Reportagens

Senado adia votação do relatório do PL do Veneno para quarta-feira 30

Membros da equipe de transição do PT, Acir Gurgacz e Carlos Fávaro, são favoráveis ao PL que pode ir a sanção de Bolsonaro em dezembro (*atualizado)

Débora Pinto ·
28 de novembro de 2022 · 2 anos atrás

A votação do relatório final do  Projeto de Lei (PL) 1459/2022, substitutivo do PL 6.299/2002, projeto que dispõe sobre o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos no país foi adiada para quarta-feira (30).

A decisão foi tomada nesta terça-feira (29) quando a materia seria votada na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado, voltada à apreciação do relatório final e discussão da pauta já aprovada na Câmara dos Deputados em junho. 

O  presidente da Comissão de Agricultura no Senado (CRA) Acir Gurgacz (PT-RO) anunciou na sessão que realizará uma reunião com as equipes dos Grupos de Trabalho de transição ao novo governo nas áreas de Saúde, Agricultura e Meio Ambiente para ampliar o diálogo em relação ao relatório apresentado para votação.

Os senadores que se opõem ao projeto, a exemplo de Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Paulo Rocha (PT-PA), defendem que o texto seja revisto, sobretudo, no que se refere ao protagonismo da Anvisa e do Ibama, que perderiam poder de veto e ficariam sob o comando do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)  no processo de homologação e registro de novos agrotóxicos no país. A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) , destacou que já existe comprovação científica de que  os agrotóxicos causam danos à saúde e que, portanto,  há algo de errado na falta de discussão sobre outros métodos que possibilitem a continuidade  e o aumento da produção agrícola no país.

Segundo a senadora, a Anvisa precisa ter o tempo necessário para realizar o seu trabalho científico e que, como médica, acredita que o que está em jogo com o aumento deliberado da aprovação de agrotóxicos é a saúde da população brasileira. Mesmo com a ampliação de mais uma reunião para possíveis alterações no texto do relatório, Acir Gurgacz solicitou o compromisso de todos os senadores de realizarem o processo de votação final do relatório impreterivelmente na sessão de quarta-feira.

O PL do Veneno é uma grande demanda dos ruralistas, liderada pela atuação da ex-ministra da agricultura e pecuária, Tereza Cristina, com forte pressão política do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) para acelerar a aprovação de pautas que atendam aos seus interesses. 

O que esta em debate

Na quinta-feira (24), apesar dos protestos de senadores do Partido dos Trabalhadores, o  presidente da CRA, Acir Gurgacz (PDT/RO), apresentou texto favorável ao projeto, destacando a função do PL na “desburocratização” para o registro e uso de agrotóxicos no país, o que atende, sobretudo, aos interesses do setor do agronegócio. Segundo Gurgacz, a atual legislação é lenta no registro de novos pesticidas, que pode levar até dez anos. Caso o PL seja aprovado, esse período pode ser de dois anos.

Em suas considerações, Gurgacz enfatizou ainda que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) continuarão fazendo parte do processo de aprovação de agrotóxicos no país. 

Atualmente, as duas instituições já têm essa responsabilidade mas, se o PL for aprovado, embora sigam com parte de suas atribuições técnicas, estarão sujeitas à coordenação  do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que também passaria a ser a entidade responsável pela homologação final.  Essa mudança de competência é uma das principais críticas do terceiro setor e de pesquisadores da saúde sobre a proposta. Segundo estas, a mudança pode fragilizar o rigor técnico na análise de substâncias potencialmente perigosas à saúde e ao meio ambiente.

De acordo com Marina Lacorte, Coordenadora do Programa de Agroecologia e Combate aos Agrotóxicos do Greenpeace Brasil, essa mudança dá poder ao Mapa e retira a decisão das mãos de outros especialistas.

 “Atualmente, Anvisa, Ibama e Mapa têm peso igual no processo decisório. Cada um dentro de sua competência – os primeiros cuidando das questões ligadas à saúde e meio ambiente e o Mapa avaliando a eficiência agronômica. Todos podem vetar uma substância  mas, se o PL for aprovado, embora  Anvisa e Ibama sigam fazendo parte do processo de homologação, perdem o poder de veto. Eles irão oferecer o seu parecer técnico mas a decisão final, pela forma como está descrito no texto, estará nas mãos do  Mapa, que tem como principal interesse atender ao setor produtivo”, explica Marina. 

Segundo ela, um indício de como essas escolhas favorecem o agronegócio é o fato de o relatório estar sendo debatido apenas na Comissão de Agricultura do Senado, sem ter passado, por exemplo, pela Comissão de Meio Ambiente ou pela Comissão dos Direitos Humanos. 

Outra alteração considerada “positiva” pelo relator, o senador Acir Gurgacz, é relacionada a alteração da análise de risco para análise de perigo, uma especificidade técnica que supostamente possibilitaria mais segurança ao analisar moléculas não apenas de acordo com a sua toxicidade intrínseca mas, também, os seus efeitos – uma normativa que, ainda segundo o relator, seguiria padrões internacionais.

Na última audiência pública promovida pela Comissão sobre a pauta, realizada na segunda-feira (22), o pesquisador da ONU Marcos Orellana expressou preocupação com o fato de que critérios científicos estejam sendo deixados de lado para o avanço do PL,  incluindo substâncias que provocam câncer, malformação e mutações genéticas. Orellana também afirmou que a mudança da análise de risco para análise de perigo, na verdade, não se enquadra nas principais normas de segurança internacionais. “Não é possível uma prevenção real porque muitas vezes não existem informações completas sobre esses pesticidas e isso faz com que os efeitos só sejam percebidos quando já se transformaram em doenças”, explicou o especialista. 

Marina Lacorte, do Greenpeace, lembra que não existe a necessidade de revogação da atual lei para que sejam priorizadas moléculas menos tóxicas. Segundo ela, a legislação atual já deliberou que novas moléculas parecidas só podem ser utilizadas se forem menos tóxicas do que as já existentes – texto que, inclusive, foi retirado do PL sem que nenhuma substituição direta tenha sido feita.

 “Nós poderíamos fazer uma lista, por meio de normas, para elencar os tipo de moléculas a serem priorizadas,como as biológicas, as menos tóxicas, por meio de normas e outros instrumentos reguladores, não é preciso alterar toda a lei”, completa. A especialista lembra que o processo de padronização internacional já está em curso a partir do marco regulatório, realizado pela Anvisa em 2019, que retirou, o alerta com a tarja vermelha e a imagem de caveira que caracterizam o maior risco da embalagem de aproximadamente 600 agrotóxicos no país após alterar a sua classificação.

Para uma realidade de baixíssima escolaridade no campo, como é o caso do Brasil, diminuir a comunicação dos riscos para seguir padrões internacionais significa não apenas dificultar o acesso à informação específica mas, também, aumentar os riscos para quem faz uso dos pesticidas, gerando uma problema para a saúde e os direitos humanos. A proposição apresentada pelo  PL, portanto, ao invés de melhorar o controle e a classificação, vem chancelar uma padronização que já está em curso e não traz benefícios ambientais ou sociais.

Criança com doença incurável chamada ictiose lamelar, imagem integrante da exposição argentina, “O custo humano dos agrotóxicos”. Foto: Pablo Piovano

Outro ponto trazido pelo chamado PL em votação é a possibilidade de agrotóxicos receberem um registro provisório. Caso o Mapa avalie que o tempo de homologação e registro está sendo muito lento. Uma das principais finalidades da proposta é, justamente, diminuir o prazo de registro de novos agrotóxicos de até oito anos para, no máximo, dois anos. O critério utilizado para o registro provisório  seria verificar se a substância já recebeu registro e é utilizada em pelo menos três países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

…desde o ano 2000, a quantidade de agrotóxicos usados no Brasil contou com um aumento de 1338%. Apenas no governo Bolsonaro, mais de 1.800 agrotóxicos foram registrados no país.

Marcos Orellana

 Marcos Orellana, da ONU, considera a regulação absurda. “Deveria ser todo o inverso. A preocupação deveria ser em banir imediatamente qualquer pesticida que não seja aceito pelo critério de três países da OCDE, e não utilizar a aprovação em outros lugares para permitir que os agrotóxicos também sejam usados no país’, apontou. O pesquisador completou  que, desde o ano 2000, a quantidade de agrotóxicos usados no Brasil contou com um aumento de 1338%. Apenas no governo Bolsonaro, mais de 1.800 agrotóxicos foram registrados no país.

Marina Lacorte concorda. “É um critério absurdo, porque podem ser quaisquer países, inclusive aqueles pouco ou nada restritivos. Desta forma, a gente vai utilizar agrotóxicos enquanto são realizados os pareceres oficiais, o que pode expôr as pessoas e territórios a moléculas altamente tóxicas, servindo literalmente de cobaias”, completa.

Disputa política e contradições de base

Na quinta-feira (24), durante o debate sobre o PL na CRA, a senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA) e o senador Paulo Rocha (PT/PA) pediram vista do processo logo após a leitura do relatório. Eliziane fez questão de pontuar, já após a leitura da introdução do texto, que a primeira versão do projeto apresentada em 1999 pelo então deputado federal Blairo Maggi contava com apenas dois artigos. O atual conta com 62. Assim, desmentiu a fala proferida pelo presidente da Comissão, que afirmou ser o PL uma pauta amplamente discutida há 23 anos na Câmara de no Senado. “Trata-se de um novo projeto”, esclareceu Eliziane.

A senadora solicitou a suspensão da reunião, depois da leitura da introdução do relatório,  para a construção de um acordo. “Nós estamos vindo da COP-27 [Conferência das Nações Unidas sobre o Clima] no Egito. Todos sabem que o Brasil se tornou pária no quesito meio ambiente. O Brasil sempre esteve na cabeceira da mesa, sempre esteve protagonizando os grandes debates até pela posição ambiental que o Brasil tem. Nós tivemos agora na última COP um reposicionamento do Brasil”, afirmou, lembrando os discursos feitos pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a conferência e considerando que estes se opõem ao avanço de medidas como o chamado PL do veneno. 

Eliziane alertou que, a partir deste novo posicionamento internacional, o meio ambiente passa a ser considerado um dos eixos principais do novo governo. Ela fez um apelo tanto a Acir Gurgacz quanto ao senador Carlos Fávaro (PSD/MT) que também integram a equipe de transição de Lula para a  Agricultura, observando que a exclusão da Anvisa e do Ibama das decisões finais sobre a aprovação de agrotóxicos significa, no mínimo,  a falta de diálogo com as equipes de Saúde e Meio Ambiente que, neste momento, também constróem a transição para  o futuro governo. 

O senador Carlos Fávaro respondeu considerando justas as considerações apresentadas pela senadora, mas ponderando a partir da sua perspectiva de representante do agronegócio. “Nós estamos todos no mesmo barco. Eu não quero usar nas minhas propriedades organofosforados, produtos cancerígenos, produtos que causam mal ao meio ambiente, pelo contrário”, disse, ressaltando que o intuito do projeto é buscar uma forma mais moderna e eficiente de tratar o licenciamento e o uso de agrotóxicos no Brasil. E afirmou que, hoje, existem cartéis que se camuflam como defensores do meio ambiente para manter a sua estabilidade e o seu crescimento. 

Embora o  pedido de suspensão da sessão feito por Eliziane Gama tenha sido considerado pertinente, a decisão de Acir Gurgacz  foi seguir com a leitura completa do relatório, reiterando a importância da desburocratização para que mais e melhores pesticidas sejam utilizados no Brasil, como forma de melhorar a produtividade agrícola no país. 

O senador citou o apoio dado ao projeto por entidades como a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja) e  Federação da Agricultura e Pecuária do estado de Minas Gerais (FAEMG), com argumentações ligadas mais uma vez, ao aumento da produtividade nessas regiões. Não foram citadas, porém, as manifestações de mais de 20 entidades ambientais e da sociedade civil que se opõem ao projeto, nem o posicionamento oficial da Organização das Nações Unidas (ONU), que também é contra a sua aprovação.

Caso o relatório da CRA seja aprovado nesta terça-feira, 29, o PL do Veneno poderá ser colocado em votação no Senado Federal pelo presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD), indo o PL à sanção presidencial de Jair Bolsonaro (PL) ainda em 2022.  

*Atualizado às 11h de 29 de novembro

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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