Depois de ser criticado por ruralistas e por um grupo de ambientalistas, foi a vez do Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso questionar o processo de criação de duas novas Unidades de Conservação (UCs) no Pantanal Mato-Grossense, além da ampliação de outras duas. Na última quinta-feira (9), o procurador da República e titular do Ofício de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, Pedro Melo Pouchain Ribeiro, recomendou ao Instituto Chico Mendes (ICMBio) a interrupção do processo.
O procurador alega que o órgão federal não apresentou, previamente, os estudos técnicos que embasaram a proposta encaminhada para consulta pública, conforme previsto na Lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Por isso, o MPF entende como nulas as duas consultas realizadas nos dias 30 e 31 de julho nas cidades de Cáceres e Poconé.
O Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa, alega que não é preciso ter estudos definitivos para encaminhar as consultas públicas. Questionado a este respeito, Pedro Melo Pouchain Ribeiro reconhece que é possível que os assuntos sejam aprofundados ao longo das discussões, mas reitera que algumas informações básicas precisam ser apresentadas previamente: “No mínimo que se possa identificar de maneira clara a localização, a dimensão e os limites mais adequados para estas unidades”.
Para o procurador, sem estas informações o direito de participação da sociedade fica comprometido. O ICMBio tem até 21 de agosto para apresentar as medidas adotadas para corrigir os problemas. Caso o prazo não seja cumprido ou as respostas sejam consideradas insuficientes, o MPF poderá entrar com uma ação judicial contra o ICMBio.
Ambientalistas criticam áreas e categorias escolhidas
O projeto do ICMBio prevê a criação da Reserva de Fauna do Pantanal e do Refúgio de Vida Silvestre da Onça-pintada, além da ampliação da Estação Ecológica de Taiamã e do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense. Segundo o documento apresentado pelo ICMBio, o objetivo é criar um “Mosaico de unidades de conservação do Pantanal Norte”. No total, as áreas protegidas seriam ampliadas em mais de 500 mil hectares.
Mas para um grupo de oito renomados ambientalistas, nem as áreas nem as categorias de manejo escolhidas são as mais adequadas. O grupo enviou uma carta ao Presidente Michel Temer criticando a proposta, que segundo eles “parece ter sido realizada mais para impressionar com números grandes do que efetivamente para se obter a urgente e necessária ampliação qualitativa da área protegida naquele bioma”.
Uma das signatárias é Maria Tereza Jorge Pádua, engenheira agrônoma, fundadora e colunista de ((o))eco, membro do Conselho da Associação O Eco, do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e da Comissão Mundial de Parques Nacionais da IUCN. Para ela, o maior erro da proposta é deixar de fora a Serra do Amolar, na região das fronteiras do Brasil com a Bolívia e do Mato Grosso com o Mato Grosso do Sul.
“Não é bem Pantanal, é mais que tudo Cerrado, mas tem espécies da Mata Atlântica e tem uma pequena representação da Floresta Chiquitana, que é um bioma que é extremamente importante, que é mais típico da Bolívia e não está representado no Brasil […] Por todos os estudos realizados na Serra do Amolar ao longo dos anos, eu acho incrível que se deixe isso de fora na hora de ampliar unidades de conservação no Pantanal”.
A inclusão da Serra do Amolar na área do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense é reivindicada por Maria Tereza e outros ambientalistas desde a década de 1980, quando a UC foi criada. Diante da negativa do Estado, na década de 1990 a ONG Fundação Ecotrópica criou Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) na região, em parceria com a The Nature and Conservancy (TNC). Mas segundo Maria Tereza, apenas 30 % da Serra está sob proteção integral.
Maria Tereza também critica uma das categorias inseridas no projeto do ICMBio, a reserva de fauna: “Porque ela é frágil. É muito melhor uma reserva biológica, uma estação ecológica conforme o SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação] prevê, do que essa categoria que foi imposta”. O SNUC define a reserva de fauna como: “uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos categoria de manejo e uso indireto dos recursos”.
O Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), José Pedro de Oliveira Costa, se disse surpreso com as críticas: “A que mais surpreendeu é dizer que estas outras áreas que estão sendo propostas não têm importância, que essa área é grande demais. A leitura que você faz é seguinte: se ela não tem importância, se a área que tem importância é outra, então não precisa proteger?”.
Sobre a exclusão da Serra do Amolar, o Secretário argumenta que a área já está protegida pelas reservas particulares: Elas já são reconhecidas como sítio do patrimônio mundial, têm uma série de garantias, então não precisa o governo gastar um dinheiro para fazer a sua proteção”.
Desde 2013, a gestão das RPPNs da Serra do Amolar está sob responsabilidade do Instituto Homem Pantaneiro (IHP). Angelo Rabelo, Relações Institucionais do IHP, destaca o trabalho da Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar, que segundo o instituto abrange uma área de 276 mil hectares, sendo que 201 mil hectares são legalmente protegidos. Rabelo rebate a informação de Maria Tereza, e garante que pelo menos 60% da Serra está sob proteção das RPPNs: “A área nunca esteve tão protegida quanto está hoje, em função desse esforço da Rede. Eu tenho presença, tenho gestão, fiscalização, criamos um fundo que mantém a Polícia Militar Ambiental, temos um programa de pesquisa com pesquisadores qualificados, temos auditoria externa em todo este trabalho. […] A carta [dos ambientalistas] desrespeitou a dedicação de vários profissionais que vêm se dedicando há mais de dez anos a este esforço”.
O ICMBio não soube informar quanto por cento da Serra do Amolar está sob proteção das RPPNs.
Ruralistas dizem que proposta impacta produtores
A proposta do ICMBio desagradou também aos produtores rurais. No dia 8 de agosto, representantes da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso foram até Brasília pedir ao Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, a suspensão da proposta. Segundo eles, a medida vai impactar mais de 100 produtores da região.
Para o Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, a polêmica é fruto de desinformação. José Pedro de Oliveira Costa diz que a proposta de desapropriação é pequena, e inclui principalmente áreas alagadas e com baixa utilização econômica.
A assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente também se manifestou através de nota: “O assunto está em análise. Os encaminhamentos serão feitos por meio do diálogo e entendimento com o setor produtivo, a sociedade e movimentos sociais, como tem sido a prática do Ministério do Meio Ambiente.”
Também através de nota, o ICMBio afirma que “todo o processo de criação de UCs envolve fases complexas, e na atual fase, de consulta pública, o ICMBio segue as oitivas aos diversos órgãos que têm interface fundiária no âmbito do governo federal, com os estados e com a sociedade, que pode se manifestar a respeito do tema. O desenvolvimento da proposta considera os diversos posicionamentos”.
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Caro, inútil e inoperável é o órgão. Próximo governo vai dar um jeito nisso aí
Ótima notícia. Se não tem um embasamento técnico robusto e a melhor alternativa locacional, que não se crie. UC cara, inútil e inoperável já tem de monte no SNUC. Os primeiros a quererem rifar a ciência da tomada de decisão são os ambientalistas, que dureza. Depois não poderão reclamar…
Incluir RPPNs dentro da proposta das novas UCs sem que isso seja da vontade dos proprietários não é apenas desnecessário. É destrutivo. Isso passa uma mensagem negativa para todos os proprietários de RPPNs. É uma visão stalinista e irreal a de que tudo tem que ficar sob a tutela de um Estado que já se mostrou incapaz para cuidar adequadamente das UCs sob sua administração. É incrível como há gente que acha lindo o que vê quando visita o Kruger na África do Sul ou os conservancies do Kenya, mas é contra fazer a mesma coisa no Brasil.
O Parque Nacional do Pantanal, se estivesse em Botswana, estaria pontilhado de lodges e empreendimentos turísticos gerando emprego e renda, ao invés de semi largado e visado por quem quer ganhar seu lote de terra grátis dizendo que é população pseudotradicional fake.
O setor privado, seja via RPPNs, seja via concessões, é fundamental para a conservação.
Quem disse que os proprietário das RPPNs não estão a favor? Que eu saiba consta em ata da instituição e aprovada pelo conselho da mesma essa vontade das áreas serem agregadas ao PARNA Pantanal.