Maior unidade de conservação costeira do Brasil, a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais cobre 14 municípios e uma extensa faixa litorânea entre Alagoas e Pernambuco. Na última quarta-feira (16), o ICMBio, órgão gestor da APA, publicou uma portaria que estabelece normas para restringir a pesca de arrasto do camarão dentro de um deles, o município pernambucano de Tamandaré. A norma foi comemorada por organizações socioambientais que atuam na região.
A recém-publicada Portaria nº 1.079/22, tem como objetivo aumentar a sustentabilidade da pesca de camarão e reduzir a captura acidental de espécies marinhas que vão parar nas redes do arrasto, como peixes, corais, crustáceos e moluscos.
A pesca de arrasto consiste em jogar uma longa rede no fundo do mar e, literalmente, arrastar tudo que passar por ela. A técnica, muito utilizada na pescaria de camarão, é vista como altamente predatória e impactante no ambiente marinho.
Em Tamandaré, a pesca do camarão sofre há anos com a exploração predatória, que torna a pescaria menos produtiva e rentável, sobretudo para os pescadores artesanais. Através de lideranças locais, os pescadores discutiram e atuaram junto ao ICMBio, o Instituto Recifes Costeiros e a organização Rare Brasil, para construir uma solução coletiva ao problema.
“O objetivo da portaria é minimizar os impactos da pescaria de arrasto sobre a biodiversidade marinha, principalmente nas espécies ameaçadas e nas espécies de peixes de valor comercial, buscando a sustentabilidade da pescaria, associando a conservação da biodiversidade e melhor produtividade”, resume Leonardo Messias, coordenador Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE/ICMBio), um dos atores dessa articulação.
As principais espécies de camarão exploradas em Tamandaré são o camarão-branco (Litopenaeus schmitti), o sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri) e o rosa (Farfantepenaeus subtilis).
O novo instrumento legal define uma área de regime especial para pesca de camarão em Tamandaré, localizada a uma milha mar adentro e dentro da APA Costa dos Corais. Nesta área, passam a valer as seguintes regras: a captura do camarão pode ser feita apenas com rede de arrasto de fundo simples, sendo proibido o arrasto duplo (com duas redes); a atividade poderá ser feita apenas durante o dia, entre 5 e 17 horas; as embarcações não poderão pernoitar dentro da área definida e deverão utilizar um aplicativo de rastreamento.
Além disso, as embarcações devem estar devidamente cadastradas junto ao ICMBio para poder pescar na área, mediante assinatura de um termo de compromisso junto ao órgão ambiental.
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Ainda de acordo com a portaria, fica definido que toda a produção/captura das embarcações durante as pescarias de arrasto deverão ser registradas, inclusive com dados das capturas acidentais da fauna, e entregue mensalmente ao CEPENE. No caso de espécies ameaçadas de extinção, a captura acidental deve ser informada ao ICMBio e, caso o animal esteja vivo, deve ser solto novamente no mar, caso contrário, devem ser entregues ao CEPENE.
“A portaria prevê a obrigatoriedade da entrega por parte das embarcações do registro da captura, incluindo o registro da captura de espécies ameaçadas, como as tartarugas, mero, raias, quando houver. A fiscalização fica a cargo do próprio ICMBio, com a unidade de conservação APA Costa dos Corais, com apoio dos outros órgãos de controle ambiental como o IBAMA e Polícia Federal”, acrescenta Leonardo.
O lixo flutuante coletado pela rede de arrasto também deverá ser pesado e trazido para o continente para destinação correta do resíduo.
O gerente de comunicação da Rare Brasil, Enrico Marone, acredita que a regulamentação em Tamandaré possa servir de exemplo para outros locais no litoral brasileiro. “A criação de áreas de manejo sustentável da pesca no litoral brasileiro, envolvendo os pescadores na gestão compartilhada da área, é fundamental para a conservação dos recursos pesqueiros e dos ecossistemas costeiros”, afirma Enrico.
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