Análises

A insalubre, mas proveitosa, COP16 de Biodiversidade

É fundamental haver um esforço coordenado para garantir investimentos necessários para enfrentar a crise da biodiversidade (o que não foi alcançado nas negociações)

Clóvis Borges ·
5 de novembro de 2024

Durante duas semanas, a cidade de Cali, na Colômbia, recebeu mais de 20 mil pessoas que participaram da COP-16 da Biodiversidade. Delegações oficiais de cerca de 200 países e representantes de corporações, comunidades indígenas e tradicionais, academia e ONGs partilharam de espaços distintos neste evento de grandes proporções.

A escolha de Cali teve lá seus propósitos pelo Secretariado da COP. A Colômbia é um dos países mais biodiversos do mundo e a América Latina tem um protagonismo muito relevante no desafio estabelecido por conferências anteriores de garantir a paralisação da perda da biodiversidade global até o ano de 2030.

Com um sistema de trânsito caótico, e inúmeros casos de traquinagens da estrutura hoteleira local, alterando reservas de forma unilateral e reposicionando hóspedes em locais que em nada correspondiam com as reservas pagas antecipadamente, este desconforto adicional e inesperado alterou a agenda e a paciência de grande número de participantes.

A agenda dos presentes na COP, teve desafios adicionais, como o intenso calor, acesso à alimentação sempre contingenciado a imensas filas e locais de apresentação posicionados lado a lado, travando a possibilidade de apresentações dos chamados “side events” sem uma condição de entendimento adequado, tamanha a poluição sonora proporcionada pelos vizinhos, igualmente prejudicados. 

À parte dos infortúnios, eventos dessa magnitude sempre apresentam oportunidades de aproximações de diferentes naturezas, seja a partir de contatos com agentes governamentais, representantes de corporações e grupos indígenas e de comunidades tradicionais, outras ONGs e membros da academia. Encontros previamente agendados ou mesmo acidentais proporcionam trocas valiosas para as agendas próprias dos presentes.

Quem participa dos eventos paralelos às negociações oficiais, com raras exceções, praticamente não tem possibilidade de interferir nas negociações em curso nas duas semanas do evento. Mas, em compensação, tem a oportunidade de interagir com uma riqueza quase impossível de ser acompanhada de forma completa, com a apresentação de uma infinidade de iniciativas geradas a partir de ações em todo o mundo.

Se o poder de decisão sobre os encaminhamentos da COP está apenas nas mãos das comissões oficiais de cada país, as novas ideias, na forma de projetos e programas que podem trazer luz aos imensos desafios que envolver enfrentar a perda da biodiversidade local, podem ser encontrados em meio a essa massa de propostas que são apresentadas de forma intensa nestes eventos.

As aproximações e o alinhamento entre pares de diferentes setores nunca foram tão importantes, uma vez que o tempo para a implantação de ações na escala necessária para dar uma resposta efetiva ao desafio da conservação da biodiversidade se escassa rapidamente. Não existem soluções capazes de reverter o quadro atual se implementadas de forma isolada. 

São as convergências entre diferentes proposições e agendas que podem trazer maior qualidade e avanços concretos que são esperados. Seja nos acordos oficiais, seja em iniciativas complementares e que buscam espaço para que sejam reconhecidas e transformadas em políticas públicas abrangentes.

O Brasil apresentou uma delegação numerosa e que tem influência importante nas negociações oficiais. Ao mesmo tempo, compareceu em grande número nos eventos paralelos com uma ampla gama de atores. Dentre as iniciativas apresentadas, cabe dar relevância a participação do LIFE Institute, que esteve presente num variado número de participações. 

Com uma metodologia com métricas confiáveis e muito robusta, seu mecanismo de mensurar o impacto não mitigável de negócios em geral e, com isso, proporcionar uma orientação para investimentos adicionais e voluntários em ações consistentes de conservação, mostrou os resultados de um conjunto de empresas já certificadas a partir deste mecanismo, em boa parte, presentes na COP.

Adicionalmente, o LIFE Institute participou das discussões sobre o tema dos Créditos de Biodiversidade, proporcionando a apresentação de cases em que áreas naturais já certificadas no Brasil com compromissos de aquisição destes créditos de parte de corporações.

Neste particular, a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem) teve a oportunidade de anunciar um compromisso de aquisição de créditos pelo CPP (Complexo Pequeno Príncipe), ambas instituições sediadas em Curitiba, no Paraná. As Reservas Naturais da SPVS, num total de 19 mil hectares, já estão certificadas pela metodologia LIFE e disponibilizarão créditos para a certificação do CPP, prevista para o início de 2025.

Não há dúvida de que são iniciativas como essas que podem colaborar de forma efetiva e em grande escala para a agenda da conservação, juntamente, com outras possibilidades proporcionadas no conjunto de propostas presentes nesse grande evento mundial. No entanto, demandam maior valorização de parte da sociedade em geral, incluindo os governos. 

É fundamental haver um esforço coordenado para garantir investimentos necessários para enfrentar a crise da biodiversidade (o que não foi alcançado nas negociações). Mas há muito mais a ser feito, desde arranjos mais consistentes de cada país em suas agendas domésticas, em geral frágeis, e muito influenciadas politicamente. E uma aderência muito mais ampla e abrangente do setor privado reconhecendo sua responsabilidade na participação efetiva no amparo de medidas concretas de conservação. 

Por fim, parece ainda ser reticente a falta de respeito à existência de indicadores consistentes nas múltiplas frentes que envolvem o tema da conservação da biodiversidade. Esse cenário não ocorre pela falta de informações científicas, mas pela simples relutância ou negação na apropriação destes elementos chave para priorização de ações e diferenciação entre o que realmente significam avanços concretos para a conservação ou ações pouco aderentes e até desviadas do objetivo central proposto.

Os desafios são gigantescos e o tempo para alinhamentos de grande escala se esvai rapidamente. Ou buscamos acelerar esse processo ou as atenções acabarão sendo direcionadas apenas ao tema da adaptação frente aos desequilíbrios sem precedentes que estaremos fadados a enfrentar no curto prazo. Ainda mais intensos e nefastos do que os que já estão ocorrendo em todo o mundo.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Clóvis Borges

    Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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