Baku, Azerbaijão – A 29ª Conferência do Clima da ONU tem potencial para ser a segunda maior, em número de participantes, da história das Cúpulas do Clima. Segundo lista preliminar da ONU, estão registrados para a COP de Baku 66.778 pessoas. Outros 3.975 participantes foram credenciados para participação virtual. O número expressivo, no entanto, pode ser um problema, dizem especialistas, que pedem regras mais rígidas para o credenciamento.
O anfitrião da COP, Azerbaijão, tem a maior delegação da cúpula, com 2.229 pessoas registradas. Em seguida vem o Brasil, com 1.914 pessoas credenciadas, e a Turquia, cuja delegação chega a 1.862 pessoas. Os Emirados Árabes Unidos (EAU), anfitrião da Conferência passada, tem a quarta maior delegação, com 1.011 pessoas, e a China tem a quinta, com 969 inscritos.
O número de participantes registrados na COP29 só não é maior do que a Conferência de Dubai (COP28), que recebeu cerca de 83 mil pessoas, mas supera os cerca de 50 mil atendentes da COP de Sharm El-Sheikh, no Egito (COP27).
O aumento na participação na Cúpula do Clima, no entanto, não é necessariamente positivo.
Levantamento realizado pela coalizão de organizações Kick Big Polluters Out (KBPO) mostrou que ao menos 1.773 grandes lobistas do petróleo ganharam acesso à COP29. A cifra só é menor do que a quantidade de lobistas enviados à Dubai no ano passado, quando a ONU concedeu credenciais a 2.450 representantes desta indústria.
O número total de lobistas do petróleo na COP29 supera as delegações dos 10 países mais vulneráveis somadas. Se fosse uma nação, os lobistas estariam na quarta posição no ranking das que enviaram mais pessoas ao Azerbaijão.
Entre os atendentes deste ano estão representantes de petroleiras gigantes, como Chevron, ExxonMobil, bp, Shell e Eni, que trouxeram um total combinado de 39 lobistas.
Segundo a KBPO, a presença cada vez maior de membros destas indústrias nos espaços das negociações das Conferências do Clima, e a potencial influência sobre as negociações, é um ponto de grande preocupação.
“O controle dos lobistas de combustíveis fósseis sobre as negociações climáticas é como uma cobra venenosa se enrolando ao redor do futuro do nosso planeta. Precisamos expor suas mentiras e agir decisivamente para remover sua influência e fazê-los pagar pelas infrações. É hora de priorizar as vozes daqueles que estão lutando por justiça e sustentabilidade, não os interesses dos poluidores”, disse Nnimmo Bassey, membro da Health of Mother Earth Foundation e da KBPO.
Os combustíveis fósseis, principalmente o petróleo, são os grandes vilões das mudanças no clima. Sua queima emite CO2 e outros gases de efeito estufa, que se acumulam na atmosfera e formam um grande “cobertor” ao redor do globo, retendo o calor do sol e, consequentemente, esquentando a Terra.
Os resultados do levantamento feito pela KBPO chegam ao final de mais um ano em que as temperaturas globais atingiram novos recordes.
“Estamos constantemente sendo ditados pela indústria de combustíveis fósseis, que destruiu casas e meios de subsistência. Muitas ilhas na Indonésia afundaram, secas e inundações agora são comuns, e os campos não são mais produtivos devido à crise climática. A COP já foi realizada 29 vezes e as mudanças climáticas continuam a piorar, enquanto os lobistas de combustíveis fósseis fogem de sua responsabilidade”, disse Beyrra Triasdian, da Trend Asia.
Segundo a KBPO, o objetivo dos lobistas deste e de outros setores que também são grandes poluidores é justamente influenciar a formulação ou implementação de políticas ou legislações, de forma a manter seus interesses.
De fato, as Conferências do Clima são realizadas há quase três décadas e somente no ano passado, na COP28, a menção ao fim dos combustíveis fósseis entrou no texto das negociações.
Mudança nas regras
Um grupo formado por grandes especialistas de clima do mundo, entre eles o ex secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o cientista climático brasileiro Carlos Nobre, publicou ontem (15) uma Carta Aberta pedindo a “reforma da COP”.
O documento, endereçado a Simon Stiell, Secretário-Executivo da UNFCCC – braço da ONU para mudanças climáticas – , pede basicamente uma mudança na estrutura das Conferências, de forma a tornar as negociações menos vulneráveis a pressões contrárias ao que o evento se propõe: lidar com a crise climática.
A carta dos especialistas contempla sete pedidos, entre eles melhorar o processo de seleção dos países sede, de forma a excluir nações que não apoiam a eliminação/transição da energia fóssil, e reduzir o tamanho do evento, que escalou nos últimos anos, com participações questionáveis, como mostrou a análise do Kick Big Polluters Out.
“O fato de haver muito mais lobistas de combustíveis fósseis do que representantes oficiais de instituições científicas, comunidades indígenas e nações vulneráveis reflete um desequilíbrio sistêmico na representação da COP. Melhorar a gestão de interesses corporativos dentro dos procedimentos da COP exigirá regras de transparência e divulgação mais fortes e diretrizes claras que exijam que as empresas demonstrem alinhamento entre seus compromissos climáticos, modelo de negócios e atividades de lobby”, diz a carta.
Os especialistas também pedem o fortalecimento dos mecanismos de responsabilização dos países por suas metas e compromissos climáticos, já que o modo atual não está funcionando.
Eles também solicitam a ampliação da presença da Ciência nas Cúpulas Climáticas. Embora a Conferência do Clima dependa do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e outros órgãos relacionados, como o Órgão Subsidiário para Aconselhamento Científico e Tecnológico (SBSTA), ela não tem seu próprio órgão consultivo científico permanente que seja formalmente parte de sua estrutura.
“Devemos trabalhar juntos com urgência e propósito, transformando a COP climática para que ela possa tomar decisões estratégicas, orientadas para a ação, e responsáveis, para entregar a escala de ambição compatível com o desafio definidor do nosso tempo”, dizem os experts.
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