Análises

Escazú não é prioridade? 

Escazú chega à terceira COP sem que o Brasil o tenha ratificado. Delegação brasileira conta com ampla participação da sociedade civil, mas ausência de alto escalão grita

Kimberly Silva ·
25 de abril de 2024

Para falar sobre o Acordo de Escazú – o primeiro tratado internacional de proteção dos defensores ambientais – é fundamental entender o contexto em que ele se insere.

Assinado em 2018 na cidade de Escazú, Costa Rica, o Acordo de Escazú representa um marco significativo na promoção do acesso à informação, participação pública e justiça em questões ambientais, e na proteção dos defensores ambientais, fortalecendo, assim, a garantia dos direitos humanos no âmbito da proteção ambiental. Esta iniciativa regional surge da crescente preocupação com a degradação ambiental na América Latina e consequente aumento de violência contra ambientalistas.

Apesar de ser uma das regiões mais biodiversas do mundo, a América Latina enfrenta desafios consideráveis em termos de conservação e desenvolvimento sustentável. Sabendo disso, para fortalecer a democracia ambiental e os direitos humanos, são necessários mecanismos que garantam transparência e participação pública nas decisões ambientais. O Acordo de Escazú busca exatamente isso: assegurar que tais decisões sejam tomadas de forma inclusiva e responsável, levando em consideração os interesses das comunidades locais e a proteção dos ecossistemas.

Apesar de sua importância, o Acordo de Escazú enfrenta desafios significativos em termos de ratificação e implementação por parte dos países signatários, pois alguns países expressaram preocupações sobre possíveis impactos na soberania nacional e na competitividade econômica, enquanto outros enfrentam obstáculos políticos internos. Para o Brasil, considerando o contexto atual, surge o seguinte questionamento: por que o Acordo de Escazú não está sendo amplamente divulgado e discutido para sua ratificação?

Na abertura da COP 3 – Acordo de Escazú, que ocorreu este ano na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em Santiago, Chile, observou-se uma presença predominante de defensores de territórios de toda a região. No entanto, a sensação é que continuarmos a nos comunicar apenas entre nós mesmos, com pouco progresso nos processos de nossos países. Embora uma delegação brasileira de jovens de movimentos da sociedade civil esteja ativa em eventos pré-COP3, como o Enjuves¹, e durante a COP 3 acompanhando as atividades e discussões, não há outros líderes representantes do Estado brasileiro envolvidos na mobilização para a ratificação do Acordo no Brasil. E as falas dos delegados oficiais do governo foram decepcionantes, de acordo com Sabrina Cabral, ativista nordestina brasileira e uma das Champions de Escazú²: “o Brasil não teve falas assertivas em suas contribuições, também não conseguimos acessar os delegados para um diálogo efetivo. É essencial que o governo tenha representantes do estado que façam incidência significativa que nos leve à ratificação”, disse.

Foto: Eclac/Flickr

Escuta foi feita pelos REPs

Nesse contexto, coube aos Representantes Eleitos do Público (REP) – mecanismo de participação regional do Acordo de Escazú – ajudar na incorporação de sugestões nas negociações. O Brasil contou com a representação de Joara Marchezini, que esteve presente escutando o que a delegação brasileira e outras pessoas da sociedade civil engajadas na ratificação do acordo. Outros REPs também desempenharam atividades semelhantes. 

Todas as perguntas e recomendações também foram temas de discussão pré-COP3³, visando serem inseridas em planos de implementação. Tópicos como gênero, raça, comunidades tradicionais vulneráveis, línguas e dialetos, transição energética e exploração de recursos naturais foram abordados em diversos contextos. Durante a um painel sobre Tensões da Transição Energética para os Direitos Humanos, pude entrevistar Iber Seraruna, do povo Coya, na província de Jujuy, na Argentina, que é parte do espaço organizativo no território de Cuenca, Salinas Grande e Lagunas de Guayatayoc. Iber Sararuna é um jovem indígena que tem sua comunidade afetada pela exploração do Lítio. (Para entender mais, a comunidade organiza em seu Instagram @cuencasdesalinasgrandes informações sobre o que tem acontecido).

“Da parte da comunidade, mantemos sempre a posição firme de que em todos os espaços políticos e sociais, neste caso, falando de energias renováveis ou de transição energética, a palavra e a voz das comunidades devem ser ouvidas, porque é do território das comunidades que se está a falar e a debater. Por isso, é muito necessário que as comunidades possam fazer ouvir a nossa voz e a nossa opinião, porque não pode continuar a acontecer que, passados 500 anos, as coisas continuem a ser como no passado”, afirma Iber. 

Como podemos achar que nossas vidas e discussões são distintas? A mineração na Amazônia também provoca permanentes violência para nossas comunidades indígenas, em nome do desenvolvimento. A exploração do petróleo, implantação de parques eólicos e solares sem consulta prévia em nome da Transição Energética também tem gerado mais desigualdade e danos porque não é feita de maneira justa. E se existem ferramentas que nos promovam acesso à informação para entender, participação para decidir e a proteção para se sofrermos ameaças e tentativas de assassinato, precisamos falar dela.

O acordo de Escazú, apesar de ter um nome que não agrega entendimento imediato, também é chamado de “acordo dos defensores”, pois nós, os defensores, somos aqueles que vivenciamos diariamente o medo de represálias e a imposição de grandes projetos em nossos territórios. 

A presença da COP 30 de Mudanças Climáticas no Brasil, precisamente em Belém no próximo ano, tem sido uma chave de acesso a discussão de clima entre o público e governo, mas é insuficiente quando vemos que o engajamento não se dá da mesma forma em outras negociações que podem alavancar políticas de proteção do território e das pessoas. COPs não devem ser somente espaços de mercantilização de causas.

Notas

¹Enjuves: encontro de juventudes por Escazú que reuniu 50 jovens de 13 países diferentes da América Latina para dois dias de formação no Museu de Cultura Gabriela Mistral 

²Champions de Escazú: embaixadores de Escazú pela Cepal. 

³Pré-COP: dois dias de eventos ocorrendo simultaneamente organizado a pela FIMA e Ceus.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Kimberly Silva

    É Diretora Regional da Amazônia da Palmares Laboratório-Ação, Bióloga, Ativista socioambiental paraense, 25 anos, mora no Pará e trabalha com implementação de projetos em comunidades socioambientais.

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