Reportagens

ONG internacional de combate a crimes climáticos fortalece atuação no Brasil

Objetivo do Centro para Análises de Crimes Climáticos é utilizar ferramentas de investigação e análise criminal como estratégia para alcançar metas do Acordo de Paris

Cristiane Prizibisczki ·
4 de março de 2021 · 4 anos atrás
A pecuária é o maior vetor de desmatamento na Amazônia. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Ao final de janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) finalizou a inclusão de todos os frigoríficos do Estado do Amazonas – os devidamente registrados nos órgãos de inspeção sanitária – no programa Carne Legal, ao conseguir a adesão do Frigorífico Amazonas no TAC da Carne, o Termo de Ajustamento de Conduta que visa à regularização da cadeia produtiva da pecuária no bioma amazônico. A investigação que embasou a ação legal do MPF junto ao Frigorífico Amazonas foi realizada por uma organização internacional cuja atuação no país tem sido cada vez mais contundente: o Centro para Análises de Crimes Climáticos (CCCA – Center for Climate Crime Analysis –, na sigla em inglês).

Sediada em Haia, Holanda, a CCCA é uma organização sem fins lucrativos de promotores e profissionais de justiça projetada para apoiar e ampliar a ação judicial, em nível nacional e internacional, contra condutas ilegais que venham a provocar alterações climáticas em todo mundo.

Em seu corpo técnico e consultivo estão advogados, promotores, investigadores e policiais que atuaram ou ainda atuam em organizações como o Tribunal Penal Internacional, Tribunal de Crimes de Guerra da ONU, Promotoria de Crimes Ambientais dos EUA e a rede europeia de policiais e investigadores na área de crimes ambientais EnviCrimeNet, entre outras instituições. A CCCA tem a aprovação e coopera com a Europol – serviço de inteligência policial da União Europeia –, com o Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional e com a Rede Europeia de Crimes Ambientais.

“As mudanças climáticas são o maior desafio de nossa geração e a única maneira de enfrentá-la é colocando em jogo tudo o que temos: a ciência, a política, as finanças, a sociedade civil. Pessoalmente, eu também me perguntava se no campo da aplicação das leis, o Poder Judiciário, em suas diferentes esferas, estava desempenhando um papel suficiente para contribuir para a solução desse problema”, explicou Reinhold Gallmetzer, advogado, fundador e presidente do Conselho de Administração do CCCA, em entrevista a ((o))eco.

“Em 2015 participei da Conferência do Clima da ONU, quando o Acordo de Paris foi aprovado, e busquei descobrir, conversar com especialistas, para ver se havia alguma visão na qual o Poder Judiciário pudesse impactar e contribuir, de forma coordenada e estratégica, no combate à crise climática. A minha conclusão é que não existia [essa visão]. A ideia é que a CCCA faça exatamente isso”, explica.

Combate ao crime climático

A premissa da CCCA é que a justiça – por meio de processos criminais, civis ou regulatórios – pode ajudar a alcançar os objetivos do Acordo de Paris ao ser utilizada como parte de uma abordagem integrada que envolva governos, empresas privadas, setor financeiro, ciência e sociedade civil nas estratégias de redução de gases de efeito estufa. Isso porque uma parte significativa das emissões globais de GEE resulta de, ou está associada a condutas que violam as legislações existentes. As emissões causadas pelo desmatamento e degradação florestal são um exemplo claro dessa situação: no Brasil, segundo estudo publicado em maio de 2020 pelo MapBiomas, menos de 1% do desmatamento registrado no país em 2019 tinha autorização de supressão. Isto é, 99% de todo desmatamento acumulado naquele ano era irregular.

Mesmo quando as emissões não são baseadas diretamente em conduta ilegal, elas ainda podem estar associadas a crimes como corrupção, violações comerciais e trabalhistas, crimes financeiros ou fraudes – cometidos, por exemplo, no contexto de extração ou comercialização de comodities, como a madeira –, além de atos de violência direta contra povos indígenas e ambientalistas.

Desmatamento responde por 44% das emissões brasileiras. Foto: Greenpeace/Marizilda Cruppe/EVE.

Caso brasileiro

O Programa Carne Legal completa 12 anos em 2021. Durante esse período, centenas de ações foram movidas pelo MPF contra frigoríficos da Região Amazônica flagrados em irregularidades, resultando na assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta, nos quais os abatedouros se comprometem a não comercializar, abater ou receber gado proveniente de fazendas onde tenha ocorrido desmatamento ilegal, ou que tenham registro de trabalho escravo.

Apesar da expertise adquirida pelo MPF, as investigações que levam à abertura de uma Ação Civil Pública podem durar vários meses ou até anos. “O MPF tem suas dificuldades de pessoal, dificuldades estruturais. As análises feitas por nossos peritos às vezes chegam a demorar anos, porque existe uma fila, uma organização que precisa ser seguida”, explicou a ((o))eco o procurador da República Rafael da Silva Rocha, que esteve à frente da ação que levou à assinatura do TAC com o Frigorífico Amazonas. “A análise feita pela CCCA foi entregue em 40 dias”, disse.

O documento da CCCA recebido pelo MPF era um laudo técnico com informações georreferenciadas sobre as irregularidades encontradas entre os fornecedores do Frigorífico Amazonas e os responsáveis legais por elas. A partir deste laudo, o MPF pode fazer uma verificação direcionada junto aos órgãos ambientais competentes para, então, elaborar a Ação Civil Pública, que decorria em multa R$43 milhões contra o frigorífico. Ao chegar na Justiça, a empresa optou pela adesão ao TAC.

“Deu muito certo [a parceria entre MPF e CCCA], porque conseguimos, a curto prazo, analisar as compras do frigorífico, ajuizar a Ação Civil Pública e o próprio frigorífico procurou o MPF para assinar o acordo. É um trabalho bem sucedido e exemplo de parceria que esperamos reeditar futuramente, quem sabe até com escala maior”, disse o procurador.

Além da parceria com o MPF, desde 2019 a CCCA vem atuando no Brasil no rastreamento de madeira proveniente de desmatamento ilegal que entra o mercado internacional.

“Os trabalhos da CCCA não se limitam a apoiar esforços domésticos, nós também usamos a legislação e as regulações dos diferentes países para complementar qualquer trabalho que esteja sendo feito internamente. Fornecemos às autoridades de aplicação da lei estrangeiras provas que lhes permitem, por exemplo, abordar a questão da importação de madeira de origem ilegal do Brasil”, explica Gallmetzer.

“Além disso, se identificamos uma determinada empresa que desempenha papel principal na condução do desmatamento ilegal, observamos quem são seus investidores. Muitos desses investidores têm política de zero desmatamento, como as instituições financeiras, por exemplo. Então, o que fazemos é fornecer informações concretas para mostrar a esses investidores que suas ações violam suas próprias políticas”, complementa.

Mineração em Cerro de Pasco, no Peru. Foto: Wikicommons.

Esse foi o caso de Cerro de Pasco, no Peru, cidade onde a mineradora Volcan vinha, há décadas, cometendo várias violações ambientais, com impactos à saúde dos habitantes locais. Em sua investigação, a CCCA descobriu que um dos maiores investidores da empresa controladora da Volcan (Glencore) era o Fundo de Pensão Global Norueguês, que tem duras regras ambientais. A ONG, então, enviou um relatório descrevendo todos os delitos cometidos pela mineradora, o que, ao final, resultou na decisão do Fundo em não investir mais na empresa.

No Brasil, a CCCA conta com a expertise de profissionais não só do campo jurídico, mas de outras áreas consideradas chave para o enfrentamento dos principais problemas ambientais brasileiros, como especialistas em análise de dados georreferenciados. Além disso, a ONG tem parceria com diferentes organizações brasileiras, como Imazon, Instituto Socioambiental, Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé) e MapBiomas, por exemplo.

“Nós não replicamos o que as outras organizações fazem. Na verdade, procuramos ser um multiplicador de forças. Nós combinamos os dados disponíveis e montamos o quebra-cabeças de peças individuais que são geradas e mantidas por estas organizações, reunindo-as em um dossiê que seja completo e forte o suficiente para que os órgãos de aplicação da lei possam agir”, disse o fundador da ONG.

O Centro para Análises de Crimes Climáticos é mantido por fontes de financiamento independentes e não cobra pelos trabalhos executados.

Segundo a organização, em um futuro breve, a parceria com o MPF no Amazonas deve ser estendida para os estados do Mato Grosso e Pará, onde há maior concentração de frigoríficos.

 

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  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    É isto.
    Quem não deve não deve temer.
    Segure o jogo.