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Canetada do governador do Amazonas ameaça a maior floresta tropical do mundo

Lei sancionada pelo governador do Amazonas pode causar destruição em cadeia ao permitir a introdução de espécies de peixes não nativos e o barramento dos igarapés.

Nurit Bensusan ·
1 de junho de 2016 · 8 anos atrás
Adaptável, as Tilápias são muito usadas em aquicultura por serem dotadas de alta capacidade de proliferação e serem bem sucedidas em ambientes alterados e pobres em recursos alimentares. Foto: Luna sin estrellas/Flickr
Adaptáveis, as Tilápias são muito usadas em aquicultura por terem alta capacidade de proliferação e serem bem sucedidas em ambientes alterados. Foto: Luna sin estrellas/Flickr.

Curimatã, pirarucu, filhote, aruanã, gurijuba, pacu, todos com os dias contados. Matrichã, tambaqui, piramutaba, piranha, pirapatinga, todos ameaçados. Pirananbu, apapá, peixe-cachorro, curimbatá, jatuarana, jaú, todos condenados.

São mais de três mil espécies de peixes, a maior biodiversidade aquática do planeta. Toda ela ameaçada pela inconsequência de uma lei estadual, a 79 de 2016, sancionada no começo desta semana, por uma canetada do governador do Amazonas, José Melo (Pros). A preservação dessa diversidade de peixes e de mamíferos aquáticos – como botos, peixes-boi e golfinhos – deve-se ao fato da bacia amazônica manter-se livre de populações de peixes exóticos, ou seja provenientes de outros lugares do planeta. Esse fenômeno, a introdução de espécies exóticas, acontece na maioria dos ambientes aquáticos e é responsável pela destruição da diversidade local.

A lei em questão faz justamente isso: libera a introdução de espécies não-nativas nos rios e igarapés da maior floresta tropical do mundo no estado do Amazonas. Um exemplo ilustrativo pode ser a introdução da tilápia. As tilápias são peixes originários da África que tendem a dominar os ambientes onde são introduzidos, pois competem com muita eficiência pelos recursos alimentares, por espaço e por locais de desova, levando ao desaparecimento outras espécies de peixes. Imagine as tilápias nadando faceiras nos rios amazônicos…

Seria possível enumerar um enorme conjunto de consequências desastrosas para a Amazônia, derivadas dessa inconsequência, mas bastam duas:

1) O comprometimento da biodiversidade aquática levará a uma degradação em cadeia. O desaparecimento das espécies de peixes causará a extinção de muitas outras espécies, tanto de fauna como de flora, o que transformará o ambiente e levará a destruição do ecossistema. Ou seja, se esse dispositivo legal permanecer, podemos começar a ensaiar a marcha fúnebre para nossa maior floresta.
2) Não há volta para a introdução de espécies na Amazônia, ou seja, não dá para experimentar e depois decidir que deu errado. Uma vez introduzidas, o dano será irreversível, por isso a lei é inconsequente.

Fica, como sempre, a questão no ar: será que os responsáveis pela aquicultura e pela pesca no estado do Amazonas apoiaram tal dispositivo legal, pois ignoram as consequências drásticas e irreversíveis para a bacia? Se assim é, não deveriam ser responsáveis por algo que não compreendem. Ou será que apoiaram essa lei por causa da pressão de grupos econômicos interessados no cultivo de espécies exóticas na Amazônia? Se for assim, tampouco deveriam estar onde estão.

Por fim, vale lembrar que a malfadada lei – como se fosse pouco ter o potencial de causar tamanha destruição – permite ainda o barramento de igarapés para atividades de aquicultura, também com consequências nefastas para todo o ecossistema amazônico, que depende dos ciclos naturais de cheias e vazantes dos rios para sua manutenção.

Há, nesse momento, manifestações e abaixo-assinados circulando na internet contra essa lei (participe). Incrível é que precisaremos de milhares de assinaturas para tentar salvar nossa floresta, enquanto que bastou uma, a do governador do Amazonas, para colocar em marcha um processo irreversível de destruição da Amazônia.

 

Texto original do Instituto Sociambiental (ISA) republicado em ((o))eco

 

 

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  • Nurit Bensusan

    Coordenadora adjunta do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA) e especialista em Biodiversidade

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Comentários 4

  1. Eu não tenho nenhuma palavra para apreciar este post ….. Realmente estou impressionado com este post …. a pessoa que criar este post foi um grande humano .. obrigado por compartilhar isso conosco. Criação de peixes em caixa d agua


  2. Otávio Maia diz:

    Uma lei estadual pode se contrapor à Política Nacional de Biodiversidade? http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002
    Objetivos Específicos da PNB:
    10.3.6. Promover e apoiar pesquisas para subsidiar a prevenção, erradicação e controle de espécies exóticas invasoras e espécies-problema que ameacem a biodiversidade, atividades da agricultura, pecuária, silvicultura e aquicultura e a saúde humana.
    11.1.12. Articular ações com o órgão responsável pelo controle sanitário e fitossanitário com vistas à troca de informações para impedir a entrada no país de espécies exóticas invasoras que possam afetar a biodiversidade.
    11.1.13. Promover a prevenção, a erradicação e o controle de espécies exóticas invasoras que possam afetar a biodiversidade.
    11.2.3. Apoiar as ações do órgão oficial de controle fitossanitário com vistas a evitar a introdução de pragas e espécies exóticas invasoras em áreas no entorno e no interior de unidades de conservação.
    13.1.1. Apoiar o desenvolvimento de metodologias e de indicadores para o monitoramento dos componentes da biodiversidade dos ecossistemas e dos impactos ambientais responsáveis pela sua degradação, inclusive aqueles causados pela introdução de espécies exóticas invasoras e de espécies-problema.
    13.1.8. Apoiar as ações do órgão oficial responsável pela sanidade e pela fitossanidade com vistas em monitorar espécies exóticas invasoras para prevenir e mitigar os impactos de pragas e doenças na biodiversidade.
    13.2.6. Apoiar a realização de análises de risco e estudos dos impactos da introdução de espécies exóticas potencialmente invasoras, espécies potencialmente problema e outras que ameacem a biodiversidade, as atividades econômicas e a saúde da população, e a criação e implementação de mecanismos de controle.
    13.2.7. Promover e aperfeiçoar ações de prevenção, controle e erradicação de espécies exóticas invasoras e de espécies-problema.
    13.2.19. Estabelecer mecanismos para determinar a realização de estudos de impacto ambiental, inclusive Avaliação Ambiental Estratégica, em projetos e empreendimentos de larga escala, inclusive os que possam gerar impactos agregados, que envolvam recursos biológicos, inclusive aqueles que utilizem espécies exóticas e organismos geneticamente modificados, quando potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente.


  3. Paulo Roberto diz:

    Os movimmentos ambientais podem barrar a lei estúpida do governador do Amazonas??? O que é que estão fazendo??? Por que deixaram isto eer??? Só falar não adianta!!! Depaois do mal feito reclamar não adianta. Tramitou na câmara, etc. Por que nãoo bse movimmentaram antes? E agora, como é que fica?