Reportagens

Recém-descobertas, novas plantas carnívoras da Amazônia já estão ameaçadas

As duas espécies foram coletadas na Floresta Estadual de Trombetas, no Pará, e já são consideradas vulneráveis à ameaça de extinção devido ao fogo, desmatamento e ao pisoteio

Duda Menegassi ·
18 de janeiro de 2021 · 4 anos atrás
A pequena e recém-descoberta planta carnívora Utricularia ariramba. Foto: Daniela Zappi

A rica biodiversidade da Amazônia vai das maiores às menores criaturas, àquelas que mesmo aos olhos vistos, passam despercebidas do público geral. Nas margens de uma frequentada trilha, no Pará, por exemplo, estavam duas plantas carnívoras só recentemente descobertas e descritas pela ciência: a Utricularia ariramba e a Utricularia jaramacaru. Diminutas e delicadas, as plantas já podem ser consideradas ameaçadas, alertam os cientistas responsáveis pela descoberta, tanto pelo fogo quanto pelo pisoteio dos caminhantes desavisados.

As plantas carnívoras foram coletadas durante uma expedição de campo realizada pelo Museu Emílio Goeldi em julho de 2019, na Floresta Estadual de Trombetas, numa localidade conhecida como Campos do Ariramba. Ao contrário do que se imagina ao evocar o nome Amazônia, o local é mais parecido com uma savana do que uma floresta. O solo de areia branca que se forma próximo ao rio Trombetas, que corta a unidade de conservação, é uma formação vegetal diferente, conhecida como campina ou campinarana.

“Plantas carnívoras em geral estão presentes nas áreas abertas na Amazônia, que são ambientes mais expostos e que recebem mais luz do sol. E essa areia branca não possui uma grande quantidade de nutrientes e, no caso das carnívoras, elas compensam isso capturando pequenos animais para suprir essa falta de nutrientes. Essas duas plantas carnívoras descritas possuem armadilhas subterrâneas e capturam pequenos insetos e crustáceos que vivem no solo”, explica o botânico Paulo Gonella, da Universidade Federal de São João del-Rei.

Gonella é um dos autores do artigo publicado na revista científica internacional Phytokeys, com a descrição das duas novas espécies, junto com outros cinco pesquisadores.

“Quando a gente vai para campo, a gente coleta várias plantas na região que a gente tem interesse em estudar. Depois de coletar essas plantas, nós começamos os estudos no laboratório e no herbário – que é onde ficam as plantas secas e guardadas, como um grande museu de plantas”, conta Rafael Gomes, pesquisador do Museu Emílio Goeldi, que participou da expedição e também assina a descoberta.

A vegetação aberta de areia branca onde foram descobertas as novas plantas carnívoras. Foto: Rafael Gomes

Ele comenta que uma das surpresas ao fazer a identificação das novas espécies foi perceber que elas já haviam sido coletadas por outro pesquisadores décadas atrás e armazenadas no herbário da Embrapa Amazônia Oriental. “Essa região já teve expedições há dezenas de anos, as primeiras coletas datam de 1908 e na década de 70 nós encontramos registros de coletas dessas plantas. Elas não eram conhecidas pela ciência, mas já tinham sido coletadas e guardadas no herbário”, explica.

As diminutas plantas carnívoras medem entre 4 e 12 centímetros — menores que um lápis –, e foram encontradas ao lado de uma trilha que leva à Cachoeira do Jaramacaru, um atrativo muito visitado na região. “Muitas pessoas vão para lá e como são plantas muito pequenas que estão no solo, elas sofrem com o pisoteio”, comenta Rafael.

“Esse pisoteio acaba destruindo essas plantas e abrindo caminho para outras espécies invasoras ocuparem esse ambiente e acabam sombreando essas plantas nativas, levando-as a uma extinção local, por exemplo, ou mesmo total”, alerta Paulo Gonella.

O botânico reforça que, por mais que as plantas carnívoras sejam indicadores de áreas com baixa perturbação, essa existência pode estar ameaçada. “As plantas carnívoras são as primeiras a desaparecerem em um ambiente perturbado. E essa área está sujeita a vários fatores de ameaça como a presença do fogo e de desmatamento nos arredores, que podem impactar a salubridade desse ambiente para ocorrência dessas espécies que ocorrem, até onde a gente sabe, só lá”, ressalta Gonella.

Próximo do local de ocorrência das plantas carnívoras, os pesquisadores registraram pontos de desmatamento ativo e fogo, “sugerindo distúrbios ambientais gerados pela pecuária e outras atividades humanas”, aponta o artigo. A menos de 1 km de distância das subpopulações de Utricularia ariramba, por exemplo, foi identificada uma grande área afetada por incêndios recentes, o que acendeu o alerta vermelho entre eles para conservação das mais novas espécies da flora brasileira.

A Utricularia jaramacaru se alimenta de pequenos insetos e crustáceos através de uma armadilha subterrânea. Foto: Daniela Zappi

“Nós fizemos uma avaliação, de acordo com os parâmetros da IUCN [União Internacional pela Conservação da Natureza], e que categoriza essas espécies já como vulneráveis à extinção. O fato delas ocorrerem em uma área bem restrita e, ao mesmo tempo, sujeita a esses efeitos da presença humana, já coloca elas, recém-descobertas, na lista de espécies ameaçadas”, conclui o botânico.

Em todo Brasil, há registro de 137 espécies de plantas carnívoras de 7 gêneros diferentes. Destas, 72 espécies, de 5 gêneros, ocorrem na Amazônia. As novas descobertas pertencem ao gênero Utricularia, que é composta por espécies de pequeno a médio porte, geralmente associada a zonas úmidas.

“A gente está num cenário em que o avanço dos incêndios e do desmatamento na Amazônia está fazendo com que muitas espécies que a gente ainda nem conhece de fato estejam sendo ameaçadas ou mesmo desaparecendo. Nós podemos estar perdendo informações, perdendo conhecimento e os potenciais que essas espécies podem trazer para nós, sob um ponto de vista mais utilitarista, e também o que elas representam para a biodiversidade. A gente precisa conter essa destruição para que a gente possa conhecer a biodiversidade brasileira, que é a maior do mundo”, resume o botânico Paulo Gonella.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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