O Brasil pode reduzir suas emissões de metano em 36% até 2030 em relação aos níveis de 2020, apenas ampliando as políticas e medidas já existentes de controle de emissões nos setores poluidores. Isto é, basta vontade política para tanto, diz um estudo inédito apresentado nesta segunda-feira (17) por organizações que compõem o Observatório do Clima.
Com a implementação efetiva de políticas e tecnologias já existentes, o país poderia atingir – e superar – a meta estabelecida no final de 2021 com o Compromisso Global do Metano, assinado por 122 países, incluindo o Brasil, durante a Conferência do Clima da ONU (COP-26), realizada em Glasgow. A meta global estipulada é a redução de 30% até 2030.
Até o momento, o Governo Brasileiro não apresentou nenhum plano ou meta oficial de cortes em relação ao metano.
“Esse é um trabalho importantíssimo, faz parte da agenda de combate às mudanças climáticas e é uma lição de casa que nós da sociedade civil estamos fazendo que obviamente o governo não fez. O governo é quem deveria fazer esse trabalho, chamar quem entende do assunto para montar um plano pro Brasil, para poder cumprir esse compromisso que foi assinado. Mas nós já conhecemos o governo que temos e ele não vai fazer e nós não vamos ficar esperando ele fazer”, disse Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, durante live de apresentação dos cálculos.
Emissões brasileiras
O Brasil é o sexto maior emissor mundial de metano, com 5,5% das emissões globais de, segundo estimativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Em 2020, ano base para o Compromisso Global, o Brasil emitiu 20,2 milhões de toneladas – 21,7 Mton se contabilizadas as emissões que hoje não são incluídas no inventário oficial brasileiro.
A título de comparação, o Brasil é considerado também o quinto maior emissor de Dióxido de Carbono (CO2) mundial, mas responde por apenas 3,3% das emissões globais deste gás.
Do total de metano emitido na atmosfera pelo Brasil, 72% vem da agropecuária (14,54 Milhões de Toneladas), em particular das emissões da fermentação entérica do rebanho bovino, o proverbial “arroto do boi”. Apenas os gases emitidos pelo gado de corte – não só o arroto – respondem por mais da metade (11,5 MTon) do metano lançado na atmosfera pelo Brasil.
O segundo maior vilão das emissões de metano no Brasil é o setor de Resíduos, responsável por 16% do total (3,17 MTon). A maior parte dessas emissões deriva da disposição final de lixo e do esgoto doméstico e industrial.
Em seguida vem a queima de biomassa associada ao desmatamento, principalmente na Amazônia. A fumaça da queima das árvores que são derrubadas para dar lugar a pastos e lavouras responde por 9% das emissões nacionais (2,7 MTon).
Os setores de energia e processos industriais respondem juntos por 3% das emissões brasileiras (616 mil toneladas por ano).
Periculosidade do metano
O metano (CH4) é o segundo maior responsável pelo aquecimento global. Cada molécula desse gás esquenta o planeta 28 vezes mais do que uma molécula de dióxido de carbono(CO2) num prazo de cem anos. Em 20 anos, o potencial de aquecimento é ainda maior: 80 vezes.
Atualmente, quase metade do aumento de temperatura global observado atualmente se deve às emissões desse gás.
Apesar de bem mais perigoso, o metano é produzido em quantidades muito menores do que o gás carbônico. A título de comparação, globalmente, foram produzidos 52 bilhões de CO2 em 2020, contra 364 milhões de toneladas de metano.
Além disso, o CH4 dura menos na atmosfera – cerca de 15 anos, contra mais de 100 anos do CO2. Essa meia-vida mais curta torna o metano um bom alvo para estratégias de combate a emissões que permitam à humanidade ganhar tempo para frear o aquecimento global.
“A redução do metano pode ser decisiva para o Brasil cumprir o acordo de Paris”, diz Stela Herscmann, especialistas em política climática no Observatório do Clima.
Business as usual e potencial de redução
O relatório apresentado na manhã desta segunda-feira estima que, se forem mantidas as políticas atuais de controle de emissões de metano, o Brasil chegará a 2030 emitindo 7% a mais do que em 2020.
Mas o cenário não precisa ser este. O Brasil pode superar em muito a meta estabelecida globalmente, dizem os pesquisadores envolvidos no estudo. Isso porque o potencial brasileiro é ainda maior do que os 36% de redução propostos pelas entidades.
No longo prazo, com políticas públicas mais profundas e maior investimento, a porcentagem de redução desse potente gás de efeito estufa pode chegar a 75%.
“O que chama atenção nas políticas e medidas mapeadas neste estudo é que todas elas trazem ganho econômico. São iniciativas que o poder público ou os produtores rurais, no caso da agropecuária, já deveriam estar fazendo em grande escala, porque se trata de práticas já conhecidas e utilizadas”, afirma Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG.
Dentre as medidas propostas pelos pesquisadores para reduzir as emissões de CH4 estão:
Setor de Agropecuária
- Ampliação de ações voltadas ao melhoramento da dieta animal;
- Melhoria no tratamento de dejetos animais;
- Fomento à utilização de melhoramento genético animal;
- Aumento do número de abates de animais com terminação intensiva (engorda do animal em menor tempo de vida);
- Utilização do manejo da irrigação nas plantações de arroz, em substituição ao chamado arroz irrigado, em que as plantas ficam submersas;
- Eliminação da queima da palha em plantações de cana, como já acontece no estado de São Paulo.
Setor Resíduos
- Erradicação de lixões;
- Eliminação gradual da deposição em aterros sanitários, com melhoria nos sistemas de reciclagem
- Melhor aproveitamento do biogás gerado nos aterros
Setor de Mudança de Uso da Terra e Florestas
- Zerar o desmatamento com indícios de ilegalidade
- Zerar incêndios provocados pelo homem em áreas naturais
Setor de Energia e Processos Industriais
- Substituição de fogões a lenha tradicionais por outros mais eficientes ou por GLP;
- Redução das emissões fugitivas de metano na exploração de petróleo e gás
- Redução da exploração de carvão mineral
“Agora temos, pela primeira vez, um mapa do caminho para a aplicação dessas práticas e mostramos que o Brasil pode ser ainda mais ambicioso do que o compromisso global e ganhar dinheiro com isso”, finaliza Tasso Azevedo, do SEEG.
Para ler o estudo na íntegra, clique aqui.
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