O Tocantins tem 8,7 milhões de cabeças de gado. São cercade 6 bois para cada habitante. O estado, que faz parte da Amazônia Legal, já perdeu 17% de sua cobertura florestal. Mesmo assim, segue sem o principal dispositivo legal para coibir a compra de gado de áreas desmatadas ilegalmente: o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) da Carne.
A expansão do TAC da Carne, como é chamado o acordo firmado com os frigoríficos, é negociada há seis anos pelo Ministério Público Federal (MPF) no Tocantins, sem sucesso. Nele, as empresas se comprometem a não comprar gado de áreas embargadas pelo Ibama, de desmatamento ilegal, de Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou na lista de trabalho escravo. O objetivo é reduzir o desmatamento associado à pecuária na Amazônia.
Dos 13 frigoríficos instalados no Tocantins, apenas três assinaram o TAC: JBS, Plena Alimentos e Minerva. Entretanto, estas são empresas que firmaram o acordo em outros estados, e por isso são obrigados a cumprir as regras em toda a Amazônia Legal.
Os primeiros acordos foram assinados em 2009 no Pará, depois que o MPF e o Ibama processaram frigoríficos do estado que compravam gado de fazendas embargadas por desmatamento ilegal. Com o passar dos anos, a iniciativa foi expandida para o Acre, o Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. No Amapá e Roraima nenhuma empresa aceitou assumir os compromissos socioambientais.
Oswaldo Stival Júnior é presidente Sindicato das Indústrias de Carnes Bovinas, Suínas, Aves, Peixes e Derivados (Sindicarnes), que reúne os maiores frigoríficos do estado. Ele alega que o TAC empurra para o setor privado uma responsabilidade que é do poder público, e argumenta que os dados públicos disponíveis são insuficientes para garantir a procedência dos bois.
Stival Júnior cita a Operação Carne Fria, deflagrada pelo Ibama em 2017, que autuou frigoríficos do Tocantins pela compra de gado de áreas embargadas. Entre os frigoríficos autuados estavam plantas frigoríficas da JBS e a Plena Alimentos, que já tinham assinado o TAC e mantinham um programa de monitoramento da origem do gado. “O que ficou provado quando veio esta operação é que eles já faziam [o monitoramento] e não tinham condição de fiscalizar”, afirma Stival Júnior. Ao mesmo tempo, ele garante que mesmo as empresas que não assinaram o TAC seguem todos os critérios de monitoramento previstos no acordo: “Elas fazem a mesma fiscalização, tem o mesmo cuidado na compra das que assinaram o TAC”.
Sumiço do Ibama
Para o Procurador da República Álvaro Manzano, do MPF-TO, não há como saber se os frigoríficos estão mesmo controlando a origem do gado, o que só seria possível com uma fiscalização do Ibama. O flagrante de irregularidades pelo órgão ambiental é a principal aposta de Manzano para forçar a assinatura do TAC: “Porque se o TAC é um Termo de Ajustamento de Conduta, ele pressupõe que a pessoa esteja com uma conduta irregular que precisa ser regularizada. Se eles [frigoríficos] falam para a gente que estão regulares e a gente não tem prova de que estão irregulares, fica difícil conseguir uma adesão”. O MPF cobra desde 2017 uma nova operação do Ibama contra os frigoríficos, que até hoje não ocorreu.
No dia 11 de setembro, os procuradores que atuam na Amazônia Legal emitiram uma terceira recomendação conjunta para que haja a fiscalização de 43 frigoríficos na Amazônia Legal que não assinaram o TAC. As duas recomendações anteriores não foram atendidas. O documento, enviada ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama, aponta estas operações como uma das medidas urgentes para conter o desmatamento e as queimadas, já que estas empresas “não se comprometeram a verificar a origem da carne e a criação de gado responde por boa parte do desmatamento ilegal registrado na Amazônia”.
O Procurador da República e coordenador do Grupo de Trabalho da Amazônia Legal no MPF, Rafael da Silva Rocha, afirma que o Ibama tem se mantido em absoluto silêncio em relação aos pedidos de fiscalização de frigoríficos, e que o presidente do órgão pode ser responsabilizado: “Já é a terceira reiteração, e a consequência disso é a responsabilidade individual do presidente do Ibama. Existe a possibilidade inclusive do cometimento do crime previsto no artigo 10 da lei da ação civil pública, que consiste em deixar de prestar as informações requisitadas pelo MPF”. A reportagem de ((o))eco fez contato com o Ministério do Meio Ambiente, mas não obteve resposta.
Dos 43 frigoríficos a serem fiscalizados, 9 ficam no Tocantins. O estado fica atrás apenas do Acre, que tem 10 empresas com pedido de fiscalização. Procurado pelo ((o))eco, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou sobre a recomendação até a publicação desta reportagem. A assinatura de um TAC da Carne no Tocantins não teria efeito apenas ali. Araguaína, cidade que concentra o maior pólo de pecuária do estado, abriga 4 frigoríficos com registro no Sistema de Inspeção Federal (SIF, que podem vender para outros estados e para fora do país). São eles Boi Brasil (Bonnut), JBS, LKJ (ex-Boiforte) e Minerva, além de um frigorífico de inspeção estadual, o Assocarne. Destes, apenas Minerva e JBS assinaram o TAC com o MPF. Segundo levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), os frigoríficos com SIF podem buscar o boi para abate a até 400 quilômetros Amazônia adentro, em uma área que inclui os estados do Pará e do Maranhão. Nenhum dos frigoríficos quis falar com ((o))eco sobre mecanismos de controle da origem do gado.
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Esta reportagem faz parte do projeto que busca melhorar a eficiência dos acordos da carne e da soja, realizado em parceria com o Imazon e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation
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