Foram suspensas as licenças prévias e de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, em Minas Gerais. A decisão do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) foi publicada nesta quinta-feira (15) em favor do pedido do Ministério Público Federal (MPF). O projeto foi autorizado pelo Governo do Estado de Minas Gerais e previa a instalação de um amplo projeto de mineração na Serra do Curral, com trechos nos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará.
De acordo com o MPF, as licenças concedidas pelo governo estadual são nulas porque não contaram com a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do empreendimento, conforme a Convenção de número 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal. O pedido ao TRF6 foi feito em ação civil pública ajuizada em junho deste ano.
Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, ela foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, e, em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual [patrimônio cultural de Minas Gerais], pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Ambos os registros, municipal e estadual, ressaltaram a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.
“Do conjunto de provas que acompanham o agravo de instrumento, é possível perceber que há na Serra do Curral valor insubstituível para aquelas famílias que cultivam as tradições quilombolas específicas da comunidade Manzo, seja pelo aspecto antropológico ou social, como pelas práticas religiosas do candomblé, o que inclui o uso de plantas encontradas no CMST e a importância para os fluxos de água e o solo ali presentes”, citou o documento.
Tâmisa, Zema e outras disputas na Serra
Os holofotes políticos jogados sobre a disputa pelo avanço da mineração na Serra do Curral trouxeram consequências para o governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). De acordo com relatório divulgado em novembro pelo Jornal Folha de S.Paulo, Zema está sob investigação da Polícia Federal desde 2020. Um edital publicado pela Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais) teria rebaixado critérios de avaliação e acelerado etapas de licitação para facilitar que a Serra do Curral fosse explorada.
A avaliação do relatório indica que “os tempos observados entre o requerimento de lavra e a concessão de lavra ou entre [protocolar o pedido para] a licença ambiental e a concessão de lavra, outorgada pela ANM [Agência Nacional de Mineração], foram menores do que aqueles observados para projetos similares”. Ainda de acordo com o laudo técnico divulgado, as mineradoras Gute Sicht e Fleurs teriam obtido autorização da Semad para operação sem apresentarem nos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e estudos ambientais para a mitigação do impacto causado pela exploração da Serra.
As mineradoras Gute Sicht e Fleurs teriam obtido autorização da Semad para operação sem apresentarem nos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e estudos ambientais para a mitigação do impacto causado pela exploração da Serra.
cita o relatório
Em setembro, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), a deputada federal Áurea Carolina (Psol) e a vereadora Bella Gonçalves (Psol), juntamente com o Instituto Guaicuy, o Fórum Permanente do São Francisco e Projeto Manuelzão, já haviam apresentado denúncia ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra atos administrativos de Charles Soares de Sousa, nomeado em julho para a Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), e que teria agido em favorecimento da mineradora Gute Schit na Serra do Curral.
Em 2022, ainda de acordo com a denúcia apresentada, a Gute Sicth descumpriu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com a Supram, ao suprimir, de maneira ilegal, a vegetação de uma área preservada. Porém, o então superintendente cancelou o ato de infração e a multa aplicada à mineradora. Ele também teria sido responsável por garantir a continuidade das operações da empresa na Serra do Curral até 2023. Sousa foi dispensado do cargo em outubro e substituído por Daniel dos Santos Gonçalves.
De acordo com matéria divulgada pelo portal G1, a partir de relatório produzido por Gonçalves, a mineradora Fleurs, que tem sócios em comum com a Gute Schit e faz beneficiamento de minério pelo menos desde 2018 na Serra do Curral, coleciona 15 autos de infração emitidos pela Secretaria de Meio Ambiente além de dois processos de licenciamento indeferidos e um arquivado. Ainda assim, segue operando por meio de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Serra em disputa
O projeto barrado pelo TRF6 é mais amplo na exploração Serra do Curral, e preocupante pela extensão e os impactos que pode causar na paisagem, biodiversidade e recursos hídricos da região. Pleiteado pela empresa Taquaril Tamisa S.A, sua aprovação ocorreu na madrugada do último dia 30 de abril, quando o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou o pedido de licenciamento.
A rapidez do processo foi questionada por ambientalistas e, também, pela prefeitura de Belo Horizonte, que chegou a acionar o STF (Superior Tribunal Federal) para que o processo de tombamento, através do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), fosse agilizado e pudesse impedir o avanço da exploração.
Em 5 de agosto, depois de reuniões referentes ao tombamento terem sido adiadas, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu ações na Serra do Curral relativas à mineração da Tamisa até que o processo junto ao Iepha fosse finalizado.
Durante todo esse período, Romeu Zema negou envolvimento em qualquer tipo de favorecimento a esse ou a qualquer projeto de mineração, mesmo diante de evidências contrárias, como a nomeação, reportada pela Agência Pública, da prima do diretor executivo e sócio da Taquaril Mineração (Tamisa) para a presidência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) , logo após exonerar o então diretor Felipe Cardoso Vale Pires, que havia encaminhado, dois meses antes, um ofício ao Ministério Público revelando possível ilegalidade no processo de licenciamento do empreendimento solicitado pela mineradora.
O alto risco de uma nova Brumadinho
A falta de transparência institucional que ganha vulto em Minas Gerais e visibilidade, neste momento, por conta das revelações sobre a Serra do Curral, também é característica da maior entidade reguladora do país, a Agência Nacional de Mineração (ANM), não por acaso envolvida no processo que investiga Romeu Zema.
É o que indica relatório produzido pelo Tribunal de Contas da União. O documento analisou o índice de risco de 29 áreas selecionadas pelo TCU nos últimos cinco anos (2018 a 2022), utilizando critérios como a vulnerabilidade à fraude, ao desperdício, abuso de autoridade, má gestão ou que precisam de mudanças profundas e urgentes para que os objetivos das políticas públicas possam ser cumpridos.
De acordo com o estudo, a ANM, órgão responsável por fiscalizar mineradoras e garantir a segurança de barragens no país, aparece em segundo lugar na lista dos que possuem alto risco de desenvolver corrupção e fraude, ficando atrás apenas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ainda de acordo com o TCU, a ANM combina poucos aparatos de combate a irregularidades e um elevado poder de regulação sobre um setor com grande impacto na balança comercial do país. Essa junção de aspectos aumenta o risco de comprometimento da independência decisória.
Os recursos humanos e orçamentários também são entraves para o trabalho da agência. Apesar do papel de planejar e fiscalizar todas as atividades de exploração mineral realizando auditorias em barragens – e, também, analisar laudos de estabilidade apresentados – por falta de pessoal, infraestrutura precária e baixo orçamento, a ANM depende de inspeções encomendadas e pagas pelas próprias empresas mineradoras. Um desses laudos atestou a segurança da estrutura da barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG) no final de 2018.
Para realizar a pesquisa, auditores do TCU analisaram a existência de mecanismos internos de prevenção e combate a irregularidades em cerca de 300 órgãos federais. Desenvolvido sob a relatoria da ministra do TCU, Ana Arraes, elaborou uma Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal concluído em junho de 2022 e encaminhado ao Congresso Nacional, e recentemente, ao coordenador da equipe de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
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