Reportagens

Brasil deve aumentar emissões de metano em 7% até 2030, mas tem potencial para reduzir 36%

Observatório do Clima propõe que país assuma porcentagem de redução como meta para atingir – e superar – compromisso internacional firmado em 2021

Cristiane Prizibisczki ·
17 de outubro de 2022 · 2 anos atrás

O Brasil pode reduzir suas emissões de metano em 36% até 2030 em relação aos níveis de 2020, apenas ampliando as políticas e medidas já existentes de controle de emissões nos setores poluidores. Isto é, basta vontade política para tanto, diz um estudo inédito apresentado nesta segunda-feira (17) por organizações que compõem o Observatório do Clima. 

Com a implementação efetiva de políticas e tecnologias já existentes, o país poderia atingir – e superar – a meta estabelecida no final de 2021 com o Compromisso Global do Metano, assinado por 122 países, incluindo o Brasil, durante a Conferência do Clima da ONU (COP-26), realizada em Glasgow. A meta global estipulada é a redução de 30% até 2030. 

Até o momento, o Governo Brasileiro não apresentou nenhum plano ou meta oficial de cortes em relação ao metano.

“Esse é um trabalho importantíssimo, faz parte da agenda de combate às mudanças climáticas e é uma lição de casa que nós da sociedade civil estamos fazendo que obviamente o governo não fez. O governo é quem deveria fazer esse trabalho, chamar quem entende do assunto para montar um plano pro Brasil, para poder cumprir esse compromisso que foi assinado. Mas nós já conhecemos o governo que temos e ele não vai fazer e  nós não vamos ficar esperando ele fazer”, disse Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, durante live de apresentação dos cálculos.

Emissões brasileiras

O Brasil é o sexto maior emissor mundial de metano, com 5,5% das emissões globais de, segundo estimativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Em 2020, ano base para o Compromisso Global, o Brasil emitiu 20,2 milhões de toneladas – 21,7 Mton se contabilizadas as emissões que hoje não são incluídas no inventário oficial brasileiro.

A título de comparação, o Brasil é considerado também o quinto maior emissor de Dióxido de Carbono (CO2) mundial, mas responde por apenas 3,3% das emissões globais deste gás.

Do total de metano emitido na atmosfera pelo Brasil, 72% vem da agropecuária (14,54 Milhões de Toneladas), em particular das emissões da fermentação entérica do rebanho bovino, o proverbial “arroto do boi”. Apenas os gases emitidos pelo gado de corte – não só o arroto – respondem por mais da metade (11,5 MTon) do metano lançado na atmosfera pelo Brasil. 

O segundo maior vilão das emissões de metano no Brasil é o setor de Resíduos, responsável por 16% do total (3,17 MTon). A maior parte dessas emissões deriva da disposição final de lixo e do esgoto doméstico e industrial.

Em seguida vem a queima de biomassa associada ao desmatamento, principalmente na Amazônia. A fumaça da queima das árvores que são derrubadas para dar lugar a pastos e lavouras responde por 9% das emissões nacionais (2,7 MTon).

Os setores de energia e processos industriais respondem juntos por 3% das emissões brasileiras (616 mil toneladas por ano).

Periculosidade do metano

O metano (CH4) é o segundo maior responsável pelo aquecimento global. Cada molécula desse gás esquenta o planeta 28 vezes mais do que uma molécula de dióxido de carbono(CO2) num prazo de cem anos. Em 20 anos, o potencial de aquecimento é ainda maior: 80 vezes.

Atualmente, quase metade do aumento de temperatura global observado atualmente se deve às emissões desse gás. 

Apesar de bem mais perigoso, o metano é produzido em quantidades muito menores do que o gás carbônico. A título de comparação, globalmente, foram produzidos 52 bilhões de CO2 em 2020, contra 364 milhões de toneladas de metano.

Além disso, o CH4 dura menos na atmosfera – cerca de 15 anos, contra mais de 100 anos do CO2. Essa meia-vida mais curta torna o metano um bom alvo para estratégias de combate a emissões que permitam à humanidade ganhar tempo para frear o aquecimento global.

“A redução do metano pode ser decisiva para o Brasil cumprir o acordo de Paris”, diz Stela Herscmann, especialistas em política climática no Observatório do Clima.

Business as usual e potencial de redução

O relatório apresentado na manhã desta segunda-feira estima que, se forem mantidas as políticas atuais de controle de emissões de metano, o Brasil chegará a 2030 emitindo 7% a mais do que em 2020. 

Mas o cenário não precisa ser este. O Brasil pode superar em muito a meta estabelecida globalmente, dizem os pesquisadores envolvidos no estudo. Isso porque o potencial brasileiro é ainda maior do que os 36% de redução propostos pelas entidades.

No longo prazo, com políticas públicas mais profundas e maior investimento, a porcentagem de redução desse potente gás de efeito estufa pode chegar a 75%.

“O que chama atenção nas políticas e medidas mapeadas neste estudo é que todas elas trazem ganho econômico. São iniciativas que o poder público ou os produtores rurais, no caso da agropecuária, já deveriam estar fazendo em grande escala, porque se trata de práticas já conhecidas e utilizadas”, afirma Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG.

Dentre as medidas propostas pelos pesquisadores para reduzir as emissões de CH4 estão:

Setor de Agropecuária

  • Ampliação de ações voltadas ao melhoramento da dieta animal;
  • Melhoria no tratamento de dejetos animais;
  • Fomento à utilização de melhoramento genético animal;
  • Aumento do número de abates de animais com terminação intensiva (engorda do animal em menor tempo de vida);
  • Utilização do manejo da irrigação nas plantações de arroz, em substituição ao chamado arroz irrigado, em que as plantas ficam submersas;
  • Eliminação da queima da palha em plantações de cana, como já acontece no estado de São Paulo.

Setor Resíduos 

  • Erradicação de lixões;
  • Eliminação gradual da deposição em aterros sanitários, com melhoria nos sistemas de reciclagem
  • Melhor aproveitamento do biogás gerado nos aterros

Setor de Mudança de Uso da Terra e Florestas

  • Zerar o desmatamento com indícios de ilegalidade
  • Zerar incêndios provocados pelo homem em áreas naturais

Setor de Energia e Processos Industriais

  • Substituição de fogões a lenha tradicionais por outros mais eficientes ou por GLP;
  • Redução das emissões fugitivas de metano na exploração de petróleo e gás
  • Redução da exploração de carvão mineral

 “Agora temos, pela primeira vez, um mapa do caminho para a aplicação dessas práticas e mostramos que o Brasil pode ser ainda mais ambicioso do que o compromisso global e ganhar dinheiro com isso”, finaliza Tasso Azevedo, do SEEG.

Para ler o estudo na íntegra, clique aqui.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Notícias
2 de novembro de 2021

Boletim COP 26: Observadores do lado de fora, sistema fora do ar e acordo sobre o metano

Vendida como a Conferência do Clima mais inclusiva de todas, o que ocorre na COP 26 é o contrário: filas gigantes, observadores barrados e aglomeração são a rotina do evento

Reportagens
9 de novembro de 2009

Metano no centro das atenções

Pesquisadores descobrem que o metano e o monóxido de carbono interagem na atmosfera, causando impacto maior do que se pensava, e sugerem novos parâmetros para discussões sobre clima.

Reportagens
22 de fevereiro de 2010

O ciclo do metano pode ter começado

Ao constatar as maiores concentrações de metano nos últimos 3 anos, pesquisadores suspeitam sobre ciclo irreversível e rápido de aquecimento por causa do gás.

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.