“Cidade não é lugar de horta!”. Quando a primeira horta comunitária em praça pública da cidade de São Paulo iniciou os seus trabalhos, no ano de 2012, deixou muita gente insatisfeita. Não o suficiente para fazer com que um grupo de cidadãos abandonassem a ideia de ocupar o espaço público plantando comida. Mas o protesto deixava claro que, para muitos de seus habitantes, o cultivo não combinava com o asfalto, os prédios altos e espelhados, as avenidas e pontes com trânsito caótico que tanto fazem parte da vida dos que convivem com os espaços centrais da megalópole – e que parecem definir a sua identidade.
Vale lembrar, porém, que assim como os rios canalizados que hoje correm invisíveis sob os pés, o plantio do que se come está intimamente ligado à constituição da cidade. Antes da delimitação atual de seu território e do vertiginoso processo de urbanização ocorrido no início do século vinte, o que hoje é urbano já foi caracterizado por habitações simples, chácaras e fincas, onde plantar no quintal para abastecer a família fazia parte do cotidiano.
E a cidade ainda é rural, mesmo que em parte. Aproximadamente um terço da extensão de São Paulo recebe a classificação oficial de zona rural. Os indígenas da TI Tenondé Porã, por exemplo, seguem com o seu modo de cultivo milenar em Parelheiros, extremo sul da capital paulista, região onde os imigrantes japoneses desenvolveram de forma intensa a sua atividade agrícola familiar e, junto com outros habitantes, transformaram a zona em referência na produção de alimento. E esse é um pedaço muito pequeno da história das milhares de pessoas que acordam diariamente, em todas as regiões, para cuidar do cultivo alimentar na urbe.
Há aqueles que, como ocorreu no movimento da Horta das Corujas, na Praça das Corujas, no bairro da Vila Madalena, plantam não apenas para alimentar o corpo, mas também para nutrir o ativismo em prol de uma metrópole mais verde e ambientalmente saudável. “O movimento criado pelos hortelões urbanos, que começou como um grupo de Facebook, ganhou repercussão em toda a cidade e a Horta das Corujas tem sua importância por ser uma materialização desse movimento. Só que existem múltiplas facetas no que se refere às hortas urbanas, assim como são múltiplas as suas funções e territorrialidades”, explica Gustavo Nagib, que realizou tese de mestrado acerca do tema, em entrevista ao ((o))eco.
Ao sabor dos serviços ecossistêmicos
Juliana Luiz, gerente de Projetos do Instituto Escolhas, lembra que o desenvolvimento plural de projetos onde o cultivo de alimentos é praticado – seja como fonte de renda, na forma de substrato para a educação ambiental, como atividade terapêutica e agregadora ou no central combate à insegurança alimentar –, tem conexão direta com a adaptação e mitigação às mudanças climáticas.
“Há uma enorme sinergia entre produção de alimentos e serviços ecossistêmicos. A gente pode chamar aqui os serviços ecossistêmicos como contribuições da natureza para as pessoas. É o caso do ar, da água, da provisão de alimentos. Todos esses são exemplos de serviços ecossistêmicos. Sistemas alimentares mais ambientalmente sustentáveis têm o potencial de construir caminhos e soluções, por exemplo, para uma melhor infiltração da água no solo, o que evita o risco de enchentes. Assim como podem promover uma melhor gestão dos resíduos sólidos urbanos, a regeneração de áreas degradadas dentro das cidades, a conservação e ampliação de áreas verdes urbanas, sem perder o norte primordial do combate à fome”, exemplifica.
No centro os nas periferias – cada vez mais protagonistas na apropriação do cultivo de alimento e no ativismo ambiental – as hortas urbanas paulistanas resistem de forma tão multifacetada como a própria cidade, mas com o denominador comum de serem peças capazes de contribuir para a solução de problemas ambientais sistêmicos, como apontam os especialistas escutados por ((o))eco.
Lugar de horta
A jornalista Débora Pinto visitou três hortas urbanas e escutou suas líderes para compreender, ainda que em um recorte territorial pequeno e limitado à Zona Oeste da cidade, como as hortas urbanas promovem reflexões em espaços públicos, estabelecem relações entre instituições e a comunidade e transformam vidas nas franjas da cidade.
Confira o vídeo e conheça a Nossa Horta Parque Continental e sua líder, a agricultora e gestora Maria Dilva Duarte, a horta da Faculdade de Medicina da USP, comandada pela Professora Associada do Departamento de Patologia da Universidade de São Paulo e Coordenadora do Grupo de Estudos em Agricultura Urbana do Instituto de Estudos Avançados da USP, Thaís Mauad, e a Horta das Corujas, co-fundada e liderada pela jornalista, ambientalista e agricultora Cláudia Visoni.
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