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Irrespirável

Governador do Acre decreta situação de emergência nas regiões mais atingidas pela fumaça das queimadas. O sol desapareceu e para sair às ruas, só de máscara.

Lorenzo Aldé ·
21 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

O governador do Acre, Jorge Viana, decretou nesta quarta-feira, 21 de setembro, situação de emergência nas regiões do alto Acre e baixo Acre, devido à fumaça das queimadas que estacionou sobre o estado. A decisão foi anunciada por Viana depois de uma reunião requerida pelo Ministério Público Estadual, à qual também compareceu o prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim Vasconcelos.

Ao meio-dia, a visibilidade na capital acreana era quase zero (foto). O ar está tomado pela fumaça das queimadas amazônicas, vinda principalmente dos estados do Mato Grosso, Rondônia, Pará e Tocantins. Mas este ano o Acre não pode jogar a culpa apenas nos vizinhos. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em setembro o número de incêndios no estado mais do que triplicou em relação ao mesmo mês do ano passado. Foram 1.490 focos, contra 471 de 2004.

No início de setembro, a situação levou o Ministério Público Estadual a pedir a proibição de qualquer queimada no estado, no que foi atendido em decreto do governador. No entanto, o ar continuou tão poluído que obrigou os moradores de Rio Branco a usar máscaras cirúrgicas para sair de casa. O comércio no centro da capital ficou deserto. Os hospitais estão lotados de crianças e idosos, as maiores vítimas de crises respiratórias, e algumas escolas fecharam suas portas.

Em seu blog na internet, o jornalista Altino Machado vem publicando um diário dos tempos irrespiráveis em Rio Branco. Ele acompanhou o protesto que reuniu cerca de 3 mil pessoas, na tarde desta quarta-feira, em frente à Assembléia Legislativa do estado. Os manifestantes, entre membros de entidades civis e estudantes, reclamavam da inércia do governo do estado em combater as queimadas dos pecuaristas ao longo das rodovias BR-317 e BR-364.

O governador convocou de imediato uma reunião a portas fechadas com 30 representantes de movimentos sociais, onde garantiu que está tomando providências. Jorge Viana afirmou que espera o socorro do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e mais ajuda do Exército, que já vem dando suporte no combate a incêndios, e da Defesa Civil. Também está negociando ajuda financeira do governo federal. 

O auxílio externo será mesmo necessário. O Ibama do Acre, que atravessa crise financeira sem precedentes, não tem a mínima condição de fiscalizar a combater as queimadas. Em carta aberta divulgada no dia de 30 de agosto, a Associação dos Servidores do órgão (Asibama) diz que “não se paga, dentro da normalidade, luz, água, telefone, limpeza, vigilância, combustível, conserto de veículos, aquisição de material de consumo”. Apenas uma linha telefônica, das seis que a sede do Ibama possui, está funcionando. As outras foram cortadas. Segundo a Asibama, os escritórios regionais no interior do estado também estão sem telefone.

A situação é crítica em outros pontos do Acre e outros estados da Amazônia. “Tem vez que o dia termina e nem conseguimos ver o sol direito”, contou a O Eco o cientista social Luiz Gonçalves, que trabalha em Carauari, sudoeste do Amazonas. Segundo os ribeirinhos, aquela região está vivendo a pior seca dos últimos 50 anos. Os rios estão quase inavegáveis. “As pessoas estão ficando preocupadas porque a seca dificulta muito a vida aqui. Esse é um lugar totalmente dependente da navegação. Tudo chega de barco, pessoas, alimento, combustível”, escreve ele.

Há mais de 30 dias não chove no Acre mais de 30mm por dia. A média pluviométrica no estado, em anos menos quentes, varia entre 200 e 250mm diários. A média de temperatura chega este ano a 36 graus. Segundo o INPE, as chuvas não devem voltar antes de 10 de outubro.

Por causa da seca e do desmatamento, o rio Acre chegou a seu menor nível em mais de três décadas, 1,64 metros, o que levou a prefeitura de Rio Branco a fazer uma escavação de emergência no fundo do rio, para obter mais água. Nem assim está descartado o colapso no abastecimento de água da capital.

As matas ciliares do rio foram quase inteiramente destruídas desde a década de 70, quando as fazendas de gado se multiplicaram seguindo as principais rodovias do estado, o que gerou erosão e assoreamento. “O governo não tem nenhum plano de recuperação dos rios nem de tratamento dos mananciais. Existem alguns estudos, iniciativas esporádicas, mas o fato é que não se dá importância a isso. Eles dizem que o governo quer desenvolvimento sustentável, mas a ênfase maior é no desenvolvimento, não no sustentável”, disse, por telefone, o jornalista Antonio Alves, membro do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA) e também autor de um blog (O Espírito da Coisa) no qual relata a asfixia provocada pelas queimadas.

No blog Ambiente Acreano, o botânico Evandro Ferreira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre, relata a reação dos pequenos produtores rurais prejudicados pelo fogo. “Trabalho no meio rural desde a década de 80 e pela primeira vez vi pequeno produtor com pavor do fogo, seu antigo aliado… que ironia, não é mesmo? Este ano de 2005 parece que vai ser um marco”. Ele acompanha as fotos de satélite sobre as queimadas no estado e nelas enxergou, nesta quarta-feira, um sinal de alívio: a fumaça vinda do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Bolívia começou a se dissipar pela força dos ventos. “Será que vamos ver o sol brilhar novamente?”, pergunta Evandro.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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