Morar em Brasília é muito agradável, e isso se dá pela cidade ser uma das capitais mais arborizadas do Brasil, juntamente com Curitiba. Brasília também conta com Parques Urbanos com áreas verdes e Unidades de Conservação de diferentes categorias. Contudo, o Distrito Federal abrange um espaço maior do que aquilo que entendemos ser “Brasília”, compreendendo uma área de mais de 5.760 km², quase o quádruplo da cidade de São Paulo. O território do Distrito Federal abrange 35 Regiões Administrativas, com características e problemas distintos, que, em última análise, representam parte da desigualdade social e ambiental predominante no Brasil.
Em termos de Unidades de Conservação de Proteção Integral, a região administrativa conhecida como Plano Piloto abrange um dos Parques Nacionais mais antigos do Brasil, criado em 1961: o Parque Nacional de Brasília, uma relíquia em termos de amostra de Cerrado stricto sensu, e que ainda preserva parte da fauna e flora nativas dessa importante savana brasileira.
Além do PARNA de Brasília, o Distrito Federal conta com cinco Reservas Biológicas, 3 Estações Ecológicas, 1 Monumento Natural: isso só para ficar no grupo das Unidades de Conservação de Proteção Integral. Além das Unidades de Proteção Integral, o DF conta com outras 24 Unidades de Conservação de Uso Sustentável e cerca de 100 outras áreas destinadas à proteção e usufruto ambiental que não são previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Temos, diante do descrito acima, uma significativa quantidade de áreas florestadas no Distrito Federal e, junto a isso, um dos climas mais secos do continente. Além dos fatores ambientais, há o fator antrópico, responsável por levar focos de incêndio para as bordas desses fragmentos florestais protegidos, causando um dos maiores flagelos enfrentados por todos os brasilienses, rigorosamente, todos os anos.
Já sabemos que as mudanças climáticas acentuam tais desastres, mas, neste texto, iremos considerar tais mudanças como uma constante na equação e daremos atenção para as variáveis, que representam as ações locais que nosso ente federativo pode realizar para atenuar a situação. A pergunta que surge é: o que podemos fazer para mitigar os incêndios florestais do Distrito Federal? Embora a resposta não seja simples, algumas soluções podem ser elencadas, como a prevenção.
A prevenção de incêndios deve focar em três eixos fundamentais: Controle Ambiental, Fiscalização e Educação. O controle deve ser feito por meio de planejamento, monitoramento e conformidade com condicionantes legais; a fiscalização é parte do controle destinada à lida diária dos fiscais do poder público para o cumprimento das medidas e controle. A Educação Ambiental, por sua vez, funciona como um canal de comunicação com a sociedade civil no sentido da conscientização sobre as responsabilidades compartilhadas por todos com vistas a uma melhor qualidade ambiental.
No caso dos incêndios, é importante mencionar que, nem sempre, há dolo (intenção) por parte de quem inicia a queimada: muitas vezes, tais focos são fruto de manejo inadequado do fogo em propriedades rurais e até queima de lixo nessas localidades, casos em que a Educação Ambiental, além de medidas sanitárias, pode atuar entregando bons resultados.
Outro problema que merece atenção é a quantidade de combustível de origem orgânica que se acumula durante o ano e que, na estação seca, forma uma densa serrapilheira adensada por gramíneas e, até mesmo, por capins invasores, servindo de poderoso combustível durante as queimadas, tornando o trabalho de combate ao incêndio perigoso e improdutivo para os brigadistas. Para isso, é fundamental a revisão de planos de manejo das Unidades de Conservação presentes no território do Distrito Federal com a finalidade de incluir o fogo prescrito durante o período do ano mais favorável para manejo de fogo.
Contudo, sem adentrar muito nas inúmeras explanações de cunho técnico, é urgente o entendimento em torno de uma maior articulação entre a União e o Distrito Federal, uma vez que as Unidades de Conservação Federais do Distrito Federal tem na União seus órgãos gestores e fiscalizadores (ICMBio e IBAMA), mas as ameaças que essas Unidades enfrentam originam-se no território do DF, como poluição de águas e focos de incêndios, cujas externalidades afetam diretamente toda a população do Distrito Federal, fato observado no aumento dos casos de internação por complicações respiratórias em consequência da baixa na qualidade do ar provocado pelas queimadas, por exemplo.
Cabe lembrar que as Regiões Administrativas limítrofes a grandes fragmentos florestais, como Brazlândia, a oeste do PARNA de Brasília, são as mais afetadas pela baixa na qualidade de ar provocada pelos incêndios.
Portanto, a resposta para a pergunta que dá nome a esta coluna é: tanto a ação como a inação humana queimam Brasília todos os anos. A ação humana é representada por incêndios criminosos, acidentais ou não, cujos focos de origem estão próximos aos fragmentos de vegetação seca. Já a inação parte, principalmente, do poder público, tanto na esfera federal quanto distrital, que devem contar com maior efetivo para controle, auditoria, fiscalização e educação ambiental. Além do reforço no corpo técnico e no de agentes de fiscalização e controle ambiental, o Distrito Federal precisa coordenar ações e unir recursos com a União para a prevenção e combate aos graves incêndios florestais que tanto afetam a capital do país, conforme estabelece a Constituição Federal ao delimitar as competências comuns aos entes da federação. O Distrito Federal não pode se contentar com um papel secundário em termos de desenvolvimento sustentável no Brasil. Ao contrário: por abrigar a capital e por contar com um dos orçamentos mais privilegiados entre os entes federativos, o Distrito Federal tem a obrigação de liderar o Brasil no que tange qualidade ambiental, preservação e desenvolvimento sustentável.
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Excelente matéria! A adoção de medidas preventivas, em especial a fiscalização, sempre serão mais efetivas para a conservação do meio ambiente.
Matéria instigante no momento em que a capital federal reune tantos conflitos sociambientais, quanto oportunidades de articulação de políticas, insituições e de esferas de governo. Observo que o DF também precisa de apoio de outros órgãos, inclusive federais, para dar conta de tanta área, afinal reunimos os conflitos nacionais também. O quadro de pessoal efetivo precisa ser reforçado para tantas frentes de trabalho. O DF dispôe de um Plano de Mitigação e um Plano de Adaptação para Mudanças do Clima, mas embora todo ano organize ações de combate aos incêndios, precisa reforçar um planejamento mais robusto, idnetificando as áreas de risco, dimensionando e provendo materiais adequados, articulando com organizações sociais ações de voluntários que podem ser treinados rotineiramente tanto na prevenção como no combate ao fogo. Recursos para estas ações podem vir do orçamento, de emendas parlamentares e dos fundos de meio ambiente.
Matéria muito esclarecedora!
Apesar de grande parte desses incêndios ocorrerem de forma criminosa, a inação do governo acaba potencializando a dimensão do estrago.
Pertinente a abordagem do tema pelos autores e urgente se torna uma efetiva e firme posição do poder público em relação ao enfrentamento desse problema tão grave. Não basta apenas criar essas UC’s sem estruturarem minimamente as mesmas com capacitação e reciclagem periódica de seus funcionários e gestores, ao criar uma UC o poder público, através dos órgãos ambientais responsáveis, devem inseri-la no contexto social regional através de permanentes ações de Educação Ambiental com as populações do entorno levando-os para dentro das UC’s, fomentando assim a consciência da preservação ambiental.
Parabéns pela matéria. Compartilho da visão que Brasília deveria ser vanguarda na atuação preventiva de queimadas, assim como no controle e fiscalização dessas áreas. Bsb como centro político e adm do país tem a oportunidade de servir de vitrine na atuação ambiental, para isso é necessário o fortalecimento das instituições como a SEMA, o IBRAM e CBMDF, bem como a valorização dos profissionais envolvidos na causa.
Realmente está ficando impossível respirar, algo precisa ser feito
Excelente artigo de nosso ex-aluno de Eng. Florestal Alexandre Pádua. Merece consideração de nossos gestores e decisores.
“Já a inação parte, principalmente, do poder público, tanto na esfera federal quanto distrital, que devem contar com maior efetivo para controle, auditoria, fiscalização e educação ambiental” como os autores muito bem pontuaram no último parágrafo do texto. É dever do Poder Público agir, no sentido de coibir, os incêndios florestais que devastam nossa vegetação nativa. Daí a importância da contratação de servidores públicos ambientais, dando-lhes condições de trabalho adequadas, para aturarem com rigor e efetividade em suas ações.
Verdade Flávia, o quadro de servidores precisa de reforço com urgência para planejar melhor ações preventivas e de mitigação em especial para atuar nas áreas com maior risco ecológico de perda de Cerrado nativo, de contaminação de subsolo, de comprometimento da recarga de aquíferos e da capacidade de outorga de retirada de água, de perda de solo e de erosão, além de ações preventivas e combativas aos incêndios florestais.
Excelente matéria! Muito esclarecedor! Medidas preventivas precisam acontecer com rigor para evitar mais degradação!
As ações preventivas devem envolver as diferentes áreas técnicas que mais impactam negativamente as mudanças de uso e ocupação do solo e refletem em perdas de serviços ambientais do Cerrado e de qualidade de vida da população. Um caminho pode ser o lançamento de editais de chamamento público para unir esforços do governo e de organizações sociais em projetos educativos, preventivos, de mitigação e de recuperação de áreas afetadas pelo fogo.