Entre as vistosas cores das aves, as diversas texturas das matas e as formas sinuosas dos rios, o Pantanal brasileiro vem sendo desvendado pelas lentes do fotógrafo João Farkas no projeto “Documenta Pantanal”. Em conjunto com uma rede de pessoas e instituições que atuam na região, o fotógrafo celebra a beleza e diversidade de uma das maiores planícies alagadas do planeta, que abrange parte dos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e estende-se pelos territórios do Paraguai e da Bolívia. O projeto vem chamando a atenção da sociedade para a urgência em conhecer e conservar este patrimônio de grande potencial turístico e econômico por meio de ações multimídias como exposições, documentários, livros e vídeos. “Por ser uma planície inundável, o Pantanal depende, fundamentalmente, da qualidade das águas que correm dos planaltos vizinhos e dos fluxos de cheias e vazantes que fazem dele um santuário natural e permitem sua exploração sustentável pela pecuária extensiva e o turismo. Mas tanto a qualidade das águas como o fluxo cheias-vazantes já estão bastante alterados pela atuação humana e sofrem ameaças reais”, alerta Farkas.
O projeto já realizou exposições como a “Brazil Land & Soul”, de Farkas, em novembro de 2018, com 40 fotografias fruto de quatro anos de trabalho e sete expedições ao Pantanal, exibidas na embaixada brasileira em Londres para mais de 2.000 pessoas. Com sua grande repercussão, surgiu o convite para outra exibição europeia, que foi aberta em 23 de maio e segue até 14 de julho na embaixada brasileira em Bruxelas. O material, cedido pelo fotógrafo para a Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar, reúne imagens com dimensões que variam de 100 x 70 cm a 150 x 100 cm e são dispostas horizontalmente sobre o solo segundo concepção da brasileira Marina Willer, sócia do Pentagram Studios de Londres. A intenção é proporcionar ao visitante a sensação visual de estar sobrevoando o território pantaneiro, replicando, dessa forma, a maneira como as imagens, muitas delas aéreas, foram produzidas. Esta mostra, que no Brasil terá o nome de “Documenta Pantanal”, poderá ser vista pelo público no Brasil ainda no segundo semestre em data a ser definida.
Ainda dentre as ações previstas está o documentário “Ruivaldo – O Homem que Salvou a Terra” (45 min), filmado em várias regiões do Pantanal sob direção de Jorge Bodanzky e codireção de João Farkas, que está fase de finalização. Há também o livro “Pantanal” (160 páginas e tiragem de 1.500 exemplares), sob a responsabilidade de Kiko Farkas e que conta com a participação de Sandro Menezes Silva, professor de Ciências Biológicas e Ambientais, que deverá ser finalizada até setembro. “Fui convidado pelo Farkas para colaborar. Conheci o Pantanal como visitante em 1984 e, quase 20 anos depois, comecei a trabalhar na região. Desde então, foram muitas expedições e muita pesquisa em busca de informações”, informou Sandro Silva.
Para Mônica Guimarães, produtora de cinema e uma das organizadoras do projeto, o Pantanal deve estar na agenda pública brasileira: “Por meio de ações coordenadas direcionadas, numa estratégia de ativação e mobilização multinível, o ‘Documenta Pantanal’ foi desenhado para falar com um público amplo, procurando aproximar pesquisadores, acadêmicos, produtores ligados ao agronegócio, grupos com interesses em conservação, turismo, jornalistas e educadores. Com essas ações queremos que o Pantanal esteja na agenda da opinião pública brasileira e de organismos e instituições ligados a questões que dizem respeito ao Pantanal”.
João Farkas afirma que, dentre suas muitas idas e vindas ao Pantanal, o que lhe causou mais espanto foi o desconhecimento que o Brasil tem em relação ao Bioma. “Há uma espécie de cegueira cognitiva. Talvez porque temos tantas outras coisas belas e mobilizadoras, como a Amazônia, a Mata Atlântica e um vasto litoral, o Pantanal fica meio ignorado. É preciso colocar a região no radar dos brasileiros. Imaginamos que é um território inatingível, preservado, cheio de jacarés e piranhas, ideal para pescarias. Mas é muito mais do que isso. Um universo natural riquíssimo a ser melhor conhecido e explorado e protegido por nós”. Entre variadas constatações, ele considera esse patrimônio natural muito mais frágil do que a Amazônia, também retratada por suas lentes sensíveis. Em entrevista para ((o))eco diretamente da região do Porto Jofre, no Pantanal, Farkas, que é graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, fotógrafo profissional desde 1979 e possui trabalhos em importantes acervos como no International Center of Photography (ICP) em New York, no Maison Européenne de la Photographie em Paris, e no Tulane University em New Orleans, falou sobre o projeto e sobre as ameaças e potencialidades da região:
((o))Eco: Como surgiu o Documenta Pantanal?
João Farkas: O Documenta surgiu a partir da percepção de alguns apaixonados e conhecedores do Pantanal de que o Brasil em geral tem uma percepção muito limitada a respeito da região. Assim como eu, para a maioria dos brasileiros o Pantanal é uma região exótica, povoada por jacarés, piranhas e tuiuiús. Visitada por pescadores, quente, isolada e absolutamente preservada. O Brasil não conhece a diversidade, a extrema beleza, o potencial de desenvolvimento sustentável da região e principalmente ignoramos sua extrema fragilidade. Imaginamos que, se pudéssemos documentar e ajudar a divulgar a esta beleza do Pantanal e mostrar aos brasileiros, poderíamos precipitar o interesse e o conhecimento mais profundo da região. E quem conhece o Pantanal se apaixona.
Quão conservada se encontra a região?
Não sou especialista em ecologia, falo como alguém que frequenta a região há 5 anos e através do conhecimento que recolhemos com os moradores e estudiosos. O que vemos é que é uma região vastíssima (o Pantanal brasileiro tem a dimensão de um país inteiro, como a Síria ou a Grécia), portanto, há muita vida selvagem, muitas regiões intocadas e enormes porções de terra que são ocupadas de forma bastante sustentável pela atividade pecuária. No entanto, o Pantanal sofre com ameaças externas. De um lado o assoreamento acelerado de seus rios provocado pela atividade humana nos planaltos que o rodeiam e também pelas mudanças climáticas que alteram o regime de chuvas e portanto do ciclo de cheias e vazantes, que é a essência da peculiaridade natural da região. A parte mais afetada é a margem norte do Rio Taquari. Com o assoreamento deste rio houve um transbordamento que inundou de forma permanente 1,5 milhão de hectares. Nesta região, centenas de fazendas foram abandonadas, a produção pecuária foi extinta* e toda flora e fauna natural alterada. Note-se que 1,5 milhão de hectares equivalem a 10% do Pantanal! Portanto, 10% do Pantanal está radicalmente afetado pelo Antropoceno.
*Calcula-se que esta região antes altamente produtiva era responsável pela criação de 800.000 cabeças de gado e hoje está inutilizada para a pecuária.
O que falta para o Pantanal se tornar um destino turístico nacional e internacional?
Escrevo aqui da região do Porto Jofre, talvez uma das regiões do mundo mais propícias para o avistamento de onça pintada. Saímos de barco hoje pela manhã e em 3 horas avistamos uma fêmea e depois algumas centenas de metros adiante um macho adulto bastante grande. Os animais estão acostumados a serem avistados pelos barcos e não se assustam. Ficam às vezes horas nas pequenas praias exibindo-se para os visitantes. Hoje havia pelo menos 7 barcos no avistamento deste macho. No total cerca de 60 a 80 turistas, em grande parte estrangeiros, munidos de câmeras, binóculos etc. Japoneses, ingleses, americanos. Cruzamos também 3 equipes de filmagem internacionais que estão fazendo documentários. Pelo que nos foi dito, cada turista gasta cerca de 200 a 300 dólares/dia e seu número tem aumentado significativamente. Portanto, onde há alguma organização em torno da preservação e respeito à fauna, associada a um receptivo turístico organizado, o turismo floresce. Não somos um país muito organizado para fomentar estas iniciativas. Talvez se houvesse a percepção mais aguçada do potencial, por parte do Estado, a atividade econômica em torno do turismo de avistamento poderia ser multiplicada muitas vezes.
O que mais lhe chamou atenção no Pantanal ao longo destes anos?
O que mais me chama atenção no Pantanal é sua dimensão, a variedade entre as sub-regiões, a quantidade de animais que se avista (note que na Amazônia, onde trabalhei por 10 anos, o avistamento de animais é muito inferior, por se tratar de mata fechada) e principalmente o silêncio, que é maravilhoso. Estar no Pantanal nos dá aquela sensação de estar vendo o mundo como foi criado, antes da presença humana, o que é cada vez mais fascinante e raro num planeta superpovoado. Mas se você quer saber mais especificamente, algumas coisas ficaram fixadas na minha retina e em fotos espetaculares. O florescer dos ipês que acontece no inverno por algumas semanas é um espetáculo quase sagrado, comovente. As matas pantaneiras se tingem de infinitas variações, do rosa claro ao roxo. Se os brasileiros conhecessem melhor este fenômeno, tenho certeza que haveria excursões apenas para poder presenciar, como no Japão se vai ver as cerejeiras em flor. Outra coisa espetacular é a Serra do Maracajú. Na verdade, a borda leste do Pantanal é a encosta do Planalto Central brasileiro. Uma sucessão de falésias vermelhas, de cujo topo se avista a imensidão plana do Pantanal. Há cachoeiras, picos, agulhas e outras formações belíssimas similares a atrações que turistas vão ver (e escalar) em outros países. Esta atração ainda não foi descoberta. O conjunto do Rio Paraguai e suas lagoas na região próxima à serra do Amolar também é de uma beleza fascinante. Uma região para percorrer de barco, a partir de Corumbá. Em suma, são muitas coisas que realmente valem a pena conhecer.
Serviço
Instagram: www.instagram.com/documentapantanal/ Blog: http://documentapantanal.com.br Participantes do ‘Documenta Pantanal’: João Farkas, Mônica Guimarães, Sandro Menezes Silva, Teresa Cristina Ralston Bracher, Agrotools, Associação Onçafari, Editora Vento Leste, Fazenda Fazendinha (Aquidauana/MS), Fazenda Barraco Alto (Aquidauana /MS), Fazenda Figueiral (Corumbá/MS), Fazenda Santa Tereza (Corumbá/MS), Fazenda São Camilo (Corumbá/MS), Fazenda São Francisco do Perigara (Barão de Melgaço/MT), Fazenda Vera Lúcia (Aquidauana/MS), Acaia Pantanal, Instituto Arara Azul, Instituto Homem Pantaneiro, Leão Serva, Luciano Candisani, Marcia Hirota, Marina Klink, Marina Lutz, Miguel Milano, Onças do Rio Negro, Panthera Brasil, Porto São Pedro (Corumbá/MS), Raquel Machado, Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, Refúgio Ecológico Caiman (Miranda/MS), RPCSA – Rede do Amolar, Silas Ismael e SOS Pantanal.
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