O biólogo Marcus Buononato teve uma tarde feliz no último dia 26 de outubro. Especialista em répteis, o pesquisador visitava o Parque Nacional das Emas, em Goiás, quando teve a grata surpresa de avistar (e filmar) uma matilha de cachorros-vinagres (Speothos venaticus) caminhando tranquilos pelo local.
Ele estava com um grupo de quatro pesquisadores que faziam hora para apreciar um outro fenômeno: a bioluminescência dos cupinzeiros. As larvas do vagalume Pyrearinus termitilluminans produzem e emitem uma luminosidade para atrair presas. O resultado é algo bonito de ver: milhares de pontos de luz fazem o cupinzeiro parecer uma árvore de natal.
Enquanto aguardava para observar os cupinzeiros iluminados, o grupo acabou flagrando a matilha de cachorros-vinagre. O vídeo de pouco mais que 2 minutos registra o momento em que os animais caminham em direção ao local onde estão os pesquisadores, param a cerca de 3 metros de Marcus, que está filmando a cena, e voltam pelo mesmo caminho. O grupo de especialistas era formado pelos biólogos Marcus Buononato e Carla Buononato, pelo ornitólogo Carl Albert Johansson, o botânico Gustavo Martinelli e a guia Karolyne Rodrigues Barbosa. Marcus filmou a cena agachado na vegetação e o restante ficou no carro, que estava desligado.
“Eles [os cachorros-vinagres] vieram percorrendo todo aquele caminho como se nada tivesse acontecendo. Todo mundo quieto. E teve um ponto que eles chegaram a uns 10 metros de mim, e eu começo a cochichar com o pessoal: ‘eu não sei se eu fico ou se eu saio’. Porque [os cachorros-vinagres] são animais que têm uma mandíbula muito forte e eu não sabia se eles podiam me atacar. E de repente, eles chegaram assim a menos de três metros de mim, dão uma olhadinha, ameaçam sair da estrada duas vezes e retornam pelo mesmo caminho”, narra Marcus.
Primeira vez
Esta foi a primeira vez que Marcus Buononato visitou o Parque Nacional das Emas, unidade de 132 mil hectares localizada bem na divisa entre Goiás e Mato Grosso do Sul. Antes do encontro com os cachorros-vinagres, os pesquisadores encontraram uma coral-verdadeira morta, provavelmente por ave de rapina.
O cachorro-vinagre (Speothos venaticus) é uma espécie de canídeo nativa das Américas Central e do Sul. No Brasil, sua distribuição original inclui toda a região amazônica, regiões Centrais e de Minas Gerais até Santa Catarina, mas a perda de habitat, acompanhada de doenças transmitidas por cães, tornaram a espécie rara de ser avistada e, portanto, pouco conhecida da maior parte da população.
A dificuldade de localizar o cachorro-vinagre na natureza faz com que a espécie seja pouco estudada. Apesar de pequeno — o comprimento médio da cabeça e do corpo fica entre 57 e 75 cm — ele consegue se alimentar de presas grandes, como capivaras ou emas, embora prefira crustáceos, aves, anfíbios, pequenos répteis e roedores. Isso porque possui uma mandíbula poderosa e tem o hábito de caçar em bando. Daí o receio do biólogo em continuar filmando em vez de se abrigar.
“O mais curioso é que eles [os cachorros -vinagres] não demostraram nenhum tipo de reação de medo a gente. E é uma coisa engraçada: ou eles estão acostumados ou o contrário, tiveram pouco contato com humanos”, diz.
Assista o vídeo:
*Este texto foi atualizado no dia 06/11 para excluir duas afirmações incorretas: uma sobre a facilidade de observar o fenômeno da bioluminescência em noites de lua cheia, o que não é correto. A outra sobre a alegação de que foi a primeira vez que cachorros-vinagres foram avistados no Parque Nacional das Emas.
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Na região de Garanhuns-PE,uma mata de altitude quase no sertão, que abrigava incrível biodiversidade esses cachorrinhos são conhecidos como 'guarás'-ha quem alegue que é essa a origem do nome da cidade-e são raríssimos hoje,graças as fazendas de bovinocultura extensiva…
Olá, sou a guia que estava acompanhandoos pesquisadores, gostaria de fazer uma oobservação muito importante sobre a bioluminescência. Em noites de lua cheia pouco se vê o fenômeno, as larvas gastam muita energia competindo com a luz da lua, sendo assim o mesmo quase não sai para capturar alimentos..
Obrigada Karolyne, corrigimos a informação equivocada. Abraços.
Sensacional o registro. Só não é a primeira foto/filmagem no Parque, como diz o texto. Eu o fotografei lá em 1994, e a foto inclusive consta de nossa publicação sobre a espécie no Parque, de 1998, na revista Óryx.
É mesmo. Deveriam ter confirmado antes essa alegação de que foi a primeira vez . As imagens são bacanas o suficiente, tanto faz se primeira ou décima vez…mas ambientalista não vive sem um "adjetivo" para "temperar" um dado, mesmo que esse dado seja valioso por si só, não precisava ficar comparando: primeiro, maior, etc…
A faculdade de hoje alimenta está barbaridade. São ” cientistas.,”
Caro Flávio, retiramos a afirmação sobre primeiro avistamento. Estava incorreta. Obrigada pelo aviso.
Raridade! Parabéns ao autor.
Uau!!! Que registro, parabéns!!
Quero muito conhecer esse parque!
Mais um caso demonstrando como mamíferos de médio e grande porte aproveitam bem as trilhas e estradas humanas…nem bicho prefere se enroscar nos galhos e espinhos! Até a fauna é pragmática!