O ecólogo australiano William E. Magnusson lançou recentemente seu livro autobiográfico “The Eye of the Crocodile” (“O Olho do Crocodilo”, disponível para download gratuito, mas ainda sem tradução para o português). Em entrevista a ((o))eco, ele fala da obra, das motivações para se tornar um pesquisador e divide conosco suas visões sobre a “ciência cidadã” e a divulgação científica como ferramentas de mudança social e cultural no Brasil. Magnusson trabalha desde 1979 como professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), onde tem sido uma figura central na formação de novos biólogos brasileiros e no desenvolvimento de projetos. Sob sua coordenação, o Programa de Pesquisa em Biodiversidade para a Amazônia Ocidental (PPBIO-AmOc), um dos mais amplos do INPA, nos últimos 12 anos passou a ser uma das mais fecundas fontes de descobertas sobre a floresta amazônica e suas espécies. Para Magnusson, um dos grandes desafios é transformar o conhecimento científico em políticas públicas e mudanças na cultura. Ele defende a importância de as pessoas vivenciarem e se sensibilizarem pelos seres e ecossistemas que precisam conservar.
((o))eco: Conte-nos um pouco sobre seu trabalho no INPA e sobre sua carreira como ecólogo.
William E. Magnusson: Eu trabalho no INPA há 35 anos, dos quais muito tempo com biologia básica e com populações animais. Mais recentemente, nas últimas duas décadas, estou trabalhando principalmente com estudos de biodiversidade, coordenando o Programa de Pesquisa em Biodiversidade para a Amazônia Ocidental.
Você trabalhou com jacarés e crocodilos no passado, correto?
Eu trabalhei muito com crocodilianos [grupo de répteis que inclui jacarés, aligátores e crocodilos], o que foi interessante porque pude diferenciar quais pesquisas eram úteis para gerar dados sobre a biologia básica e quais contribuíam para o manejo e a conservação das espécies. Mas fiquei mais interessado em estudar espécies que não atraem tanta atenção, como sapos e lagartos rabo-de-chicote. As pessoas dão muita atenção para grandes animais, como jacarés ou onças, por exemplo, que estão em listas de espécies ameaçadas no Brasil. A onça-pintada é um bom exemplo porque no Sul e no Centro Oeste do Brasil é uma espécie extremamente ameaçada, muito difícil de conservar. Enquanto isso, na Amazônia, ela é uma espécie comum e, no momento, não precisa de nenhuma ação específica para sua conservação. Minhas pesquisas mostraram que existem muitas espécies de lagartos, peixes e anfíbios na Amazônia que não atraem tanto a atenção do público e ainda não estão listadas como ameaçadas, mas têm distribuições limitadas. Então, por exemplo, elas podem ser mais afetadas por grandes obras, como represas e estradas. Eu estava interessado em saber como se distribui essa biodiversidade e como podemos conservá-la.
E quais foram as suas conclusões?
Bem, ficou óbvio que o estudo de qualquer pesquisador isolado seria totalmente inadequado para responder a essas questões. Por isso, precisamos de redes como o Programa de Pesquisa em Biodiversidade para a Amazônia Ocidental, que integram a ação de conjuntos de pessoas em volta das mesmas perguntas científicas e usam a mesma metodologia. Quando se tem uma rede de pessoas fazendo o mesmo estudo de biodiversidade em lugares diferentes, podemos entender o que acontece em escalas maiores e tomar decisões efetivas para a conservação.
Você acaba de lançar um novo livro autobiográfico, “The Eye of the Crocodile”. Pode nos contar mais sobre ele?
É uma autobiografia apenas num certo sentido. O livro foi escrito mais para mostrar o que leva as pessoas a fazerem pesquisa. Eu tentei fugir um pouco desse mito de que nós estamos fazendo pesquisa para o bem-estar do mundo, etc. Pesquisadores são humanos. Quando as pesquisas dão certo, isso é legal, mas é importante entender as interações entre os pesquisadores e os tomadores de decisão, como políticos e empreendedores. Então, tive a intenção de traduzir como é a vida de pesquisa, especialmente para pessoas que estão começando a se interessar por ela agora, como uma forma de mostrar algo do caminho que elas terão à frente. É sempre muito difícil saber porque um pesquisador se fixa num certo grupo de espécies ou numa certa pergunta, porque isso não é racional. Depois que a pessoa se prende nos seus objetos de interesse, ela faz porque gosta. Então, o ideal é buscar modificar seu caminho para maximizar o benefício do trabalho à sociedade.
Faz pouco que começamos a compreender melhor alguns dos desafios que a humanidade enfrenta em sua relação com o planeta, como a mudança climática global e a perda de biodiversidade. Como acha que podemos atuar para que a informação científica alcance as pessoas?
Na realidade, há pesquisas indicando que o povo brasileiro conhece mais sobre mudanças climáticas do que a maioria dos povos. A proporção de pessoas aqui que reconhece o problema é maior, por exemplo, do que nos Estados Unidos. Mas é difícil para alguém sozinho enfrentar a mudança climática global. Claro, cada um pode modificar seu comportamento. Por exemplo, na minha sala de trabalho eu tenho três quadros de lâmpadas fluorescentes, mas só ligo aquele que está acima de mim. Se todos fizessem algo similar, gastaríamos um terço da energia. O efeito global, porém, só vem quando certas atitudes vão para as leis e costumes dos países. Você precisa mudar a cultura em geral, e contar com o apoio dos governantes para fazer isso. Não basta conhecer os problemas, mas convencer as pessoas para se juntarem e resolvê-los.
Em entrevista recente a ((o))eco, Fernando Meirelles, diretor de cinema, apontou que cientistas não sabem comunicar ao público suas ideias de uma forma acessível e atraente. É válido usar técnicas de contadores de histórias profissionais para disseminar informação científica e melhor influenciar no processo de mudança das leis e da cultura?
Esse é um assunto com o qual se deve ter cuidado, porque pode passar a impressão de que nós não estamos passando informação o suficiente. Em alguns casos, isso é verdade, mas talvez esse não seja o maior problema. O problema, hoje, de qualquer pessoa é a quantidade de informação que ela recebe por dia, muito além do que consegue absorver. Então, é pouco provável que as coisas mudem com mais informação, mesmo transmitida de uma forma agradável. Nós precisamos ter uma estrutura social para primeiro fazer uma triagem e decidir quais assuntos são os mais importantes, quais vamos enfatizar. Daí, trabalhar em cima destas prioridades até que mudemos a cultura e o comportamento das pessoas. Isso envolve o passo de falar numa linguagem na qual elas irão entender, mas também exige que nós cientistas decidamos quais são os pontos-chave. Além disso, muitas pesquisas não levam a uma resposta concreta. Chamar atenção para problemas sem solução gera mais ansiedade do que efeitos práticos. Sabemos pouco como lidar com isso, porque estamos falando de uma estrutura que não está bem desenvolvida. Existem sociedades científicas, como a Academia Brasileira de Ciências, que fazem esse trabalho de divulgação. Mas, não é tão simples quanto apenas ensinar pesquisadores a usar termos mais adequados ao público.
Vocês no INPA têm trabalhado bastante com o incentivo à produção da chamada ciência cidadã, produzida através de dados coletados por não-cientistas. Uma iniciativa interessante são os guias de identificação de espécies amazônicas, que tiveram a edição impressa doada para as populações locais. Como tem sido a resposta a esse material?
As pessoas gostam, porque isso as empodera. Muitas vezes, elas têm muito mais conhecimento do que nós sobre a biodiversidade local, mas não conseguem transmitir isso na linguagem técnica da biologia. Quando você permite uma conversa na mesma linguagem, para que eles possam produzir e transmitir o conhecimento e participar do aprendizado sobre o ecossistema, é um grande sucesso. Mas precisamos expandir a iniciativa para celulares e outras mídias.
Você acredita que esta iniciativa possa atrair mais jovens para carreiras na biologia?
Até agora ainda não aconteceu, pois é uma ação nova, mas acredito que vai, pois ocorreu assim em outros países. E é algo necessário, na minha visão. Estamos tentando estimular a formação de biólogos indígenas, porque há muitos pesquisadores que vão a áreas indígenas para coletar dados, e isso não costuma dar certo. Eles coletam errado, e muitas vezes são vistos como ladrões de informação. Nosso objetivo não deve ser o de ir até áreas indígenas e descobrir o que eles sabem, mas tentar ensinar algo do que nós sabemos, para que os próprios indígenas possam juntar esse conhecimento ao tradicional e tomar suas próprias decisões em relação às suas terras.
Um mundo com mais produção de ciência cidadã está mais capacitado para as mudanças necessárias à conservação do planeta?
No mundo real, fora da ciência, essas pessoas estão gerando uma quantidade enorme de dados, muitas vezes maior do que pesquisadores profissionais. É impressionante. Entretanto, o mais interessante é pensar que as pessoas podem não querer conservar aquilo que não veem. Apenas com palavras, não. Mas uma pessoa que viu e sentiu aqueles organismos… aí é diferente. Parece natural do ser humano querer que seus filhos e netos também possam ter esse contato. Isso cria um grupo maior de interessados e pode levar a mudanças na política. Uma vez despertado o interesse nas pessoas, quando elas votam também pensam naquilo que experimentaram ao se tornar um cientista cidadão.
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Como professor, realmente é muito influente na formação dos seus alunos. Mas o que mais me marcou foi a frase escrita na caneca que ele usava durante as aulas…