Salada Verde

Governo libera pesca em época de reprodução dos peixes

Objetivo é coibir fraude no seguro-defeso. Medida durará 4 meses, mas pode ser prorrogada. Peixes podem ser extintos no meio do caminho.

Daniele Bragança ·
12 de outubro de 2015 · 9 anos atrás
Salada Verde
Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente
Com a desculpa de recadastrar os pescadores artesanais, governo permite a pesca em época de defeso. Foto: Ascom/MPA.
Com a desculpa de recadastrar os pescadores artesanais, governo permite a pesca em época de defeso. Foto: Ascom/MPA.

Quando o ajuste fiscal começou, no começo do ano, um assunto entrou na pauta: a grande quantidade de beneficiários do seguro-defeso, o salário mínimo pago aos pescadores artesanais para não pescar durante a época reprodutiva dos peixes. O governo estava convencido de que havia fraude em larga escala nesses benefícios.

Com o pretexto de passar a limpo o cadastro dos pescadores artesanais e evitar fraude, o Ministério da Agricultura, que absorveu o Ministério da Pesca após a extinção deste na última reforma ministerial, suspendeu o período de proibição, o chamado defeso. O benefício do seguro não é pago enquanto o pescador continuar trabalhando. Assim, o governo ganha tempo para recadastrar os pescadores e deter as fraudes, sem precisar travar uma briga com os sindicatos dos pescadores.

O Ministério da Agricultura alega, em nota que “assim, não há prejuízo social para os pescadores e nem risco predatório para o meio ambiente”, já que a publicação da portaria coincide com o fim do período de proibição da pesca e da consequente liberação da atividade pelos próximos oito meses. Entretanto, a própria portaria desmente a afirmação do Ministério, com informações que são irreconciliáveis. Ela libera a pesca por 120 dias (ou seja, até o dia 6 de fevereiro) e pode ser prorrogada por mais 120 dias. Ao mesmo tempo, a portaria lista, por exemplo, o período de defeso do curimatã (Prochilodus spp), piau (Schizodon sp), sardinha (Triportheus angulatus) e branquinha (Curimatidae) no Rio Grande Norte e Paraíba, que ocorre entre 10 de dezembro e 28 de fevereiro, anualmente. Ou seja, a portaria libera a pesca dentro do período de defeso de mais de uma espécie.

Assinada pelo Ministério da Agricultura em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, a medida coloca em risco os próprios recursos pesqueiros. O período de defeso garante o recomposição da população das espécies pescadas. Outra medida protetiva é a moratória, quando a espécie está em risco de extinção e se declara um período onde a pesca fica proibida. Foi o que determinou a lista vermelha de peixes marinhos ameaçados de extinção, a polêmica portaria 445, suspensa pela Justiça em junho, a pedido do setor da pesca.

A norma estabeleceu proteção integral — proibição total da pesca por período indeterminado — para 475 peixes ameaçados de extinção. Originalmente, todas as espécies que constavam nesta lista não poderiam ser pescadas quando a portaria entrasse em vigor. Mas ela ainda está suspensa na Justiça e os peixes, cujos estoques estavam abaixo do aceitável (e por isso foram postos na lista) poderão ser pescados mesmo na época de reprodução.

Custos

O recadastramento dos beneficiários do Bolsa Pesca segue os dados de uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou o desvio de 19 milhões de reais em pagamentos irregulares de seguro defeso entre janeiro de 2012 e junho de 2013. Só em Brasília, sete mil supostos pescadores recebem o salário-defeso, segundo o jornal O Globo.

Se o governo não sabe quantos pescadores, dentre 1 milhão cadastrados, exercem a atividade de fato, menos sabe o que se pesca, onde e a quantidade. O Brasil não produz estatística pesqueira desde 2008. O cálculo da economia em não pagar o seguro-defeso já foi feito pelo governo: pode chegar a 2,7 bilhões. As perdas de biodiversidade marinha e de estoques pesqueiros só serão calculadas no futuro, e pode ser tarde demais.

 

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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Comentários 5

  1. PESCADOR diz:

    CADE O IBAMA PARA ENFRENTAR ESSAS PESSOAS QUE SE DIZ SABER DAS COISAS,PARA INFORMA-LAS QUE SE OS PESCADORES PESCAREM NESSA ÉPOCA AS ESPÉCIES VÃO FICAR EM EXTINÇÃO …
    ACORDA BRASIL…..
    CHUTE NO TRASEIRO DESSES AI….


  2. George diz:

    Só podia ser coisa da Katia Abreu, que apesar de ser do Tocantins só entende de soja e nelore. Liberaram a pesca justamente no período do defeso no Araguaia (e outros rios!), novembro a fevereiro, que é o periodo da piracema. Explicando para a ministra "agro", a piracema é a migração reprodutiva dos peixes amazônicos. É a época em que se pode dizimar uma população com um ou dois lances de rede.

    Resta o consolo que os falsos "pescadores", que são a maioria dos que recebiam a bolsa-defeso dos Ministérios da Pesca corruptos e aparelhados, vão perder essa mamata bancada com dinheiro público. Vai ter muito vagabundo sem dinheiro para comprar 51 neste fim de ano na Amazônia. Coitados dos pescadores de verdade, que de repente vão se ver sem bolsa e sem peixe!


  3. Fernanda diz:

    Importante saber quem vai pagar a "conta" quando as espécies entrarem em extinção e os peixes acabarem, se a corda arrebenta para o lado mais fraco esta corda arrebentou para aqueles que podem fazer protestos, não invadem o plenário, não tem quem os defenda, os peixes. Me pergunto se não há outra forma de garantir que os pescadores sustentem suas famílias sem colocar em risco a sobrevivência das espécies, entendo completamente que eles precisam manter suas casas, mas me revolto contra o governo! Alguém já ouviu falar que foi cortado o salário dos ministros, deputados e afins até que as investigações contra seus atos de corrupção acabem ??


  4. paulo diz:

    E os militantes do pt quietinhos, quitinhos, cade a militancia srs e sras.


  5. Fabricio diz:

    Legalmente vai contra todos os preceitos do direito ambiental cabendo até uma Ação Civil Pública possivelmente….um absurdo…com o fim do MPA começa os desmandos da Katia Abreu no MAPA. Não tá fácil.