Reportagens

Guerrilha Botânica – com Liszt Vieira

De militante comunista Liszt Vieira virou presidente do Jardim Botânico do Rio e hoje precisa usar de muita tática de negociação com invasores e até o prefeito.

Marcos Sá Corrêa · Lorenzo Aldé · Carolina Elia · Andreia Fanzeres · Ana Antunes ·
30 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Agora, com um orçamento anual de 5 milhões de reais, ele tenta fazer um outro tipo de revolução: informatizar o Jardim Botânico e transformá-lo num centro de pesquisa de ponta. Não é facil. Diálogo com a prefeitura, responsável pela limpeza do arboreto, não há. Nem acordo com filhos de antigos funcionários que invadiram o terreno do Jardim e não saem de lá nem por ordem da justiça. Em nenhum dos casos adianta pegar em armas, o jeito é negociar. E muito. O Jardim Botânico aguarda soluções.  

Como você se meteu com meio ambiente?

Liszt – Há muitos caminhos que levam a Roma. No meu caso foi um processo de transição que vivi no exílio. Fiquei dez anos fora do Brasil. Morei na Argélia, em Cuba, no Chile, na Argentina e depois fui para a França, onde fiquei cinco anos. Foi o melhor período. Entrei em contato com novas idéias e vivi um processo de transformação intelectual.

E na volta?

Liszt – A volta também foi importante. Quando cheguei, no fim de 1980, o PT estava sendo criado e fui convidado para participar do núcleo de Niterói, onde mora a minha família. Esse núcleo dava assistência aos pescadores do entorno da lagoa de Piratininga. Quando eu saí do Brasil essa lagoa era um bem público, quando voltei era propriedade privada. Nunca entendi como um bem público – a lagoa- virou propriedade privada.

Qual era a questão ambiental?

Liszt – A empresa imobiliária queria aterrar a lagoa. E os pescadores precisavam dela para pescar,então eles queriam preservá-la. É um ótimo exemplo de como a questão ambiental no Brasil, e nos demais países menos desenvolvidos, está intimamente associada à questão social.

E como você participou dessa história?

Liszt – Eu fui advogado dos posseiros. Porque nem todo mundo era pescador. Alguns eram operários da construção civil que moravam ali. Foi uma batalha judicial. No final ganhamos, não houve o tal projeto da empresa. Hoje a lagoa está assoreada, mal tratada, mas não foi aterrada.

Você já tinha experiência com questões ambientais?

Liszt – Não, eu tinha apenas algumas leituras. Essa questão me sacudiu, me despertou para o problema ambiental. A partir daí, quando me lancei candidato a deputado pelo PT, o que também era novidade, a questão ambiental teve muita força.

Você tinha uma bandeira específica, uma proposta?

Liszt – Eu tinha uma proposta de proteção ambiental, de desenvolvimento sustentável. Fizemos a primeira manifestação anti-nuclear de Angra dos Reis.

E o PT aceitava bem essas propostas?

Liszt – Durante 4 anos eu fui metralhado pelo PT. A gente enfrentou uma oposição interna muito grande porque era o partido da luta de classes, isso não cabia, não estava nos manuais. Aliás, bem na verdade, nem no Marxismo nem no Liberalismo a questão ambiental existe. No século XIX o meio ambiente era visto como um bem ilimitado, os recursos naturais eram inesgotáveis. Então, nem Adam Smith nem Marx se preocuparam com isso. O liberalismo fica com, vamos dizer assim, os direitos políticos, o socialismo com os direitos sociais e ambos desprezam o direito difuso, que é o direito ao meio ambiente.

Não existe associação entre as questões sociais e ambientais.

Liszt – Exatamente. E eles só usam isso contra o meio ambiente. Ninguém reclama que você está cuidando de turismo enquanto tem criança morrendo de fome. Mas reclamam que você se preocupa com meio ambiente em vez de crianças famintas. Eu posso usar esse argumento contra qualquer coisa. Hoje e questão ambiental é mais respeitada, mas no começo da década de 80 nós éramos uma excrescência. Eu me lembro que o PT dizia: no Brasil não existe questão ambiental, a questão é social. A questão ambiental era vista como uma frescura, uma coisa que não tinha nada a ver com a realidade brasileira.Mas isso na maioria dos partidos.

Quem era contra?

Liszt – A direção do PT, na época. E quem tava do meu lado eram grupos ambientalistas e a classe média intelectualizada. Incluindo Minc, Sirkis e Gabeira. Quando fui eleito, passei por um período de turbulência porque, para a tristeza do PT, os dois deputados estaduais eleitos foram um ambientalista e uma feminista. Coisas que não tinham nada que ver com o partido e a luta de classes.

Você emplacou algum projeto como deputado?

Liszt – Teve o plebiscito para usina nuclear, que obrigava a construção de usinas nucleares passarem por consulta pública. Também teve um projeto para permitir que qualquer um tivesse acesso a informações sobre questões ambientais, que era uma caixa preta na época. Mas por incrível que pareça o projeto mais famoso foi o para permitir que as empregas domésticas tivessem acesso ao elevador social. Acho que porque mexe com o cotidiano.

Esse da usina nuclear chegou a acontecer?

Liszt – Chegou a acontecer, mas o governo federal entrou com uma ação na justiça alegando inconstitucionalidade da lei estadual e o Supremo derrubou.

Falando em justiça, como anda as invasões do Jardim Botânico?

Liszt – Olha, essa questão começou antes da gente nascer e talvez continue depois que a gente morrer. Começou com os antigos diretores, na primeira metade do século XX. Diretores do Jardim Botânico convidaram funcionários a morar ali, em terras da União. Os funcionários vieram, aí trouxeram a família. Os filhos casaram. A filha casou e trouxe o marido. O filho casou e trouxe a mulher. Aí tiveram netos, aí o primo, o namorado da prima… virou um bairro. Mas por ser terras públicas, não gera uso capião e é ocupação irregular. Há uns 20 anos a União entrou com várias ações de reintegração de posse contra aqueles moradores porque é ocupação irregular. Mas a verdade é que a justiça não consegue fazer valer a sua sentença judicial naquela área do Horto. Os moradores são organizados, fazem resistência, botam as velhinhas na frente quando a polícia chega. Tem uma casa, por exemplo, que moram 3 pessoas idosas. Já tem a sentença de despejo, mas vamos botar 3 velhos na rua? Cria-se um conflito social muito difícil de resolver. Aí o juiz recua para evitar um confronto que poderia ter conseqüências imprevisíveis.

Qual a alternativa?

Liszt – Nós estamos tentando uma solução negociada. Há uma comissão encarregada disso com representantes do Serviço de Patrimônio da União, que é ministério do planejamento, e do Jardim Botânico. A solução é encontrar uma área onde a caixa econômica possa construir casas para essas pessoas. No bairro do Jardim Botânico vai ser difícil encontrar espaço para alojar os moradores das 600 casas irregulares. Uma possibilidade é uma área na Gamboa, mas há outras. O governo estadual está fazendo um projeto habitacional em Guaratiba ou Sepetiba, na zona oeste. Mas são apartamentos pequenos e ele não querem sair do Horto.

Não se cogita legalizar a permanência dessas pessoas?

Liszt – Não,eles sairiam das casas que ocupam e iriam ser proprietários de apartamentos a serem construídos pelo Jardim Botânico. Eles aceitam desde que seja no bairro do jardim. O primeiro passo seria conseguir tirar 15 casas que ficam na área do caxinguelê. Com isso garantiríamos a expansão do arboreto.

O que os moradores argumentam?

Liszt – Que eles nasceram e viveram a vida inteira ali. Pode ter nascido, mas é irregular. Aquilo é ilegal. Tem uma briga de 16 anos na justiça que já ficou famosa. O pai do morador era funcionário, o pai faleceu e ele ficou. Botou um bom advogado, não paga aluguel e fica ali entre o nosso departamento de administração e a pousada do pesquisador. Essa casa ocupa um espaço que faz falta, estamos apertados. A casa poderia abrigar unidades administrativas do Jardim Botânico. Mas acho que no máximo em um ano recuperamos a área.

Como é que um diretor pode dar terra pública para funcionários?

Liszt – Ele não deu propriedade, ele fez um convênio.

Mas isso é legal?

Liszt – É, é legal. Você alegando necessidade de serviço você pega aquele prédio que está ali, aquela casa e faz um convênio, um contrato dizendo que ele tem direito a morar ali por um prazo indeterminado ou x anos.

E qual foi o prazo?

Liszt – Era indeterminado. Mas é até melhor porque a qualquer momento você pode renunciar, dizer que não quer mais. O problema é que a associação de moradores do Horto é politizada. A diretora é irmã do vereador Edson Santos (PT), que é um dos lideres dali. A mãe mora ali, a irmã mora ali, ele também já morou quando era criança.

Qual a sua interpretação?

Liszt – O jardim botânico é um patrimônio público, não é estatal nem privado. Aqueles moradores, que somam cerca de 2400 pessoas, têm interesses particulares. O que são 2400 pessoas perto de milhões? São milhões de pessoas, não só moradores do Rio, que usufruem do arboreto. Há turistas estrangeiros que visitam o jardim. Eles tão ocupando patrimônio público. Uma vez eu escrevi uma carta para o jornal O Globo expondo essa tese. Foi a primeira vez que isso foi dito assim com essa crueza. Abriu-se uma luta política com os moradores que queriam mostrar aquela tese de coitadinhos, que eles têm direito a habitação, que é um direito social. Esse direito social se choca com o direito de terceira geração, que é o direito ao meio ambiente de todos.

Com a saída dos moradores o que poderia ser feito ali?

Liszt – O nosso plano é a expansão do arboreto. Por que está realmente muito apertado. Ali é uma área para pesquisa. Por exemplo, precisamos de uma área para estudar plantas em vias de extinção. Existe um projeto de plantas bíblicas, que interessa à PUC e à Sociedade Israelita. Que eu saiba é uma curiosidade que não existe em outro jardim botânico. Acho que é uma coisa que tem um interesse cultural- religioso, histórico, além de ambiental.

O Aqueduto perto de uma casa que vocês conseguiram reaver está sendo reformado.

Liszt – A casa era de um tratorista e a derrubamos para fazer estacionamento para os funcionários. Conseguimos uma expansão do arboreto até o aqueduto, que foi restaurado segundo orientação do Iphan. Ele tava tapado pelo mato, tinha virado depósito de lixo. Quando o descobrimos foi uma festa.

Aquele condomínio na Gávea, o Canto e Mello, ainda é área do Jardim Botânico?

Liszt – Aquilo ali é uma invasão de rico.Eles pegaram uma pequena parte da mata que pertencia ao Jardim Botânico. Estava em negociação para ver como é que faz, mas não sei como é que terminou. O Jóquei Clube ocupa um pedaço vital do Jardim Botânico.

Conta essa história.

Liszt – Exatamente, eu até levantei isso na reunião que tive com o presidente do Jóquei. Lembrei a ele que historicamente toda a área pertencia ao Jardim Botânico. Antes o Jóquei Clube tinha outro nome e funcionava perto do maracanã. Então foi feito um acordo com o prefeito do Rio, na época o Prado Junior, que o Jardim Botânico cederia uma parte do terreno para a construção do jóquei.

Em troca de quê?

Liszt – Em troca de um muito obrigado. Eu não sei se houve alguma compensação financeira. O fato é que o Jardim Botânico perdeu. Dizem que o Pacheco Leão, diretor do Jardim na época, ficou muito triste. Sentiu-se derrotado.Alguns dizem que foi uma das razões que o levou a morte. O fato é que o jóquei capta água do rio dos Macacos para lavar as cavalariças. Tudo bem, o rio é público, mas ele está captando dentro do terreno do Jardim Botânico. Tem que dar alguma coisa em troca. Quando propus um acordo ao presidente do clube ele só faltou chorar, parecia que o jóquei era uma ong paupérrima. Eu quase que puxei a carteira e fiz uma contribuição voluntária. No fim consegui que eles nos emprestassem um trator, mas o tratorista bateu e quebrou a casa que nós estavamos construindo para o centro de compostagem.

Ainda tem água limpa ali?

Liszt – Eles limpam e captam água limpa para o jóquei clube.Eu ia fechar no peito, mas aí a turma do deixa disso me convenceu a fazer uma proposta. A associação de amigos do Jardim Botânico sugeriu fazer um convênio em que eles forneceriam equipamento e material. De um modo geral, a nossa política de parceria é não aceitar dinheiro. Nos interessa mais que eles paguem em serviços do que em recursos. Por uma razão muito simples. Se o dinheiro cair na caixa vai para o tesouro em Brasília e aí vocês sabem que pra voltar… não volta. É muito difícil voltar, porque a prioridade é o superávit primário. A imprensa aplaude o superávit primário e depois reclama que as estradas estão esburacadas, que o hospital não tem remédio, que a escola está sucateada, que o banheiro do Jardim Botânico não foi limpo. Uma vez uma menina no restaurante do arboreto reclamou comigo que o banheiro estava sujo. Falei para ela reclamar com o Palocci, não comigo. É uma pequena instituição e é na ponta que você sente como é difícil administrar sem recurso. Isso realmente é um problema.

E a questão da limpeza, como é que ficou com a prefeitura?

Liszt – Há 8 anos havia um convênio entre a prefeitura e o Jardim Botânico para limpeza. A Comlurb fazia a limpeza com 20 jardineiros e em troca a gente dava cursos de jardinagem. Eles nunca mandaram os vinte. Começou com 15 e depois que expirou o convênio, no ano passado, eles foram reduzindo até que ficou em sete. No auge da crise passou para três. Até que um dia tiraram tudo. A análise que eu faço, e que muita gente faz, é que o prefeito César Maia quer ser candidato à presidência. Então ele quer brigar com o governo federal, mesmo que a briga não seja boa. Ele rompeu na área de saúde com os hospitais, e na área de meio ambiente. O que eu achei lastimável porque o meio ambiente não tem nada a ver com essa briga. Ele cortou a Comlurb do Jardim Botânico, cortou a segurança e limpeza da Floresta da Tijuca, do Corcovado e do Parque Lage.Ficou mal na fita e criou um problema enorme, porque nós não tínhamos previsão orçamentária para limpeza.

E isso não se resolveu?

Liszt – Estamos pegando jovens da área carente que fazem cursos de jardinagem e reciclando para gari. Não houve um problema de caos nem de crise, mas a qualidade caiu. Eu sei que caiu por que eu vejo. A maioria dos visitantes visita o lado do lago, então a limpeza vai mais para essa área. Mas se você for caminhar pelo outro lado vai ver que deixa a desejar. Tentei botar no orçamento do ano que vem, mas não consegui. Chega no Ministério do Planejamento, eles cortam. Tenho que ir a Brasília explicar porque eu quero aumentar o orçamento.

Existe uma escola municipal no terreno do Jardim Botânico, não tem?

Liszt – Tem. O contrato da escola terminou em maio. Aí ficou a questão: a prefeitura cortou a Comlurb, vai ficar lá de graça? Mas não podemos pedir para a justiça fechar a escola. Tem criança lá, a escola é jardim da infância, pré-primário. Começamos então a negociar com a Secretaria de Educação a utilização de um terreno que a escola praticamente não usa para ampliar o arboreto. Seria um acordo provisório. Se não funcionar, seria o caso de falar com a Advocacia Geral da União para entrar com uma ação na justiça cobrando do prefeito um aluguel pela escola.

Qual é o orçamento do Jardim Botânico?

Liszt – O orçamento é um horror. É mais ou menos 5 milhões por ano.Só que o Jardim Botânico não é apenas o arboreto. Temos uma área de pesquisa muito grande com vários programas sobre mata atlântica, zona costeira, taxonomia e conservação. São 90 funcionários ao todo, incluindo 45 mestres e doutores. No Solar da Imperatriz funciona a Escola de Botânica, que oferece mestrado e doutorado para pessoas de praticamente todas as áreas. A proposta é fazer um dialogo da botânica com outros tipos de conhecimento. Recentemente, conseguimos um patrocínio da Petrobras para a informatização do herbário. O herbário é o coração científico do Jardim Botânico, uma fonte de pesquisa importante. Também existe um projeto em negociação entre o Ministério do Meio Ambiente e o Banco Mundial para se criar uma espécie de banco da flora brasileira, que ficaria a cargo do Jardim Botânico. Esses projetos são importantes porque, além da questão financeira, dão destaque aos trabalhos de pesquisa. O Jardim é um instituto de pesquisa científica.

Esse projeto do banco de flora brasileira é um projeto de banco de sementes?

Liszt – Não, banco de sementes nós temos . Este é um projeto de pesquisa e de estimulo à pesquisa, implantação de questões ambientais. O Jardim Botânico entraria como a sede e com um banco de informação sobre a flora brasileira. Seria uma espécie de centro nacional da flora brasileira.

E aquelas “escavações” nos arquivos do Jardim Botânico, vão continuar?

Liszt – Você diz aquelas plaquinhas que foram postas ao lado de algumas espécies contando histórias curiosas descobertas nos nossos arquivos? Aquilo é um projeto patrocinado e estava a cargo da nossa coordenação de coleções vivas. Não sei se vai voltar.

Muitas pessoas não têm idéia de que o Jardim Botânico é mais do que um parque.

Liszt – Ah, sem dúvida! Em termos de informação pública, nós inauguramos quatro totens multimídia que informam ao visitante o que ele pode ver no Jardim Botânico. Um está na guarita. Outra coisa que queremos fazer é facilitar o acesso dos visitantes ao arboreto. Agora é possível comprar o ingresso na internet. Isso é importante principalmente para os turistas. Também instalamos bilheterias eletrônicas. O meu objetivo é deixar o Jardim Botânico no século XX, porque XXI precisa de mais uns 3 anos. A mudança que fizemos na administração se refletiu na arrecadação. Em dois anos a arrecadação aumentou 63,5% . Isso não é pouco porque não houve aumento no preço de ingresso.

Aumentou a visitação?

Liszt – A visitação aumentou um pouco, mas o que contribuiu para o aumento da arrecadação foi a fiscalização das bilheterias.

Havia corrupção?

Liszt – Havia. Abrimos sindicância especificamente contra uma bilhetera. São pessoas pobres que aumentavam o salário desviando o dinheiro. Por exemplo, chegava um ônibus com 50 turistas. A caixa recebia o dinheiro e registrava que só tinham entrado 20 turistas. O resto ela embolsava. O cara presta conta do que está escrito. A pessoa obviamente foi demitida.

Esta crise do governo Lula já te afetou?

Liszt – Em termos administrativos, não. O que afeta é a política de contingenciamento de verbas federais para aumentar o superávit primário. Isso vem desde o primeiro ano e a nossa esperança era que no último ano, que é o ano eleitoral, eles abrissem as torneiras para gastos sociais. Mas parece que o orçamento do ano que vem é tão ou mais apertado que o desse ano. Não haverá mudanças.

Você pretende ficar até o fim?

Liszt – Eu sou convidado da ministra Marina Silva. A principio, enquanto ela continuar, eu devo continuar.

Você não vai se desligar para concorrer a nenhum cargo?

Liszt – Cargo eletivo? Não tenho mais saúde, nem dinheiro e nem aparelho para isso. E talvez não tenha mais paciência também. Hoje em dia a eleição está muito profissionalizada. Algo tem que mudar depois dessa crise, não pode ficar igual. Nos termos atuais, para você ter chances de ganhar você tem que ter dinheiro.

Fora o arboreto, o que o Jardim Botânico faz a favor do meio ambiente?

Liszt – Primeiro: pesquisa cientifica. O Jardim contribui para uma política nacional de conservação de biodiversidade, com dados científicos e através de pesquisa. Segundo com ensino, a Escola de Botânica. E a conservação do arboreto, que tem um lado de pesquisa cientifica e outro de parque. Eu acho que são essas as contribuições principais. Mas a minha idéia era fazer com que a escola se tornasse uma escola de meio ambiente, além de botânica. Nós temos um convênio que está sendo discutido com a UFRJ, mas a idéia não era fazer algo muito acadêmico, mas um curso de profissionalização na área de meio ambiente.

O que você estava fazendo antes de assumir o Jardim Botânico?

Liszt – Eu trabalhei em ong e fui para o Fórum Brasileiro de ongs, movimento social que organizou o Fórum Global paralelo a Rio 92. Teve uma época em que representei o Brasil no fórum internacional. Fiquei 5 anos na ONU e vi como é que funcionava a articulação internacional de ongs na área ambiental. Peguei muita experiência nessa área. Em 1995 eu voltei para a PUC e aí fiquei periférico, parei de trabalhar com isso. Fiquei dando aula e aproveitei para fazer doutorado em sociologia. Voltei à atividade política no governo da Benedita, em 2002. Fui convidado para ser secretario de Meio Ambiente. Foi um período difícil de abril à eleição, em outubro. Peguei aquele rescaldo do governo anterior do Garotinho, não tinha recurso nenhum. Raspavam tudo para pagar a folha. Aí o Lula foi eleito. Cheguei a ser cotado para a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável em Brasília, mas acabei ficando no Rio de Janeiro. Para mim foi ótimo. Vou uma vez por mês à capital para as reuniões do ministério, mas acompanho um pouco de longe. Mergulhei mesmo foi no trabalho aqui no Jardim Botânico.

Você já conhecia a Marina Silva antes? Pessoalmente.

Liszt – Conhecia. Não tinha muita intimidade. Eu morei em Nova Iorque um ano fazendo uma pesquisa para o meu doutorado e ela foi fazer um tratamento médico num hospital em Boston. Ela foi com o assessor dela, que é meu amigo, e passaram o dia lá em casa. Porque chegaram de manhã e o outro vôo era apenas à noite. Foi quando eu tive um contato mais próximo com a Marina. Ela ainda era senadora.

O que você acha do trabalho dela à frente do ministério?

Liszt – Acho que ela está fazendo um trabalho bom. Ela é muito dedicada. O problema ambiental é um problema de fundo político. Nós sabemos que existe uma reação muito grande em setores econômicos que não têm interesse na proteção ambiental, ou querem mudar a legislação ambiental. Há um lobby importante para mudar a legislação ambiental no Brasil. Ela travou algumas batalhas, perdeu algumas importantes. Mas acho que ela fez coisas que não são muito divulgadas e que merecem todo o nosso aplauso. Por exemplo, agendas bilaterais com quase todos os ministérios.

Ainda não é um ganho prático.

Liszt – Eu acho que já é um ganho prático. Por que não vão fazer uma BR- 163 no peito para depois destruir a mata, entrar a plantação de soja e aumentar o desmatamento. Então, é um ganho prático. Meio ambiente é sempre uma luta muito mais defensiva do que ofensiva. Mas de qualquer maneira não podemos deixar de lado que houve um avanço na consciência ambiental nos últimos 20 anos. Hoje, o setor produtivo tem que pelo menos negociar projetos de impacto ambiental, coisa que antes não era levado em consideração. Eu me lembro que nos anos 80, assim que começou a Eia-Rima para hidrelétricas, por que na época do regime militar eles faziam na marra, um general foi informado por um dirigente do Ibama que se não houvesse Eia-Rima o Banco Mundial não financiaria a usina. O general falou que isso era uma imposição inaceitável do imperialismo yankee. Eu achei muito engraçada essa frase. 

  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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