Reportagens

Petrobras pode se reinventar com descarbonização; estudos apontam soluções 

Dois economistas da UFRJ e 30 organizações integrantes do Observatório do Clima indicam saídas para a petrolífera promover a transição energética e tornar-se líder em renováveis

Elizabeth Oliveira ·
17 de setembro de 2025

Para enfrentar os desafios do agravamento da crise climática e cumprir os compromissos nacionais e internacionais relacionados a essa agenda estratégica, assim como os demais países signatários do Acordo de Paris, o Brasil terá que promover a transição energética gradual, devendo reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Com essa lição de casa em dia, a Petrobras poderá assumir um papel de liderança como empresa energética, ampliando a oferta de fontes renováveis no seu portfólio, ainda ancorado na produção de petróleo e gás. Os caminhos para tanto, são sinalizados por uma força-tarefa formada por dois professores de referência do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ) e por 30 organizações integrantes do Observatório do Clima, em dois documentos que foram lançados nesta terça-feira (16), em evento no Rio. 

As recomendações dos dois estudos são apontadas como centrais para se pensar o futuro, não somente da Petrobras, mas de um país como o Brasil que depende fortemente das exportações de petróleo, cuja tendência de consumo global é de entrar numa rota de retração na próxima década, frente, sobretudo, aos desafios relacionados à crise climática e seus desdobramentos em acordos diplomáticos. Além disso, o mercado global dessa commodity tem sido marcado historicamente pela volatilidade de preços, que impacta processos de produção e consumo, além das contas nacionais. Com tantos dilemas a enfrentar, tendo ainda cenários geopolíticos globais cada vez mais conturbados, mudar não é somente preciso, como também é possível, segundo sinalizado nas publicações lançadas. 

Em Questões-Chave e Alternativas para a Descarbonização do Portfólio de Investimentos da Petrobras, os economistas Carlos Eduardo Young e Helder Queiroz, ambos professores do IE-UFRJ, apontaram alguns consensos centrais relacionados ao tema, trazendo dez recomendações para os tomadores de decisão na empresa petrolífera e para além dela. Na publicação, eles defendem como indispensável, “a definição de diretrizes de longo prazo, ancoradas numa política de Estado crível e comprometida com a questão climática”, e consideram que a empresa “deve permanecer pública e comprometida com as políticas públicas de desenvolvimento do país”.

Quando abordam a questão de valor de mercado da empresa, Young e Queiroz consideram que o futuro da sua sustentabilidade financeira envolve a saída parcial de combustíveis fósseis, fonte de produção e receita que deve ser substituída por outras atividades que também garantam rentabilidade. Como exemplo, mencionam que investimentos em refino devem ser concentrados nas frentes de “descarbonização e ampliação da eficiência energética das operações”. Da mesma forma, os economistas apontam para a importância da “manutenção da excelência operacional e tecnológica, com liderança na produção nacional”, reconhecidas como fortes características dessa grande empresa.

No país que alcançou avanços consideráveis nas indústrias de etanol e biodiesel, os economistas ressaltam o potencial da Petrobras para a produção de hidrogênio, biogás, biometano, além de combustível sustentável para a aviação, dentre outras possibilidades de novos negócios. “A Petrobras, como empresa líder e engajada no desenvolvimento brasileiro, pode e deve ser modelo de transição para uma economia de baixo carbono”, defendem no documento que produziram.

Foto: Lucas Landau/Observatório do Clima

As análises desse estudo estão estruturadas em seis fatores-chave considerados como pilares de avaliação para a atuação da Petrobras. O primeiro envolve questões de geopolítica e a interface entre impactos no preço do petróleo e as mudanças climáticas. Na sequência, são abordadas questões de alinhamento governamental tendo em vista diretrizes de políticas públicas e de regulação. Além disso, são apresentados tópicos como inovação e tecnologia, microeconomia, bem como macroeconomia, incluindo a sua conexão com desenvolvimento regional, diversificação de portfólio e novos vetores estratégicos. 

Dentre inúmeras questões abordadas no estudo que produziram, os economistas também destacam que “a posição de anfitrião da COP30, em novembro de 2025 (Belém do Pará), exige do Brasil uma postura de liderança na redução de emissões, tanto domesticamente quanto globalmente”. No entanto, ponderam que “o eixo central do planejamento da Petrobras e as próprias projeções de crescimento da oferta feitas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) não estão coerentes com isso”. 

Segundo ilustram: “O Plano Nacional de Energia 2050 prevê a manutenção dos níveis de produção nacional esperada para 2030 (5,5 milhões barris/dia) até o horizonte 2050. Ainda que haja foco na exportação de petróleo bruto, é evidente pelas projeções de que o consumo doméstico de combustíveis fósseis no Brasil não irá declinar”. Diante de todos os desafios existentes, eles alertam que “será decisivo o papel do Estado, tanto como acionista majoritário da Petrobras, quanto como legítimo formulador de políticas públicas setoriais”. 

“A Petrobras que eu quero é uma Petrobras pública, que atinja os objetivos do desenvolvimento nacional, que mantenha, sim, uma atividade importante, mas sem uma expansão que tenha o objetivo de exportar e gerar caixa”, afirma Young. “É preciso aumentar o investimento em transição energética e também em mitigação. Uma Petrobras mais ativa no combate ao desmatamento e também na adaptação climática”, acrescenta o economista.

Síntese das mensagens centrais do estudo da UFRJ

  • É fundamental, da parte do Estado brasileiro, uma definição clara e não conflitantes das diretrizes de políticas setoriais (energia, meio ambiente, industrial, tecnológica) que sinalizem um horizonte para a redução da demanda de combustíveis fósseis;
  • É também indispensável o alinhamento com relação aos acordos internacionais do clima e as posições assumidas pelo Brasil;
  • O comprometimento da Petrobras com ações de conservação, mitigação e adaptação com respeito ao clima deve ser ampliado e ancorado em bases críveis;
  • Os programas de investimento nas Energias de Baixo Carbono devem ser ampliados e ter sua implementação privilegiada;
  • Os programas de investimento em novas refinarias, altamente intensivos em capital e de largo tempo de maturação, devem ser descontinuados, face a esperada redução da demanda, favorecendo ganhos de escala para a ampliação da participação de novos combustíveis na matriz energética;
  • O risco crescente de retração da demanda futura por combustíveis fósseis em função da implementação dos Acordos Internacionais já pactuados pelos países, que requer uma rápida e significativa redução na emissão de GEE, precisa ser incorporado no planejamento e tomada de decisão da empresa;
  • A Petrobras, e o setor de petróleo e gás natural como um todo, não podem ser considerados como meros instrumentos de “solução” para o problema macroeconômico que abarca a questão fiscal no país;
  • Há de se ter em mente os riscos mencionados acima da “bolha de carbono” em contraste com opções sustentáveis (biocombustíveis de segunda e terceira geração, fontes alternativas, eficiência, etc.);
  • A demanda brasileira de combustíveis fósseis está concentrada no sistema de transporte e indústria de transformação, visto que o consumo para termeletricidade é relativamente pequeno e não há demanda significativa para aquecimento. O uso de biocombustíveis já é elevado, através do etanol e biodiesel, e deverá ser incrementado;
  • A demanda industrial também pode ser afetada por maior uso de renováveis e aumento da eficiência energética. Este último ponto é central e deveria ser privilegiado no âmbito da consecução das políticas públicas setoriais. 

Saiba mais sobre o estudo aqui

“A Petrobras de que precisamos” segundo o Observatório do Clima 

Atentas aos riscos relacionados à postergação do processo de transição energética justa pelo governo brasileiro, 30 organizações integrantes do Grupo de Trabalho em Energia do Observatório do Clima produziram o documento “A Petrobras de que Precisamos”, que também se valeu de análises produzidas pelo estudo de Young e Queiroz, do IE-UFRJ, embora tenha avançado em avaliações e recomendações independentes. 

O documento do Observatório do Clima destaca que ainda que “a responsabilidade histórica pelo aquecimento global recaia sobre os países desenvolvidos, também é certo afirmar que o Brasil é, hoje, não só um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, com destaque para as emissões decorrentes do desmatamento, como também um dos principais responsáveis, por meio da Petrobras, pela cadeia global de combustíveis fósseis”. Como exemplo são mencionados os dados mais recentes da Análise de Emissões de Gases de Efeito Estufa e suas Implicações nas Metas Climáticas pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).

O estudo enfatiza, ainda, que “o petróleo cru se tornou um dos três principais produtos de exportação brasileiros, ao atingir a marca de 1,8 milhão de barris por dia em 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), incluindo a produção da Petrobras e de petroleiras estrangeiras”. O papel do país no ranking global do setor também foi ressaltado na análise: “Com uma produção total de 3,4 milhões de barris por dia, o Brasil encerrou 2024 como o oitavo maior produtor global, responsável por cerca de 4% de toda a produção mundial de petróleo”. Nesse contexto, “a Petrobras se destaca dentre as dez maiores petroleiras do mundo e as de maior lucratividade”. “No balanço consolidado de 2024, a empresa teve uma receita de mais de US$ 91 bilhões e um lucro líquido de US$ 7,5 bilhões”.

O documento também alerta que a Petrobras segue uma rota contrária a de outras empresas do setor: “Enquanto as principais petroleiras estão freando investimentos em novas reservas e campos de produção, por conta da queda e atual estagnação do preço do barril de petróleo, a Petrobras faz um “aperto de cintos” privilegiando aumento de produtividade onde há menos risco ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, redireciona aportes para regiões inexploradas e com incertezas sobre sua viabilidade econômica, como as bacias de Pelotas e as da Margem Equatorial – na costa que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte.”

Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima

“A Petrobras está entre as maiores petroleiras do mundo e as de maior lucratividade. Há décadas, desempenha papel importante para o país, reconhecido pelos brasileiros. Mas ela coloca esse papel em risco quando, na prática, não internaliza em seu planejamento e em suas ações a gravidade da crise climática”, afirma Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e uma das autoras de “A Petrobras de que Precisamos”. 

Para a coordenadora, “a empresa necessita ir muito além do que se espera de uma petroleira tradicional e olhar para o futuro, transformando-se em uma companhia com atividades diversificadas, líder em inovação no setor de energia”. Para alcançar esse perfil, segundo analisa, “a exploração e a produção de petróleo e gás fóssil devem decrescer, e não continuar a ser carro-chefe do portfólio de investimentos, o que só se consegue com decisões estratégicas da própria Petrobras e do governo, o maior acionista da empresa e agente regulador”.

Em linhas gerais, diante dos desafios existentes, o Observatório do Clima defende que a Petrobras deve “apresentar um cronograma de alinhamento de sua política energética e seu planejamento estratégico ao Acordo de Paris, tendo como horizonte a limitação do aumento da temperatura média global em 1,5°C em relação ao período pré-industrial e a neutralidade de carbono até 2050”.

A organização também considera que “o capital que seria empregado na construção de novas refinarias e na abertura de novas fronteiras exploratórias deve, assim, ser redirecionado para ampliar a participação de novos combustíveis na matriz energética, na linha do que defendem a Estratégia Nacional de Mitigação e o relatório Futuro da Energia: visão do Observatório do Clima para uma transição justa no Brasil, favorecendo ganhos de escala para os projetos em fontes renováveis”.

Em suas análises, o Observatório do Clima também avalia que “a transição energética da Petrobras se tornará realidade se impulsionada por uma política climática de Estado, que deve resultar em uma política energética de Estado”. “Portanto, cabe às autoridades competentes definirem as diretrizes políticas setoriais (energia, meio ambiente, indústria e tecnologia) que sinalizem o horizonte para a redução da demanda de combustíveis fósseis por parte da população e das empresas”.

Ainda segundo destacado no documento, o Observatório do Clima e as organizações que integram o seu Grupo de Trabalho Energia e Clima “reconhecem a importância da companhia, de seu valor de mercado e de sua imagem perante a sociedade brasileira”. Nesse sentido, “querem uma Petrobras engajada, alinhada aos objetivos nacionais e atuando como pilar fundamental das soluções para promover a transição energética brasileira”. Nesse sentido é reafirmado: “Precisamos de energia para suprir nossa crescente demanda, mas precisamos de outro tipo de energia. A Petrobras precisa rever suas prioridades de futuro, alinhando suas metas e modelo de negócio aos objetivos brasileiros e globais de descarbonização do setor”.

Síntese dos principais pontos defendidos pelo Observatório do Clima

  • Alinhar o plano de negócios da Petrobras aos objetivos mais ambiciosos do Acordo de Paris, da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil e da Estratégia Nacional de Mitigação (Plano Clima);
  • Dar prioridade aos investimentos nas fontes de baixo carbono, de modo a diversificar o core business da empresa;
  • Realocar os investimentos planejados em novas refinarias para ampliar participação de novos combustíveis na matriz energética, que deverá estar atrelada à redução da demanda interna de derivados de petróleo e gás;
  • Buscar uma real redução das emissões de GEE das operações da empresa, sem se apoiar em medidas pouco transformadoras, como a compra de créditos de carbono e tecnologias de captura de carbono;
  • Aproveitar a experiência para investir em biocombustíveis, sobretudo os de segunda e terceira geração, como o diesel verde (HVO); 
  • Apoiar a descarbonização da logística de carga e do transporte de passageiros.

Saiba mais sobre o estudo aqui

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

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