Há 15 anos em debate no Congresso Nacional, propostas para alterações na legislação do licenciamento ambiental ganharam força com o governo Bolsonaro e podem ser votadas esta semana, na Câmara dos Deputados. Especialistas e parlamentares apontam que o projeto de lei está recheado de retrocessos e que pode tornar o procedimento uma exceção para obras de infraestrutura, ampliando impactos socioambientais em todo o país. De carona, ruralistas tentam driblar o licenciamento para suas atividades.
Não são apenas inúmeros animais selvagens ou o verde da Amazônia que correm risco de extinção. O licenciamento ambiental, cuja legislação é construída no país desde os anos 1970 e que busca reduzir os estragos na natureza e os impactos nas pessoas provocados por obras de infraestrutura, pode estar com os dias contados. Afinal, um projeto tramitando em regime de urgência pode dar cabo de seus principais instrumentos. No Brasil, mais de 3 mil municípios têm lei específica para o licenciamento. No mundo, ele é regra em 200 países.
“As propostas legislativas miram principalmente a redução de prazos para a emissão de licenças, mas isso em si não é problema. O problema é que estão enfraquecendo a avaliação e as medidas para a redução de impactos socioambientais, especialmente de grandes projetos de infraestrutura. Isso faz parte da onda de retrocessos que assistimos em todos os campos, na proteção ambiental, nos direitos sociais e no respeito à diversidade cultural”, disse Luis Enrique Sánchez, professor titular da Escola Politécnica da Universidade São Paulo (USP).
Segundo ele, relatórios do Tribunal de Contas da União mostram que as licenças emitidas pelos órgãos federais têm na maioria atendido aos prazos legais e que problemas de outros organismos ampliam a pressão sobre quem licencia. “Avaliação do órgão sobre rodovias e linhões de transmissão de energia mostra que a maioria das licenças tem prazos atendidos. Análise anterior, sobre rodovias e ferrovias, mostrou que problemas em processos do DNIT aumentavam a pressão sobre o Ibama”, ressaltou Sánchez.
Para a Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Ambiental (Abai), o principal pecado da proposta em tramitação é justamente enfraquecer a legislação para cortar prazos e custos do licenciamento enquanto não fortalece estrutura e capacidade dos órgãos ambientais. Trinta dos 50 quesitos do texto que circula na Câmara foram considerados “preocupantes” pela entidade. Os demais foram vistos como “neutros” ou “promissores”, mas dependem de regulamentação posterior à aprovação da lei.
“O PL (projeto de lei) pretende essencialmente agilizar e simplificar os processos decisórios. Contudo, as regras propostas (e não propostas) poderão ter vários efeitos adversos. Caso o PL não passe por profundas correções e ajustes, sua efetivação, além de comprometer a qualidade ambiental do território brasileiro, poderá se desdobrar em conflitos entre partes interessadas e judicialização generalizada, trazendo ainda mais obstáculos e insegurança jurídica para o desenvolvimento econômico do país”, ressaltou uma nota da associação.
Segundo o professor associado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG) e um dos autores do estudo da Abai, Alberto Castro Fonseca, críticas e sugestões apresentadas em uma série de audiências públicas na Câmara não foram incorporadas ao projeto de lei e avançar com uma proposta recheada de problemas pode ser um tiro no pé, inclusive para o setor privado. Segundo ele, o Brasil está tratando “de forma tosca uma questão complicada”.
“O licenciamento é moroso no mundo todo e conflitos são inerentes aos grandes projetos. Em 2012, o Canadá aprovou lei semelhante à que tramita na Câmara, reduzindo estudos e o rigor do processo. Mas teve que voltar atrás pela ampliação de ações judiciais, de impactos socioambientais e de prazos e custos do licenciamento. Além disso, a tramitação na Câmara é um ‘teatro da participação’. Há debate, mas as críticas e sugestões para melhoria do texto são ignoradas”, ressaltou.
Dos 12 membros do grupo de trabalho da Câmara que toca a reforma do licenciamento ambiental brasileiro, apenas 3 são “ambientalistas”. Os demais votam com a Bancada Ruralista. O time é coordenado por Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL). Durante audiências públicas sobre o tema, ele prometeu “elaborar uma proposta legislativa que abrigasse interesses dos setores produtivos e dos ambientalistas”. Do discurso à prática, seu relatório está distante desse equilíbrio.
Conforme 90 de entidades socioambientalistas, o deputado federal “rompeu acordos anteriormente firmados e apresentou, de última hora, um substitutivo que torna o licenciamento exceção, em vez de regra, comprometendo a qualidade socioambiental e a segurança jurídica das obras e atividades econômicas com potencial de impactos e danos para a sociedade. (…) Deixou-se de lado o equilíbrio e o consenso para dar lugar a entendimentos às escuras, em detrimento da população”.
À frente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), se disse surpreso com a quantidade de retrocessos do último relatório de Kataguiri para o licenciamento ambiental e afirma que tentará melhorar a proposta antes de sua apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados. Se for aprovada, seguirá para o Senado Federal.
“Os debates entre parlamentares, especialistas e ambientalistas foram enriquecedores, mas para nossa surpresa o último texto é puro retrocesso. Tentaremos melhorar a proposta, pois se algumas questões forem aprovadas teremos um embate jurídico e isso será ruim para todos. Ambientalistas e empresários modernos querem um licenciamento ambiental ágil, eficiente e transparente, mas não podemos abrir mão das garantias de proteção socioambiental, algo apoiado em nossa Constituição Federal”, destacou.
Retrocessos em série
O relatório aceita um licenciamento por “adesão e compromisso”. Isso permitirá que empreendedores licenciam suas próprias obras, driblando análise ou fiscalização da sociedade e órgãos públicos. O texto também reduz prazos para emissão das licenças, isenta empreendimentos de avaliação sobre prejuízos socioambientais, reduz a área de influência dos projetos ‒ encolhendo estudos sobre impactos ‒ e passa um cheque em branco para que estados definam o quê e como será licenciado.
“Isso facilitará que órgãos dispensem estudos de impacto ambiental, como já vem ocorrendo em estados como São Paulo e Minas Gerais. Outra válvula de escape para se evitar licenciamentos é fatiar grandes projetos em obras menores, algo previsto na proposta em trâmite na Câmara dos Deputados”, lembrou Luis Enrique Sánchez, da Escola Politécnica da Universidade São Paulo.
Também rouba o sono de ambientalistas e pesquisadores a isenção de licenças para reformas de estradas e rodovias, incorporada ao relatório sobre licenciamento, apoiada pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, esse é um “atalho que não existe em lugar nenhum do mundo” e que pode abrir alas para o asfaltamento desregrado de inúmeras estradas hoje não pavimentadas, por exemplo em regiões preservadas da Amazônia. Na região, nove em cada dez hectares desmatado estão no entorno dessas vias.
Kataguiri (23) também acolheu proposta da Bancada Ruralista para que atividades agropecuárias sejam dispensadas de licença para quem tem o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um dos instrumentos da legislação florestal. Esta semana, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) publicou uma resolução abrindo alas para que o registro no CAR libere o acesso a créditos rurais, mesmo sem a validação do cadastro. O SFB é comandado pelo ruralista e ex-deputado federal Valdir Colatto.
“A medida busca isentar atividades agropecuárias de licenciamento, como pretendem outros projetos tramitando no Congresso. A proposta faz parte das ‘grosserias’ incorporadas ao relatório da lei sobre licenciamento que devem sofrer ações judiciais. Ainda não entenderam que não há ‘bala de prata’ para o licenciamento. Deveríamos estar construindo uma legislação que equilibre rigor, previsibilidade e segurança jurídica”, disse Fonseca, da UFOP.
Por essas e outras, críticas à proposta foram engrossadas pelo Ministério Público Federal. O órgão avisa que segurança jurídica e agilidade no licenciamento “não serão alcançados por uma “simples e obscura” flexibilização nas normas que disciplinam a matéria. Em vez de se flexibilizar o licenciamento, eficiente seria fortalecer os órgãos ambientais e demais participantes dos procedimentos, que vêm sofrendo um gradativo sucateamento (…). Não se pode, a pretexto de reduzir a burocracia, eliminar o rigor”.
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Por isso e outros o Brasil esta sendo visto La fora sempre andando na contra Mao de conservação! A destruição de toda controle ambiental acaba jogado no lixo o nome do Brasil! Assim nenhum pais vai para frente!
O "rigor" do sistema atual é só para quem não pode comprar facilidades. Grandes empreendimentos absorvem os custos, contratam os intermediários indicados para "facilitar" os processos, e conseguem licenças para qualquer barbaridade. Pequenos empreendedores se afogam num mar de exigências sem nexo e má vontade. Por isso essa política de afrouxar o licenciamento é popular.
A verdade é que a sociedade deu aos ambientalistas as ferramentas legais e institucionais para um licenciamento moderno, mas o que se construiu foi um sistema retrógrado e adversarial, focado em processos e não em resultados, e tratando o suplicante como um inimigo a ser derrotado se possível.
Até para criar uma RPPN a burocracia exigida é repugnante e inútil.
É EXATAMENTE isto, George.
Faço minhas suas palavras.
Acordou com vários setores um texto viável. Na hora 'H", apresentou outra 'cossa'.
Mentiroso, borra botas. Frouxo. Mais um da república da banania.
O jovem encagaçado da nova política.
Pode jogar fora.