uma das ativistas que atuou no movimento, com sua experiência de 30 anos de militância antipetroleira.
Professores, servidores públicos, estudantes, pescadores, quilombolas e muitos outros integrantes da sociedade marajoara se intercalaram ao microfone, depondo seu espanto com a ausência completa dessas informações ao longo dos nove anos em que a Petrobras e o governo federal visitaram as comunidades, de forma pontual e protocolar, visando atender ao que a lei determina como consulta às comunidades afetadas por empreendimentos petroleiros.
Um dia antes da reunião na Stella Maris, uma linha do tempo dessas comunicações oficiais foi confeccionada por moradores de comunidades da Ilha, como Tucumanduba, Caju-una e Caldeirão. Um total de oito eventos, em nove anos, foi levantado, sendo a primeira recordação de 2016, uma audiência pública em Salvaterra. Em nenhuma delas, afirmam em uníssono os marajoaras, não foi feita qualquer menção sobre os graves riscos que a exploração petroleira representa para o território. “Ah, vai ser lá no mar, muito distante, não vai chegar nada aqui…” são frases repetidas com variações sutis, pelos participantes.
Jorge Gabriel, pescador artesanal de Soure, membro da Associação dos Usuários da Resex Marinha de Soure (Assumares) e do projeto Voz do Mangue, também remontou ao dia em que a moção foi assinada. O pedido da reunião extraordinária em que o documento foi lavrado, narrou, foi feito dias antes, em outubro, durante uma reunião ordinária do Conselho Deliberativo. “Eu fiz uma fala de cinco minutos e me deram depois três horas”, resume, lembrando que, após fazer uma pequena fala a respeito de algumas comunidades destruídas pela exploração do petróleo que a Campanha divulga, os membros do Conselho reivindicaram uma reunião específica sobre o tema, com duração de três horas.


Nesse meio tempo, uma reunião da Petrobras com as comunidades de Soure, que estava agendada para o dia seis de novembro, foi intempestivamente adiada para o dia 25, abrindo uma tríade, prevista para chegar também a Salvaterra e Cachoeira, na mesma semana.
Em Vila do Pesqueiro, o Seminário discute intensamente as estratégias mais adequadas para a participação das comunidades nessas três reuniões, que se deseja não serem meramente protocolares, como as que as antecederam na linha do tempo. Como inspiração para as ações futuras, estão a presença e as histórias dos companheiros baianos, sergipanos, pernambucanos, cariocas, capixabas, equatorianos, peruanos, argentinos, colombianos e mexicanos que, apesar das dores, também relatam vitórias e se solidarizam com o povo marajoara, para que possam, juntos, escrever uma história diferente.
“Você se alertem! É mentira! Não há desenvolvimento [com a indústria petroleira]. Eu espero que vocês se despertem, se unam, se informem e vão pra cima e digam: não queremos! Vocês vão passar por tudo o que nós passamos? Depressão, suicídio … uma pessoa que morava numa roça de três, cinco hectares, ser expulso e ir pra uma casa de 39m², um pombal? Vocês ainda podem dizer não. Tudo isso de vocês ainda está intacto”, declamou Vera Domingos.
Isabel Brito, filha de Raimundo e liderança ecofeminista em Soure, concorda com a companheira pernambucana. “Nós temos muito mais sorte que as comunidades de outros estados que não tiveram a oportunidade de ter o aviso que nós estamos tendo. A informação que a gente tem é que houve a licença para a pesquisa para ver a viabilidade econômica do empreendimento. Então o empreendimento não foi licenciado, não foi instalado. A minha experiência com os licenciamentos legislação me levou a essa ideia que é uma farsa em muitos momentos, mas em relação a Amazônia nesse momento, de colapso ambiental, me leva a acreditar que é muito possível barrar esse processo. Depende da gente aproveitar as oportunidades que estamos tendo de refletir e nos organizar para isso”.
*Fernanda Couzemenco participou do 10º Seminário da Campanha Nem Um Poço a Mais na Ilha do Marajó a convite da FASE/ES.
Leia também
Sociedade civil planeja ir à Justiça contra exploração de petróleo na Foz do Amazonas
A 20 dias da COP30, Ibama concede licença para Petrobras explorar Margem Equatorial. “Sabotagem” e “contradição” foram palavras usadas pela sociedade civil →
Parlamentares de sete países querem barrar novas explorações de petróleo na Amazônia
Movimento mira projetos como na foz do Rio Amazonas, que aumentarão a poluição climática e os riscos de acidentes →
MPF aponta riscos a comunidades e pede veto à licença de petróleo na Foz do Amazonas
Procuradores pedem que Ibama não libere licença de petróleo na Foz do Amazonas até que falhas ambientais e riscos a comunidades sejam corrigidos →




