Desde Brasília (DF), a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) afirma que um projeto turístico-imobiliário privado de grande porte não atende aos requisitos legais para ser instalado em terras públicas da União na ilha de Boipeba, no litoral sul da Bahia.
Análises técnicas e o despacho assinado em dezembro pela secretária-substituta da SPU, Carolina Gabas Stuchi, indicam que o empreendimento Ponta dos Castelhanos, uma sociedade de grandes empresários, é “incompatível com a legislação” para áreas públicas da União.
A autarquia diz que aquelas terras não podem ser parceladas, que implantar píers e demais estruturas náuticas depende de permissão federal e que deve ser delimitado o território da comunidade tradicional de Cova da Onça. Ela fica no sul da ilha, entre o Atlântico e o imóvel Ponta dos Castelhanos.
No despachado em dezembro, a autarquia ressalta que não “há mais que se falar em medida cautelar suspendendo a realização de obras, mas sim de uma medida definitiva vedando qualquer intervenção relacionada a projetos que tenham como escopo o parcelamento da área”.
O projeto havia sido embargado pela SPU em abril do ano passado. Desde então, o órgão assegurou ter executado “diligências administrativas e jurídicas necessárias relacionadas ao tema, bem como tornar franqueada a manifestação dos interessados no processo”.
Para o movimento Salve Boipeba, a posição da SPU federal sobre o Ponta dos Castelhanos considera a luta coletiva por respeito aos direitos socioambientais na ilha, especialmente das comunidades tradicionais que vivem e usam recursos naturais em variados pontos do território e litoral.
“É gratificante ver as instituições públicas trabalhando com respeito à Constituição e aos clamores da sociedade civil. É um momento de celebração, mas seguimos vigilantes”, diz nota do movimento à reportagem. O Salve Boipeba mobilizou extrativistas e pescadores pela preservação de Boipeba.
Licença em xeque
O imóvel do Ponta dos Castelhanos tem 1.651 ha, ou quase 19% dos 8,8 mil ha de Boipeba. A licença de março de 2023 do baiano Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) permitia 67 residências, 2 pousadas de 25 quartos, pista de pouso, trilhas e estação para tratamento de resíduos.
Entretanto e conforme a SPU federal, a autorização estadual não teria mais validade pois foi emitida com base em documentação de “caráter precário” oferecida pela representação do órgão federal na Bahia, anterior à transferência da titularidade das terras à Mangaba Cultivo de Coco.
Agora, novos pedidos para licenças deverão atender às diretrizes para ocupação e uso de terras da União e estar em “estrita consonância” com uma Portaria de Declaração de Interesse do Serviço Público, que deve ser publicada pela SPU para regularizar o uso daquelas terras públicas da União.
Para o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA), a posição da SPU é uma vitória que reforça a incompatibilidade do Ponta dos Castelhanos nos moldes licenciados pelo Inema em terras públicas federais. Todavia, ele afirma que não se pode baixar a guarda.
“A deliberação da SPU é uma indicação ao governo baiano para reverter a licença emitida para a implantação do projeto. Não é uma coisa definitiva. É preciso atentar se a questão não será judicializada pelo estado ou pelos empreendedores”, destaca o parlamentar.
A Mangaba Cultivo de Coco e o Inema não atenderam aos nossos pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem e nem informaram se recorrerão da decisão do órgão federal.
Passando a borracha
Apesar de ter identificado vícios e irregularidades na outorga de inscrição do primeiro ocupante da Fazenda Ponta dos Castelhanos e no parcelamento do imóvel que viabilizou sua transferência à Mangaba Cultivo de Coco, a SPU validou o processo pelo longo prazo decorrido.
A inscrição das terras visadas pelo projeto Ponta dos Castelhanos foi repassada à Mangaba Cultivo de Coco no governo de Jair Bolsonaro, em abril de 2022. O terreno havia sido comprado pela empresa em 2008, de um empresário e ex-prefeito acusado de apropriação de terras públicas.
“É uma tradição do estado brasileiro ‘passar a mão na cabeça’ da grilagem de terras. A deliberação federal contornou uma questão politicamente delicada, que mexe com personagens muito poderosos”, avalia o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA).
Enquanto isso, a ocupação legal e criminosa de terras públicas é um dos motores de crescentes impactos socioambientais no arquipélago de Cairu. O problema foi denunciado em carta ao Ministério Público Federal (MPF) pelo movimento Salve Boipeba, associações quilombolas e outras entidades civis.
“A escalada desses impactos está promovendo a acumulação de combustíveis fósseis nos recursos hídricos da ilha. Além disso, o aumento da fragmentação de APP’s pelo tráfego é visível, visto que a aceleração de processos erosivos está em estágio avançado nas estradas e trilhas”, detalha o documento.
Informações usadas na reportagem foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), já que a Assessoria de Imprensa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) repassou detalhes mínimos sobre o posicionamento da SPU. Confira aqui os documentos.
Leia também
Governo joga decisão sobre projeto na ilha de Boipeba para fim do ano
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos mantém por mais 60 dias o embargo ao Ponta dos Castelhanos →
Boipeba aguarda posição do governo Lula sobre terras alvo de megaprojeto
Novo prazo para manifestação acaba na quarta-feira (4). A empreitada é planejada por um time de grandes empresários →
Condomínio na ilha de Boipeba aquece ocupação da Mata Atlântica
Especialistas avaliam que o projeto fomentará mais o desmate e a tomada de territórios de populações tradicionais no litoral baiano →
Estive lá a fazenda de cocos além de tomar metade da ilha não emprega quase ninguém eh só uma desculpa para dizer que eh terra produtiva a grilagem se comprovada ao mesmo tempo que demarcou a área destruiu a mata original há outros problemas como a descentralização da administração nas ilhas, com prefeituras autônomas e há a questão de empresários que dominam as ilhas com empresas tipo de transporte cobrando taxas exorbitantes de transporte marítimo e terrestre, além do tráfico que se instalou na região
Estive recentemente em Boipeba e de NADA justifica TAMANHO crime ambiental para degradação de um dos ultimos paraísos entocados do nosso país! A velha desculpa do desenvolvimento não pode mais ser aceita e trazer apenas luxo para aqueles que lá frequentarão e a maquigem e a falta de controle das construções irregulares e os contantes resíduos que serão gerados.
O litoral Norte da Bahia também está sendo invadido por empreendimentos deste tipo, entre Porto de Sauípe e Massarandupió (praia naturista), ambos pertencem ao Município de Entre Rios, também tem um projeto destes, já tentaram, inclusive, impedir os nativos da região de terem acesso aos rios e praias, gente nascida e criada na localidade, pode isso?!!