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Inteligência Artificial e meio ambiente

É fundamental que nossos administradores públicos compreendam que os ponteiros não devem contabilizar degradação como em plano infinito, mas apontar sua realidade ecossistêmica

8 de maio de 2023 · 1 anos atrás
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

 “Embora problemas e catástrofes possam ser inevitáveis, soluções não o são” –  Isaac Asimov, escritor

A ampliação da escassez nos serviços ambientais implica maior valia dos ativos ambientais remanescentes. A perda de 10.362 km² da Floresta Amazônica registrada oficialmente no último ano irá alterar a importância de cada árvore que está sendo cortada em 2023.  A cada ano os atributos ambientais remanescentes apresentam maior valia. Como dimensionar este elemento subjacente à realidade que, em essência, representa a própria sustentabilidade?     

David Jensen, coordenador do subprograma de Transformação Digital do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), refere-se às expectativas com relação à Inteligência Artificial (IA) em sua utilização na área ambiental: “Sistemas ou máquinas que executam tarefas que normalmente exigem inteligência humana e podem se melhorar iterativamente ao longo do tempo, com base nas informações que coletam”.

Devemos estar atentos para a correta interpretação das perdas ecossistêmicas. É preciso evitar contas rápidas que se repetem ano após ano, apenas com o uso mais simples da IA. Monitorar e divulgar o desmatamento em km² é importante e necessário. Especialmente na realidade dos trópicos, onde áreas protegidas são essenciais para proteção da profusão de vida e de serviços ecossistêmicos, é preciso avaliar a capacidade estatal para conter a degradação florestal, aprimorando a eficácia dos órgãos responsáveis pelo controle frente à pressão da criminalidade ambiental. 

O serviço tecnológico prestado pelo Inpe em geoprocessamento é vital para a proteção do meio ambiente no Brasil. Faz leitura passo a passo da intensidade das forças destrutivas, sejam naturais ou antrópicas, que pressionam o patrimônio ambiental representado na Floresta Amazônica, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Caatinga e Pampas.  

Ocorre que a interpretação desses dados, ao reportar-se comparativamente aos meses e anos anteriores, não permite à sociedade visualizar a realidade ecológica subjacente, vital, ecossistêmica e em processo de inflexão. Isso exige aprofundamento para além da contabilização em números.

Buscar soluções para a gradual falência ecossistêmica em curso dependerá da compreensão correta sobre os efeitos. Um velho ditado empresarial afirma: “Não podemos gerir o que não medimos”.  Mover políticas públicas exige boa mensuração que irá motivar e justificar investimentos expressivos. Dessa forma, é preciso dimensionar corretamente a nociva intervenção humana sobre a realidade natural, reconhecendo sua essência, suas funções e efeitos sinérgicos na realidade biofísica, bioquímica e sobre as espécies vivas. 

Uma definição didática sobre o estoque de recursos naturais e seus serviços é promovida pela Conservation International, ao definir Capital Natural: “É o estoque de recursos naturais renováveis e não renováveis (por exemplo, plantas, animais, ar, água, solos, minerais) que quando combinados proporcionam benefícios às pessoas”. 

Especialistas que são referência histórica e internacional têm sinalizado considerar os princípios do Capital Natural como a forma mais adequada para compreender, conceitualmente, a escassez da natureza, conforme reitera em pensamento muito bem vertebrado o autor de “Brasil – O Capital Natural”, Mauro Victor.

Por ocasião da reunião em que participamos com o “Rainforest Project”, na Clarence House, em Londres, havia um único livro na estante da sala de reuniões: “Natural Capital”, em demonstração explícita da cultura advinda da escola darwiniana, sinalizando as tendências da nova geração da coroa britânica, que conta com conselheiros científicos do peso como Nicholas Stern, que defende alterações profundas e ecossistêmicas na compreensão entre economia e ambiente.  

A Universidade de Stanford (Ca-USA) traz a seguinte observação em seu Natural Capital Project: “Os ecossistemas do mundo podem ser vistos como ativos de capital; se bem manejadas, suas terras, águas e biodiversidade produzem um fluxo de serviços vitais de suporte à vida. Em relação a outras formas de capital, o capital natural vivo é pouco compreendido e sofre rápida degradação. Muitas vezes, os benefícios que a natureza gera são amplamente apreciados apenas após sua perda”. 

Existe uma clara discrepância entre Capital Natural e o pragmatismo econômico do business as usual que se aplica à lei da escassez, restrito a administrar o que tem à mão: “Produzir o máximo de bens e serviços a partir de recursos escassos disponíveis”.

Ocorre que serviços ecossistêmicos não seguem as mesmas regras de produção. Mantêm-se dentro dos ciclos naturais, em escalas locais, continentais ou globais. Como potencializar os efeitos dos rios voadores da Amazônia em seus benefícios continentais? 

A sociedade pode trabalhar eliminando vulnerabilidades com adequada gestão de seu território, mas serviços ecossistêmicos permanecem na condição de insumo natural. Ou seja, uma massa florestal irá sequestrar carbono na medida que seu volume determina — e irá promover chuvas na medida de sua capacidade de evapotranspiração. 

A perspectiva de uso em escala ampliada da geoengenharia tem patinado na insegurança de efeitos colaterais imprevisíveis e de altíssimo risco ao lidar com aspectos naturais em amplitude global. Exatamente por este motivo o tema fica ainda distante dos relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC): “Observar o que está acontecendo no clima requer observações feitas a partir de órbitas altas, das profundezas do oceano e de todos os tipos de lugares intermediários, bem como modelos que esticam os poderes dos supercomputadores mais importantes”.

O que esperar da ação governamental para ampliar a percepção natural ecossistêmica?  Não há dúvida de que o primeiro passo é a transparência de dados com correta metodologia, permitindo que a degradação ambiental seja traduzida para a sociedade brasileira, de forma a refletir riscos e impactos na realidade, expressos nas alterações da qualidade de vida da população. 

Recentemente o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apresentou estudo que estima perda econômica para o Brasil de quase um trilhão de reais com a savanização da Amazônia, reiterando um apelo de ação coordenada dos países amazônicos para proteção ecossistêmica.   

Dessa forma, é fundamental que nossos administradores públicos compreendam que os ponteiros não devem contabilizar degradação como em plano infinito, mas apontar sua realidade ecossistêmica. 

Para os governos, cabe inicialmente a tarefa de total transparência, conferindo o devido peso à ação e à inação do Estado, inclusive em suas consequências, demonstrando de forma pedagógica ao povo, diretamente interessado, o que se está fazendo para garantir sua condição de sobrevivência, no sentido da real sustentabilidade.

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