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Guerreiro do arco-íris

Morre aos 63 anos o fundador do Greenpeace, Bob Hunter. Jornalista ambiental, ele entrou no ativismo por acaso e criou uma nova e criativa forma de protestar.

Ana Antunes ·
3 de maio de 2005 · 19 anos atrás

Em 15 de setembro de 1971, manifestantes velejaram até a ilha Amchitka, no Alasca, para tentar impedir uma série de testes nucleares. O jornalista Robert Hunter acompanhou o grupo para escrever sobre o evento. O barco se chamava “The Greenpeace”, e Hunter saiu da experiência convertido à causa, sendo responsável pela criação de um movimento com o mesmo nome, que se transformaria em uma das ongs mais conhecidas do mundo. Agora o Greenpeace terá que seguir sem ele. Bob Hunter morreu de câncer nesta segunda-feira, 2 de maio, aos 63 anos.

Hunter cunhou termos que se tornaram célebres no ambientalismo, como “guerreiros ecológicos”, para denominar os defensores do meio ambiente, e “mind bombs” (“bombas mentais”), atos ou sons pensados especialmente para chamar a atenção da mídia para fatos que, a princípio, não seriam notícia. O Greenpeace ganhou notoriedade por promover ações assim, com imagens memoráveis, como ativistas lançando-se em minúsculos botes salva-vidas para abordar enormes barcos de caça a baleias ou pintando peles de bebês focas para tirar seu valor comercial. Bob esteve por trás de todas as manifestações do movimento durante a década de 1970.

Adepto da contracultura dos anos 60, Bob atribuiu o surgimento do Greenpeace a uma série de fatores que se combinaram, na Vancouver da época. Segundo ele, a cidade canadense tinha a maior concentração per capita do mundo de “amantes do verde, estudantes radicais, sindicalistas revoltados, trotskistas, maconheiros, defensores da preservação dos peixes, defensores dos direitos dos animais, vegetarianos, nudistas e budistas”. Todos esses tipos se juntaram para protestar contra os testes atômicos na ilha do Alasca, formando o movimento “Don´t Make a Wave Committe”, que se reunia no porão de uma igreja. O nome foi criado pelo próprio Bob mas, quando chegou a hora de arrecadar dinheiro para a campanha, ele não cabia em uma camiseta ou bóton, por isso adotaram o nome do barco, Greenpeace.

Os protestos de 1971 contra a maior potência bélica do mundo ocasionaram o primeiro fechamento de fronteiras entre o Canadá e os Estados Unidos desde 1812. Os testes acabaram e, em menos de um ano, a ilha de Amchitka, no arquipélago de Aleutian, Alasca, foi transformada em santuário da vida selvagem. Desta primeira vitória, a organização partiu para outras lutas, como impedir os testes atômicos franceses, a caça de baleia pelos russos e a matança de filhotes de focas no Canadá.

O que era para ser apenas uma reportagem terminou sendo a luta de uma vida inteira. Bob foi o primeiro presidente do Greenpeace, em 1973, e apesar de ter formalmente deixado a organização em 1981 para dedicar-se à carreira de escritor, continuou colaborando com a instituição, sendo o principal responsável por sua internacionalização.

Descrito como um “xamã” pelo atual presidente-executivo do Greenpeace, Gerd Leipold, Bob gostava de comparar os membros da ong ao mito da tribo Cree. Esse grupo indígena norte-americano acreditava em espíritos “guerreiros do arco-íris”, que salvariam a natureza quando a Terra estivesse doente. Eloqüente e excelente contador de histórias, Bob criou um novo tipo de ambientalismo, que marcou todas as ações do Greenpeace. O discurso criativo e impactante atraiu muitos jovens para o ativismo ecológico, bem como uma legião de doadores. O Greenpeace só aceita doações de pessoas físicas, não de empresas, o que leva a instituição a depender de sua presença na mídia para continuar arrecadando fundos.

Paulo Adário, coordenador de Amazônia do Greenpeace Brasil, disse que Bob Hunter foi a pessoa que ensinou a organização a lidar com os meios de comunicação. “Ele sabia que a mídia era uma ferramenta histórica para conscientizar as pessoas sobre a nossa causa”. Paulo conheceu Bob em 1998, quando ele veio participar como jornalista de uma reunião sobre o projeto Amazônia que seria implantado no ano seguinte. A impressão que o canadense deixou por aqui foi excelente. “Ele é um cabeludo muito simpático, uma gracinha de pessoa”, disse Adário.

O Greenpeace Brasil emitiu uma nota à impressa comentando o fato e lembrando que as idéias de Bob Hunter continuam a existir “nas pessoas que ele inspirou, nas baleias que ele salvou e na organização que ele ajudou a criar.”

Bob Hunter trabalhou em jornais canadenses como o Vancouver Sun e o Winnipeg Tribune, e no canal de TV Citytv, como jornalista ambiental. Escreveu 13 livros, entre os quais “Rainbow Warriors”, de 1978, em que descreve a formação do Greenpeace. Pelo livro “Occupied Canada: A young white man discovers his unsuspected past” (Canadá ocupado: um jovem branco descobre seu passado insuspeito), Hunter ganhou o importante prêmio literário canadense Governor General’s Award, em 1991. A revista Time o elegeu um dos heróis ecológicos do século XX.

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