Não poucas ONGs internacionais se apressaram em correr à delegação do Brasil para tapinhas nas costas e abundantes elogios depois da histórica Plenária da CoP16 da CITES, que confirmou a inclusão dos tubarões galha-branca oceânico, marracho e três espécies de tubarões-martelo, mais as raias-manta, na lista de espécies cujo comércio internacional é restringido. Apesar de ter-se acordado um período de 18 meses para que os países ajustem seus controles alfandegários, na prática as decisões tornarão muito difícil traficar em qualquer dessas espécies, já que a Convenção CITES exige que os países exportadores certifiquem a sustentabilidade das capturas – e todas elas estão em tal petição de miséria que será praticamente impossível haver tal certificação.
Não admira a puxa-saquice das mega-ONGs gringas com nossos ilibados representantes oficiais – afinal elas têm um medo atroz de “perder a interlocução”, sabendo muito bem que setores de nossa burocracia estatal se acham donos do Estado e no direito de fechar as portas à informação e à participação na formulação de políticas públicas a quem critica e denuncia as omissões e tropeções. Emblemático caso do poste querendo fazer xixi no cachorro, mas, enfim, para nós ecochatos brazucas valeu a pressão feita para que houvesse mais empenho na aprovação das propostas, ainda que tenha ficado claro, e público, que o Ministério das Relações Exteriores considera que há agendas geopolíticas muito mais importantes que tubarões, e aí não vai haver embate mesmo na hora do vamos-ver.
A principal lição doméstica, para mim, é que ainda temos um longuíssimo caminho para que a temática ambiental vire prioridade de nossa diplomacia, e não apenas penduricalho a ser descartado ao primeiro gritinho de algum comensal que possa complicar nossa pretendida liderança na OMC ou outras “prioridades vitais” do atual governo no plano internacional.
Ouvimos explicitamente que o Brasil está se matando pela presidência da Organização Mundial do Comércio, e aí brigar por tubarões… bem. E depois quando escrevo sobre diplomacia ornamental neste blog , vejo caras e bocas de nossos indignados delegados… ao menos confortados pelas muitas expressões de apreço da sociedade civil estrangeira.
Para mim e para o Paulo Guilherme Pinguim sobrou fazer parte do trabalho pesado de cavocar votos finais e expor a corrupção japonesa. Com ajuda local, descobrimos onde o Japão estaria dando uma festinha ontem à noite para “convencer amigavelmente” delegados africanos e caribenhos a reverterem os votos pró-tubarões na Plenária. Com a ajuda de amigos mergulhadores, lá fomos nós melar a festa, fotografando e filmando a debandada geral quando se deram conta de que a bandalha estava sendo registrada.
Além das propostas de listagem de espécies, o Brasil leva para casa outra vitória importante, que é a participação em ter-se resolvido um dos imbróglios mais complexos da história da CITES: a regulamentação dos procedimentos para introdução de espécies listadas na Convenção, de comércio a partir de alto-mar. Belo empenho de fato, motivado, não em pouca monta, pela política criminosa de arrendamento de mega-embarcações estrangeiras de pesca industrial , que o atual governo incentiva para completar o estupro de nosso mar, e cuja operação global, sem essa regulamentação, seguiria descomplicada .
A principal lição doméstica, para mim, é que ainda temos um longuíssimo caminho para que a temática ambiental vire prioridade de nossa diplomacia, e não apenas penduricalho a ser descartado ao primeiro gritinho de algum comensal que possa complicar nossa pretendida liderança na OMC ou outras “prioridades vitais” do atual governo no plano internacional.
Ao (felizmente) darmos as costas a esta CoP16, vendo o tamanho das listagens de espécies ameaçadas no comércio internacional que a CITES tenta regular e, de alguma forma, conservar, mais do que as vitórias pontuais que aqui se obtém eventualmente, é preciso convidar a uma reflexão mais ampla: para que raios manter legal o comércio internacional de espécies já ameaçadas, principalmente para artigos sem qualquer necessidade vital? Será que não há jeito de nossa espécie daninha viver sem tampas de privada de mogno, tapetes de pele de urso polar, pulseiras de marfim, óculos de casco de tartaruga, cabo de adaga de chifre de rinoceronte, sopa de barbatana de tubarão, esse festival de idiotices caras e superstições medievais que enriquece poucos à custa da biodiversidade de todos? Ainda mais quando está provado ad nauseam que os usos não-letais e não-predatórios como o Ecoturismo são mais sustentáveis e socialmente justos, distribuindo benefícios mais amplamente nas comunidades?
Quem sabe o Brasil, depois de resolver suas candidaturas a coisas “mais importantes” no cenário internacional, possa trazer oficialmente à CoP17 da CITES, daqui há três anos, esse pleito: que os traficantes de fauna e flora ameaçada que espreitam à sombra da CITES sejam preteridos em favor do direito das comunidades locais em usufruir das espécies selvagens vivas, em seus ambientes preservados, gerando emprego e renda nos países em desenvolvimento e não numa ruela fedorenta de Hong Kong ou Tóquio, onde se amontoam, neste exato momento, os despojos de uma Natureza que agoniza nas vitrines de nossa vaidade suicida.
*Esse texto foi editado em 07/05/2024 para repaginação
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