O Plano Estratégico do vice-presidente Hamilton Mourão para a Amazônia, que ganhou destaque na última semana por seus pontos polêmicos, não prevê a criação de nenhuma unidade de conservação no bioma nos próximos dez anos. Pelo contrário, uma das metas do plano é “avaliar” e “revisar” áreas protegidas, Terras Indígenas e Quilombolas já existentes. Propostas contidas no documento são perigosas, diz especialista.
A ideia de revisão de áreas protegidas consta nos “objetivos estratégicos” do plano, no item “Ordenamento Territorial”, cuja descrição é “resolver as questões relacionadas à propriedade, usos e responsabilidades do território amazônico, condição essencial ao desenvolvimento sustentável da região”. Mais adiante, se lê: “avaliar, revisar e regularizar unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas, e fortalecer os órgãos gestores”.
Segundo Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima (OC) – rede formada por 56 organizações não governamentais e movimentos sociais – a proposta fortalece intenções já declaradas do governo de revisar áreas protegidas no país. “O Salles [Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente] já tomou iniciativa nesse sentido. Ano passado ele disse que ia revisar todas as unidades de conservação do país para encontrar supostos erros nos processos de demarcação e acabar com essas demarcações. Atualmente, ele está fazendo investida nesse sentido em Fernando de Noronha”, lembra Astrini. “O plano é perigoso em vários sentidos”, diz.
Hamilton Mourão, que preside do Conselho Nacional da Amazônia (CNAL), chegou a lamentar na tarde da última quinta-feira (12) que o documento tenha vazado e disse que deveria ter colocado sigilo sobre ele, para que o responsável pelo vazamento fosse punido. “Se eu tivesse colocado um grau de sigilo, a pessoa que vazou o documento estaria incorrendo em crime previsto na nossa legislação”, disse. No dia anterior, Mourão havia negado que o documento sequer existisse.
As declarações do vice-presidente foram motivadas pela repercussão negativa sobre várias das propostas do Conselho contidas no documento, como o controle sobre as ONGs que atuam no bioma – o que é inconstitucional – e a expropriação de propriedades em caso de crime ambiental, esta última motivo de mais um mal-estar gerado entre Mourão e o presidente Jair Bolsonaro.
Na manhã de quinta, pelas redes sociais e depois em conversa com apoiadores na saída do Palácio do Alvorada, Bolsonaro negou que a proposta de expropriação estivesse sendo considerada pelo governo e a classificou como um “delírio”. “Se alguém levantar isso aí, eu simplesmente demito do governo”, declarou o presidente. Mourão, por sua vez, disse que as propostas fazem parte de um estudo e que “estudo não tem intenção”.
Plano Decenal
As polêmicas propostas de Mourão constam em um documento de 62 páginas enviado por ele na última semana aos ministérios que compõem o Conselho da Amazônia, convocando especialistas das pastas para discutir o “Plano Estratégico 2020 -2030” do CNAL para o bioma.
O documento, ao qual ((o))eco teve acesso, é composto por um ofício de duas páginas – onde consta o organograma das reuniões para discutir o plano, previstas para ocorrer entre 9 de novembro e 18 de dezembro – uma apresentação Power Point de 25 slides com o conteúdo que foi apresentado na 3ª reunião do CNAL, realizada em 3 de novembro, e o plano em si, onde estão detalhadas as “Ações Estratégicas prioritárias”, com cerca de 60 itens, divididos em seis eixos de atuação.
Segundo Márcio Astrini, grande parte das ações descritas no documento de Mourão são uma espécie de versão empobrecida do que foi o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM) e não encontram respaldo na realidade, já que a prática do Governo Bolsonaro vai na direção oposta às ações elencadas pelo vice-presidente como prioritárias.
“Em 90% das linhas estratégicas do plano, o governo tem como prática, conduta ou direcionamento exatamente o oposto do que foi escrito”, disse Astrini.
Para exemplificar, o secretário-executivo do OC contrapôs para ((o))eco algumas das ações estratégicas descritas no plano:
– Conscientizar a população para a responsabilidade ambiental – “Ora, desde o primeiro dia do governo, o governo fez um discurso que a legislação ambiental é de interesse de outros países, que ela atrapalha o desenvolvimento do Brasil. Bolsonaro chamou os fiscais do Ibama de xiitas e o órgão de indústria da multa. O ministro do meio ambiente recebeu madeireiros ilegais, garimpeiros, em seu gabinete. O presidente da República barrou a ação de combate à extração de madeira ilegal. Os criminosos no Dia do Fogo jamais receberam uma crítica do governo. Na verdade, o ministro do Meio Ambiente chamou os brigadistas de Mato Grosso do Sul de maconheiros. Então, quero dizer, a prática do governo vai no sentido oposto desta ação contida no Plano”.
– Disponibilizar meios aéreos adequados para aumentar a efetividade do combate ao desmatamento e queimadas – “O ministro do Meio Ambiente acusou os contratos de helicópteros de serem fruto da corrupção da gestão anterior, não contratou mais nada e congelou o Fundo Amazônia, que dava dinheiro para a contratação de meios aéreos adequados”.
– Estabelecer data limite para inscrição dos imóveis rurais no CAR – “O próprio governo apoiou uma legislação para não ter limite na data do CAR” [MP 884/2019].
– Incrementar o fluxo de informações de inteligência e acesso aos ilícitos – “Isso já existe, o Mourão recebe quase 2 mil avisos por mês de desmatamento e queimadas na Amazônia. O problema não é informação, é ação”.
– Aumentar fiscalização das madeireiras – “O presidente do Ibama soltou uma nota interpretativa onde ele diminuía a necessidade de documentos que comprovassem a legalidade de documentos de madeira extraída na Amazônia, o que facilitou a ilegalidade”.
Astrini resume o documento como sendo um “imenso pacote vazio”, criado para tentar convencer embaixadores que estiveram em recente visita à Amazônia de que o governo Bolsonaro está comprometido com a preservação da floresta e, assim, tentar evitar a paralisação do tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. “É um relatório de perna curta, porque é uma mentira”, diz.
Com a repercussão negativa em torno do documento, Mourão afirmou não saber se as propostas contidas nele continuarão a ser analisadas. “(O documento) é algo que está totalmente fora de contexto e eu se fosse o presidente (Jair Bolsonaro) também estaria extremamente irritado porque isso é um estudo, é um trabalho que tem que ser ainda finalizado e só depois poderia ser submetido a decisão dele”, disse.
((o))eco entrou em contato com a Vice-Presidência da República para confirmar se as reuniões previstas no documento estão sendo realizadas, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.
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