Na noite de segunda-feira (22), a 2ª edição do RJTV trouxe uma denúncia que causou indignação nas redes: a morte de mais de 600 animais no Centro de Triagem de Animais Silvestres do Estado do Rio de Janeiro (Cetas-RJ) em 4 meses. O motivo: o abandono e a falta de tratadores por cerca de um mês. A reportagem e a grande repercussão negativa tiveram efeitos imediatos. Às 21:15 da noite, cerca de 2 horas depois da matéria ir ao ar, o superintendente do Ibama no Rio de Janeiro, o contra-almirante da Marinha, Alexandre Dias da Cruz, assinou a contratação da empresa terceirizada que irá restabelecer o serviço de tratadores no Cetas. A rapidez na resposta evidenciaria o que disseram fontes ouvidas por ((o))eco, que o contrato já estava pronto na mesa do superintendente há algum tempo, que simplesmente não assinava.
“A gente teve notícias de que o processo estava pronto, ele só não assinou porque não queria. O fato dele ter assinado duas horas depois da reportagem mostra que isso é verdade, que ele já estava com o processo pronto e aí assinou quando explodiu [a denúncia]”, conta uma fonte que preferiu ter sua identidade preservada para evitar retaliações.
A nova empresa contratada é a Cemax Administração e Serviços, que ficará responsável pela contratação de 10 funcionários terceirizados para ocupar os cargos de tratadores divididos em 5 postos de trabalho, quatro diurnos e um noturno. O começo dos trabalhos deve ser imediato, ainda esta semana. Além de cuidar da alimentação dos bichos, estes profissionais ficam responsáveis pela limpeza das jaulas e espaços de cativeiro. O pregão havia sido publicado no Diário Oficial da União no dia 21 de janeiro, com abertura de propostas prevista para o dia 2 de fevereiro. A demora de 20 dias até a assinatura, de fato, do contrato não foi justificada pelo Ibama.
Ainda segundo fontes ouvidas por ((o))eco, o superintendente estaria “contrariado” pela pressão pública que sofreu e, apesar de ter assinado o contrato, já estaria articulando “retaliações”, como a troca integral da equipe de tratadores terceirizados, alguns com mais de 15 anos de atuação e experiência no Cetas-RJ. Apesar da eventual troca de empresa a cada ciclo de contrato, as pessoas que integram a equipe de terceirizados tendem a se manter nos cargos. Tanto porque as posições exigem experiência prévia, quanto pela escassez de cuidadores de animais silvestres no mercado. “Ele [o superintendente] disse que vai trocar tratadores, vigilantes, secretária… todo mundo. É retaliação”, afirma a fonte, que preferiu não se identificar.
O Cetas-RJ, localizado no município de Seropédica, é um dos maiores do país, com uma média de 1,2 mil animais residentes e com um fluxo de chegada de novos animais entre 7 até 9 mil por ano. Muitos deles, apreendidos em operações e resgatados das mãos do tráfico ilegal de animais, chegam muito machucados, com poucas chances de recuperação. A estimativa é que cerca de 30% de todos os animais que chegam aos centros de triagem não sobrevivem. Em 2019, por exemplo, houve uma taxa de mortalidade de 27%, o que correspondeu a cerca de 6 mil animais mortos no ano, a maioria passarinhos (passeriformes), que são mais sensíveis.
Com uma média de 600 novos animais por mês, isso significa que uma taxa de mortalidade de 180 bichos estaria dentro da normalidade. De acordo com uma fonte ouvida por ((o))eco que atua no Cetas, o número catapultou nesse último mês, período em que ficaram sem a equipe de tratadores. “Estimo que cerca de 350 animais morreram no Cetas nesse período especificamente devido a falta de tratadores. Perdemos animais como jacu, cachorro-do-mato, mutum, chauá, papagaio-do peito-roxo…”, estas duas últimas espécies consideradas ameaçadas de extinção.
A gestão dos Centros de Triagem é tocada pela Superintendência do Ibama do estado. Não é a primeira vez que o Cetas-RJ ficou sem cuidadores para os animais na gestão do superintendente fluminense Alexandre – que assumiu em março de 2019.
Em 2020, a empresa terceirizada então responsável pelos tratadores, RCA Produtos e Serviços LTDA, avisou com 90 dias de antecedência que não renovaria o contrato com o Ibama, com vencimento no dia 5 de novembro de 2020. O andamento do processo de chamamento público teria começado no próprio mês de agosto, mediante o aviso prévio da RCA. Uma evidência de que a tramitação de licitação estava em progresso desde antes do fim do contrato anterior é que o edital do pregão data de 19 de outubro. Ainda assim, o processo não andou e a Superintendência do Ibama não realizou uma nova contratação.
“Esse processo [de licitação] começou em agosto [de 2020]. Normalmente esse processo leva dois meses. Por que levou de agosto até fevereiro? Levou quase 7 meses, isso não existe”, lamenta um servidor do Ibama que preferiu não se identificar.
Por 47 dias, o Cetas-RJ ficou sem tratadores. Na época, um time de voluntários se mobilizou para cuidar dos animais, o que evitou a mortalidade crítica resultado do descaso.
No dia 17 de dezembro, foi assinado um contrato emergencial com a empresa Fidelity Manutenção Predial e Serviços Técnicos LTDA, com duração de apenas 35 dias. O prazo expirou no dia 20 de janeiro de 2021. E mais uma vez, em menos de seis meses, os animais do Cetas ficaram sem cuidadores. O cenário dessa vez foi agravado por um fator de calendário: Carnaval. Os voluntários que antes seguraram as pontas e evitaram o desastre – na grande maioria estudantes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) – aproveitaram o feriado para ir para casa dos pais, muitas vezes em outro município. E quem há de culpá-los? São voluntários, cabe lembrar.
E por cerca de um mês, os cuidados dos mais de mil animais foram revezados pela equipe de 4 servidores lotada no Cetas-RJ: um veterinário, um técnico administrativo e dois engenheiros agrônomos. “Você troca 10 pessoas especializadas só nisso, por quatro que acumulam outras funções. Não fecha a conta. É uma quantidade muito grande de recintos e gaiolas”, detalha a fonte que preferiu não se identificar.
“Não faltou recurso, não faltou dinheiro, foi exclusivamente por problema da gerência do superintendente. Ele se concentrou em tentar culpar um servidor pela não renovação do contrato – o que não tem nada a ver – ao invés de tentar solucionar o problema”, acrescenta.
Por e-mail, ((o))eco procurou o Ibama e a Superintendência do Rio de Janeiro, em específico, para que se pronunciassem sobre a falta de continuidade dos contratos de tratadores de animais no Cetas-RJ, visto que o mesmo é um serviço essencial. A superintendência se limitou a responder que a solicitação seria atendida pela assessoria de comunicação do Ibama/Sede.
A assessoria do Ibama, por sua vez, respondeu que: “as equipes da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Corregedoria e Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Ibama já foram acionadas e farão a apuração e adoção das medidas necessárias”, sem esclarecer muita coisa.
O Contra-Almirante
Alexandre Augusto Amaral Dias da Cruz é carioca e contra-almirante da Marinha. Fez carreira no serviço naval, sem nenhuma experiência comprovada na área ambiental. Ainda assim, foi nomeado em março de 2019 pelo ministro Ricardo Salles para ocupar a chefia do Ibama no estado fluminense. De lá para cá, teve seu nome envolvido em pequenas polêmicas, como quando decidiu derrubar uma parede na sede da superintendência no meio de uma reunião.
“Sr. Alexandre Augusto Amaral Dias da Cruz, contra-almirante reformado e indicado recentemente ao cargo pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de forma arbitrária, arrogante e autoritária, interrompeu uma reunião de planejamento de trabalho na sala da equipe de licenciamento ambiental das atividades de pesquisa sísmica marítima para a derrubada imediata da parede-divisória desta sala”, escreveu a Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro (Asibama/RJ) em maio de 2019, época em que ocorreu o incidente.
“Estamos numa gestão muito truculenta. Ele não aceita ser questionado. Ele é um comandante da Marinha que quer dar ordem como se estivesse nas Forças Armadas, só que ele está lidando com servidor civil e numa área que ele não entende. Às vezes ele dá ordens erradas e a gente quer conversar, explicar porque aquilo não vai dar certo, e para ele isso é ofensivo. Ele já demitiu terceirizado para demonstrar que não pode ser contrariado. O terceirizado é o lado mais fraco. Ele age com uma truculência tão grande que os servidores todos do Ibama do Rio de Janeiro estão acovardados, com medo. E nada funciona. A gente vive um momento de caos administrativo no Ibama-RJ que eu nunca vi antes. Nenhum contrato vai para frente. Estamos há dois anos sem contrato de manutenção [predial], não tem contrato de limpeza, já vai acabar o contrato de vigilância… você não tem como trocar uma lâmpada, os processos não andam, tudo parado. Parou o Ibama do Rio de Janeiro”, lamenta um servidor do Ibama ouvido por ((o))eco.
O papel do Cetas
Os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) estão espalhados por todo país e tem como função receber animais apreendidos no tráfico, em posse ilegal, por denúncias de maus tratos ou mesmo entregues voluntariamente por cidadãos. Os Cetas são o primeiro destino de um animal selvagem encontrado fora do seu habitat. Nos centros, os bichos passam por uma triagem que decide se o animal precisa de tratamento veterinário e reabilitação, se pode ser reintroduzido na natureza ou se precisará viver em cativeiro.
O biólogo do Projeto Refauna, Marcelo Rheingantz, reforça a importância de haver um Cetas bem estruturado para garantir uma triagem rápida dos animais que chegam diariamente ao centro. “O Cetas para gente é fundamental assim como a parceria com o Ibama. E é importante que o Cetas esteja bem estruturado para que eles consigam justamente receber esses animais, fazer a primeira triagem, identificar quem está saudável, quem não está, quem está apto para soltura. Sem o Cetas a gente não teria essa instituição que recebe esses animais, como por exemplo os jabutis, que a gente reintroduz no Parque Nacional da Tijuca, e estão hoje em quarentena no Cetas”, conta Marcelo.
“Os Cetas são responsáveis por receber todos os animais apreendidos em operações e tem que fazer uma destinação correta e rápida. Com a falta de estrutura, de recurso e de pessoal, certamente eles não vão conseguir fazer isso. E essas destinações são essenciais para que os animais possam voltar à vida livre”, acrescenta o biólogo.
Atualização 24/02 às 10:35 – A assessoria do Ibama (sede) complementou sua resposta, em e-mail enviado após a publicação da matéria. Na nota, acrescentou: “A Diretoria do Ibama e a Secretaria de Biodiversidade do MMA estiveram pessoalmente no CETAS do Rio de Janeiro nessa terça-feira (23). Durante a visita já foram adotadas imediatas medidas corretivas para garantir que a situação não volte a se repetir. Também estão sendo apuradas as devidas responsabilidades”.
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Só tem bosta para gerenciar os órgãos públicos neste país!! Bando de incompetentes!!!
É vai sobrar, é claro, pros pobres tratadores. Que tem super experiência, conhecimento e dedicação! Trabalham em péssimas condições, fazendo o que podem, muitas vezes com salários atrasados! E não podem nem falar o que está acontecendo, mesmo que envolva maus tratos e morte de animais!
Isso tinha que ser considerado também nesse processo! Retaliação clara!!!
Essa é a total incompetência de um militar que não tem o mínimo de conhecimento do cargo que ocupa. É vergonhoso está em um país onde o meio ambiente é ignorado. O pior é saber que só piora. Se a vida de milhares de seres humanos não tem importância imagina a dos 600 animais que morreram.
Assinou por um mês. A nova licitação ainda aguarda a definição da LOA…
Gente, isso precisa ser denunciado ao MPF (para apuração das mortes) e ao MPT (para apuração dos supostas despedimentos). A denúncia pode ser até anônima, com esse artigo – a chamada notícia de fato.
É um descaso de mau caratismo.