Indígenas reunidos no 20º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, divulgaram uma carta com 25 “exigências e urgências” endereçada aos Três Poderes. Com 19 reivindicações voltadas ao Executivo e 6 divididas entre Legislativo e Judiciário, o movimento indígena pede, entre outras coisas, agilidade no processo de demarcação de terras, o fortalecimento de órgãos voltados aos povos indígenas, a interrupção do “genocídio legislado” e a inconstitucionalidade da lei 14.701/23, que institui o Marco Temporal. O documento foi tornado público na nesta segunda (22), primeiro dia da mobilização.
A carta critica a demora na homologação de 4 terras indígenas – duas em Santa Catarina, uma em Alagoas e outra na Paraíba, que dependem apenas da assinatura do presidente Lula para serem oficializadas e que foram prometidas para os primeiros 100 dias de governo. Isso aconteceria na última quinta (18), quando Lula assinou a homologação de duas TIs, mas disse que adiaria a oficialização das outras 4 previstas para dar “um tempo” para que governadores negociassem a saída de atuais ocupantes, como fazendeiros. “Mas e o nosso tempo, os tempos dos povos indígenas? Nosso tempo é agora, urgente e inadiável”, diz um trecho. O documento culpa o ministro Rui Costa, da Casa Civil, pelo atraso, alegando que ele estaria “mandando” nos processos de homologação.
O texto critica ainda a aprovação, pelo Congresso, do Marco Temporal, que classificou como parte de um “genocídio legislado”, o “maior retrocesso aos nossos direitos desde a redemocratização” e que “resulta no derramamento de sangue indígena em todo o país”. Segundo os indígenas, no primeiro mês após a aprovação da lei – mesmo após o STF ter declarado a tese do Marco Temporal inconstitucional –, 9 indígenas foram assassinados, enquanto 23 territórios em 7 estados e 5 biomas passaram por conflitos. “A bancada do boi e da bala atenta contra nossas vidas e territórios e quer tirar os direitos indígenas da Constituição, mas o STF reafirmou que nossos direitos originários não podem sofrer retrocessos”, frisou o documento.
“Na iminência da Amazônia brasileira sediar a COP 30, temos pouco a comemorar enquanto nossos direitos territoriais e nossos saberes ancestrais não forem compreendidos como a principal solução para a emergência climática”, resumiu outro trecho.
Outros pontos de reivindicação foram o fortalecimento de órgãos indigenistas, como o Ministério dos Povos Indígenas, a FUNAI e a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde – impedindo a municipalização das políticas de saúde indígena. Além disso, a carta pede a criação de uma secretaria de Educação Escolar Indígena dentro do Ministério da Educação, introduzindo o Ensino Médio e o Ensino Técnico Profissionalizante nas escolas indígenas. Também foi pedida a criação de uma política de segurança e proteção dos territórios contra organizações criminosas que “acirram conflitos e a violência contra os nossos povos e territórios, intimidando as nossas comunidades, perseguindo e assassinando as nossas lideranças”.
A carta, por outro lado, exalta a participação de indígenas no Congresso – com a “Bancada do Cocar”, fruto da eleição de deputados e deputadas federais indígenas –, no primeiro escalão do governo federal, com a ministra Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, e em governos estaduais. Foi elogiada também a reserva de fundos e propaganda eleitoral para candidatos indígenas e a garantia de 3% de vagas para indígenas em concursos da magistratura, por parte do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça, respectivamente, mas a carta cobra que os Três Poderes se comprometam com a regulamentação dessas medidas e a ampliação de cotas para indígenas em todos os concursos públicos.
A carta foi elaborada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em conjunto com suas organizações regionais de base – a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), a Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), a Comissão Guarani Yvyrupa, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho do Povo Terena.
Confira a íntegra das reivindicações
Ao Poder Executivo
1. Demarcação imediata das Terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB), anunciadas entre as terras indígenas que seriam homologadas nos primeiros 100 dias de mandato, conforme indicado no relatório do Governo de Transição.
2. Finalização do processo de demarcação das 23 Terras Indígenas cujos processos administrativos de demarcação aguardam apenas a portaria declaratória, e que estão na relação enviada pelo Ministério dos Povos Indígenas ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023.
3. Determinação política e dotação orçamentária para o prosseguimento da demarcação, homologação, proteção e garantia da posse plena e permanente de TODAS as Terras Indígenas existentes em todas as regiões e biomas do Brasil: Cerrado, Pampa, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Amazônia.
4. Fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas, FUNAI e Sesai com dotação orçamentária robusta e compatível com os desafios de fortalecer as políticas e ações voltadas para os povos indígenas.
5. Maior empenho do Governo Federal para interromper a agenda anti-indígena no Congresso Nacional, com compromisso concreto da Casa Civil e do Ministério de Relações Institucionais e das lideranças do Governo no Parlamento, no Senado e na Câmara dos Deputados.
6. Garantir o fortalecimento do Subsistema da Saúde Indígena por meio da Sesai e impedir a municipalização das políticas e ações voltadas para os povos indígenas na área da saúde. Garantir, no âmbito de quaisquer políticas públicas de saúde, o Controle Social para a Saúde Indígena, com a participação efetiva dos Conselhos Locais, Distritais, Fórum de Presidentes dos Condsi’s e do movimento indígena.
7. Criar a Secretaria Específica para a Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério da Educação, para a gerir as políticas públicas voltadas para os povos indígenas e articular um Sistema Próprio, composto por equipes formadas por indígenas e especialistas, assegurando recursos financeiros específicos para implantação e funcionamento do Sistema, valorização dos profissionais e formação continuada.
8. Introduzir o Ensino Médio e Técnico Profissionalizante nas escolas indígenas, proporcionando uma formação mais abrangente e alinhada com os projetos societários dos povos indígenas. Bem como garantir o acesso e a permanência de estudantes indígenas ao ensino superior e à pós-graduação, com inclusão dos saberes tradicionais e línguas indígenas nos planos político-pedagógicos.
9. Assegurar a autoaplicabilidade da Convenção 169 da Organização Internacional Do Trabalho (OIT), no tocante ao direito de consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem, tais como a instalação de empreendimentos nos nossos territórios, que nos exclui da fase de planejamento, monitoramento e avaliação, e políticas diversas decorrentes na nova economia verde. É fundamental que o governo respeite os protocolos comunitários produzidos coletivamente pelos nossos povos
10. Garantir a implementação efetiva dos espaços institucionais de participação e do controle social, respeitando a autonomia dos nossos povos e das suas instâncias legítimas de representatividade.
11. Instituir uma Política de segurança e proteção territorial específica que priorize a repressão e eliminação rigorosa de todo tipo de organizações criminosas que acirram conflitos e a violência contra os nossos povos e territórios, intimidando as nossas comunidades, perseguindo e assassinando as nossas lideranças.
12. Reestruturar de forma efetiva o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), de modo que haja adequação orçamentária necessária, seja considerada a especificidade das lideranças indígenas ameaçadas, seja dada atenção por parte do Governo Federal aos problemas políticos nas relações com estados federados e órgãos de segurança pública para a implantação de medidas protetivas e se consiga estabelecer um diálogo pedagógico com o Sistema de Justiça para sensibilizar e instrumentalizar os operadores do Direito a respeito da pauta dos defensores e defensoras de Direitos Humanos.
13. Financiar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas como alternativa comunitária de conter o avanço da mineração industrial e do garimpo em terras indígenas.
14. Implementar medidas para eliminar os impactos da cadeia de produção e exportação de commodities nos territórios indígenas, incluindo a adoção de um sistema nacional de rastreabilidade e o endosso a regulações internacionais que busquem promover a cadeias produtivas livres de desmatamento e de violações de direitos. Além disso, refutar acordos bilaterais ou multilaterais que promovam a expansão da fronteira agrícola, como o Acordo de Livre Comércio Mercosul – União Europeia.
15. Fomentar a sustentabilidade econômica dos nossos territórios, estimulando e financiando as múltiplas formas de produção indígena. Uma forma eficaz de promover a proteção territorial contra os arrendamentos, a agricultura extensiva que utiliza agrotóxicos e as invasões de grileiros, madeireiros e diversas organizações criminosas. Precisamos gerar renda e valorizar os conhecimentos ancestrais de nossos povos que vivem em equilíbrio com o meio ambiente há gerações.
16. Criar políticas públicas específicas para mulheres, jovens e pessoas indígenas em contexto urbano, com a finalidade de enfrentar as vulnerabilidades vivenciadas, considerando as diversidades e a organização social de cada povo.
17. Impulsionar a descarbonização da matriz energética brasileira, com incentivo às energias renováveis que previnam e reparem danos socioambientais, com o devido respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, de modo a proteger nossos modos de vida, tradicionalidades e biodiversidades da produção em larga escala de energia. A produção de energia limpa deve, portanto, incluir entre as salvaguardas o controle público do uso da terra, a obrigatoriedade de realização da consulta prévia, do EIA/RIMA, o monitoramento dos empreendimentos e a reparação integral dos danos causados.
18. Consolidação da experiência do Comitê de Desintrusão, derivado das conquistas judiciais do movimento indígena na ADPF 709, em política pública de Estado, que regulamente e preveja orçamento para a desintrusão de todas as terras indígenas invadidas.
19. Esforço interministerial para a implementação da Convenção de Minamata no Brasil, garantidos os espaços para a efetiva participação indígena neste processo e o compromisso do Poder Público com a apresentação de medidas e respectivo orçamento para a recuperação dos territórios indígenas contaminados pelo mercúrio utilizado no garimpo ilegal.
Ao Poder Legislativo
20. Retirada de tramitação e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituição que desconstitucionalizam os direitos indígenas, a exemplo da PEC 132/2015, PEC 48/2023, PEC 59/2023 e PEC 10/2024, tendo em vista que os direitos indígenas são cláusulas pétreas e não podem sofrer retrocessos mesmo na forma de propostas de emenda à Constituição Federal.
21. Interromper o genocídio legislado e aprovar projetos de lei que garantam direitos aos povos indígenas, tornando a PNGATI uma política de Estado (PL 4347/2021), reconhecendo os Agentes Indígenas de Saúde e Agentes Indígenas de Saneamento no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (PL 3514/2019), viabilizando medidas de enfrentamento às violências contra as mulheres indígenas (PL 4381/2023) e garantindo cotas para pessoas indígenas em concursos públicos federais, estaduais e municipais (PL 4386/2019, PL 5.476/2020 e PL 1.958/2021).
22. Ratificação do Acordo de Escazú pelo Estado brasileiro, para comprometer o Brasil internacionalmente com a defesa do meio ambiente e de seus defensores e aumentar a transparência e a participação social na tomada de decisões ambientais e climáticas.
Ao Poder Judiciário
23. Declaração imediata da inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 pelo STF para conter as violências contra os povos indígenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicação da tese do Marco Temporal, em consonância com a decisão do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.
24. Regulamentação já da Consulta em que o TSE reconheceu o direito de candidaturas indígenas à reserva de fundos e de propaganda partidária, para impulsionar o aldeamento da política institucional a partir das eleições municipais de 2024, ampliando a bancada do cocar nos Poderes Legislativo e Executivo. Além da autodeclaração das candidaturas indígenas, o movimento indígena reivindica que haja a declaração de lideranças indígenas que atestem o pertencimento étnico da pessoa candidata segundo os usos, costumes e tradições de cada povo.
25. Garantir o acesso à justiça dos povos indígenas, por meio da obrigatoriedade de atuação de intérpretes da línguas maternas e da elaboração de laudo antropológico que leve em conta o entendimento da comunidade indígena sobre a conduta típica imputada pela justiça criminal e observe nossos mecanismos próprios de julgamento e punição.
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Tudo muito oportuno, justo, necessário, muito bem redigido, amplo, etc… Mas porque sempre esquecem de colocarem na Lista das Necessidades proeminente investimentos em Infraestruturas nas Aldeias Indígenas Brasileiras para frear o Êxodo Indígena, trazendo dois grandes problemas: o abandono das Aldeias deixa os Territórios Vulneráveis e sem os Promotores da Sustentabilidade das Florestas e o outro fator é que migrando para as cidades as pessoas e famílias Indígenas irão encontrar muitas dificuldades para morarem, se manterem, serão discriminados, quase sempre se acomodando nas periferias e bairros distantes, em favelas, etc…
“Políticas Públicas para investimentos nas Aldeias Indígenas Brasileiras onde as necessidades e precariedades estão às claras nas Paisagens destas Aldeias”…