Análises

A falácia das instituições no ecoturismo: lições não aprendidas

A gestão ambiental precisa ir além de medidas pontuais. Enquanto discursos vazios persistirem, o ecoturismo sustentável continuará sendo uma promessa distante

O ecoturismo tem se consolidado como uma alternativa mais alinhada à sustentabilidade para o desenvolvimento das nações, especialmente em regiões ricas em recursos naturais e culturais. Mas porque em algumas regiões aptas ao ecoturismo este importante setor não se desenvolve de maneira satisfatória?

Muitos estados brasileiros são conhecidos pela vasta biodiversidade, áreas protegidas, paisagens inéditas, além de patrimônios histórico-cultural significativos. No entanto, para que esse potencial seja aproveitado de forma sólida e sustentável, é essencial que a estrutura e a logística dos territórios sejam pensados estrategicamente. Territórios que integram circuitos de ecoturismo precisam de uma infraestrutura adequada e bem desenvolvida que apoie tanto os visitantes quanto as comunidades locais. Isso inclui:

  • Acessibilidade e transporte sustentável: Estradas de qualidade, seguras e opções de transporte público são fundamentais para facilitar o acesso a áreas de interesse sem comprometer o meio ambiente.
  • Urbanidade com pegada ecológica reduzida: O incentivo a práticas ambientais responsáveis (uso de energia renovável, gestão de resíduos e água) deve ser incentivada tanto em equipamentos públicos como privados, a exemplo de centros de visitantes, restaurantes, hospedagens e outros.
  • Gestão de resíduos: Em áreas naturais, é fundamental implementar sistemas eficientes de coleta e descarte de resíduos e efluentes para evitar impactos negativos.
  • Sinalização e educação ambiental: Estradas, trilhas, parques, reservas e pontos turísticos precisam de sinalização clara e informativa, além de programas de educação ambiental para orientar os turistas.
  • Praças e jardins: É fundamental que os recursos obtidos de taxas e impostos sejam utilizados para a manutenção de monumentos, praças e jardins, além de limpeza das vias de acesso. Acesso a banheiros públicos bem mantidos e inclusivos é fundamental, como segurança pública e internet gratuita e de qualidade.
  • Envolvimento integral da comunidade local: E crucial ter projetos que respeitem as culturas e inclua as comunidades locais e que lhes seja promovido permitido o seu envolvimento em toda rede.
  • Hospedagens envolvidas com sustentabilidade: Hotéis que promovam educação ambiental e se atentem às práticas de conservação da região.
  • Monitoramento:  Realizar avaliações dos impactos do turismo na área, com base em evidências científicas e em feedbacks dos visitantes e comunidades para melhorar as experiências e práticas do ecoturismo e da conservação.

Políticas públicas para o ecoturismo sustentável

O sucesso do ecoturismo sustentável depende de políticas públicas sólidas e bem estruturadas, ou seja, precisa de governança e de ações de comando e controle. Um exemplo são os benefícios tributários para empreendimentos turísticos que adotem práticas de conservação ambiental, o que pode ser atingido com o investimento transparente e inteligente dos recursos disponíveis pelos governos ou mesmo promovidos por taxas de turismo municipais. As taxas podem financiar ações ambientais, especialmente em áreas protegidas de alto valor ecológico.

Leis que limitem o número de visitantes em áreas sensíveis e que garantam a fiscalização ambiental rigorosa, controlando, inclusive, a poluição sonora e visual, são necessárias para garantir a conservação desses locais. É indispensável promover a construção de instalações que minimizem os impactos ambientais, como sistemas de energia limpa e passarelas elevadas em áreas de mata para visitação.

A promoção do consumo de produtos regionais e sazonais é outra política pública que fortalece tanto a identidade quanto a economia local e reduz a pegada de carbono associada ao transporte e uso dos recursos. O desenvolvimento de produtos pelas comunidades, através de feiras, festividades e comércio local especializado torna-se uma excelente estratégia que integra biodiversidade, cultura, economia e história através de gerações e políticas públicas.

Ecoturismo em Minas Gerais: Potencial x Desafios na busca pela sustentabilidade

Algumas regiões de Minas Gerais têm potencial ecoturístico. O ecoturismo no Estado tem tudo para desenvolver de forma sustentável, combinando paisagens naturais deslumbrantes com um rico patrimônio biocultural. Porém, isso exige um equilíbrio fino entre o uso dos recursos naturais e a sua conservação e ainda capacidade técnica, vontade e conhecimento. Ao investir em infraestrutura apropriada, inclusão das comunidades locais e adoção de políticas públicas alinhadas com os princípios da sustentabilidade, Minas pode se consolidar como um destino que não apenas encanta os visitantes, mas também preserva sua riqueza para as gerações futuras.

Porém, o caminho para o ecoturismo sustentável não está ainda pavimentado em Minas. Vejamos, por exemplo, um caso icônico: o da Serra do Cipó. Localizada na Serra do Espinhaço, a região abriga um Parque Nacional, envolvido por uma Área de Proteção Ambiental, inserido na Estrada Real e no Circuito do Diamante. Uma análise rápida expõe um panorama inquietante: o da falácia das instituições que, embora celebrem o discurso da sustentabilidade, frequentemente negligenciam as ações estruturais e efetivas necessárias para concretizá-lo. Em vez de fomentar um turismo responsável, acabam reproduzindo um modelo predatório disfarçado de “verde”, com graves consequências para os ecossistemas e comunidades locais.

O ecoturismo tem sido amplamente utilizado por prefeituras mineiras e outras instituições como bandeira para atrair investimentos e visitantes. No entanto, a falta de políticas públicas consistentes e ações concretas comprometem a sustentabilidade e a eficiência dessa estratégia. Muitos planos são anunciados com metas ambiciosas, mas raramente se traduzem em práticas que atendam às reais necessidades das comunidades locais e dos turistas.

Parque Nacional da Serra do Cipó (MG). Foto: Thaylan Salles

Após 40 anos de criação do Parque, questões básicas continuam sendo negligenciadas, como a falta de sinalização adequada na rodovia MG-10, que sequer aponta pontos de interesse ou orientações essenciais para os visitantes. Os mais de 100 quebra-molas entre Belo Horizonte e a Serra do Cipó tornam o trajeto extremamente lento e longo, desmotivando os turistas. A situação se agrava com a presença de caminhões pesados, que deterioram uma estrada já precária em termos de planejamento e execução. Alternativas viárias continuam sendo um sonho distante.

A precariedade no fornecimento de energia elétrica e internet de qualidade também é um entrave significativo, dificultando a experiência de turistas e a rotina de empreendimentos locais. Não há passeios em toda a extensão da malha urbana da rodovia MG-10 e não há banheiros públicos.  Sem melhorias nesses aspectos fundamentais o potencial do ecoturismo na região continuará comprometido, reforçando a necessidade de ações governamentais que priorizem infraestrutura e planejamento sustentável. Ademais, pesadas restrições à ocupação das propriedades particulares, caso da Zona de Vida Silvestre da APA Morro da Pedreira, inviabilizam que uma rede de vizinhos e amigos do Parque se instale de maneira responsável auxiliando na gestão do patrimônio natural da área.

Turismo predatório ameaça preservação e comunidades locais

O turismo predatório, que transforma áreas naturais em mercadorias descartáveis, deixa um rastro de destruição: superlotação, trilhas degradadas, lixo, incêndios e rios contaminados. A negligência institucional perpetua esses problemas, desconsiderando comunidades locais, que são tratadas como atrações exóticas, sem suporte para preservar suas tradições, além dos inúmeros casos de abandonos forçados de seus territórios de vida.

Para evitar o turismo predatório, que frequentemente resulta em degradação ambiental e sobrecarga de infraestrutura, é vital atender a essas demandas de forma linear:

  • Planejamento territorial integrado: Zonas turísticas devem ser muito bem planejadas de acordo com os pontos de interesse para evitar a superlotação e a exploração excessiva dos recursos naturais.
  • Investimentos continuados em formações múltiplas para a comunidade local: Investir no fortalecimento das identidades territoriais bem como em formações gerenciais seja protagonista no ecoturismo. O nivelamento entre saberes tradicionais e acadêmicos acerca de manejos ambientais é fundamental para que conhecimentos mais refinados posam ser colocados em prática por todos envolvidos.
  • Preservação e conservação ambiental: Implementar medidas efetivas que busquem um melhor manejo socioambiental dos ecossistemas sensíveis e mitigar os impactos do turismo predatório. Conhecer os habitats e ecossistemas, seus processos formadores e mantenedores, é fundamental e a única forma de garantir um turismo ecológico de qualidade.

Erros frequentes, como ignorar limites ambientais, priorizar ganhos imediatos e desprezar conhecimento técnico e tradicional, comprometem a sustentabilidade. Para mudar esse cenário, é urgente combater a exploração desordenada, criar parcerias estratégicas com ONGs e universidades e engajar políticos com o monitoramento público de suas ações.

Gestão ambiental: desafios locais refletem na capacidade de atender compromissos globais

Quando dificuldades persistem na gestão de distritos pequenos, como o da Serra do Cipó por exemplo, como imaginar que um Estado inteiro possa cumprir acordos internacionais, gerar riqueza sustentável para seus cidadãos e, simultaneamente, proteger seus recursos naturais para o futuro? A conservação deve começar em pequena escala, com foco também nas comunidades locais. Este é um alerta que reforça a urgência de discutir e implementar uma gestão ambiental eficaz, com soluções que equilibrem preservação e desenvolvimento.

A chave para esse equilíbrio está na utilização responsável das áreas naturais, com ações baseadas em manejos eficazes para evitar problemas como erosão, poluição e perda de biodiversidade. Contudo, a gestão ambiental precisa ir além de medidas pontuais. É essencial incluir as populações locais no processo decisório, garantindo que elas não apenas participem, mas também se beneficiem das iniciativas de conservação.

Isso requer que comunidades recebam não apenas os recursos prometidos, mas também participem de trocas de conhecimento técnico e científico administrativo político e jurídico que lhes permita mitigar impactos e aproveitar, de forma sustentável, as riquezas naturais ao seu redor. Sem esse engajamento e apoio, as políticas ambientais correm o risco de serem superficiais, resultando em projetos que falham em proteger o meio ambiente e gerar valor para as gerações presentes e futuras.

Colocar essa pauta em evidência agora, com a integração de esforços governamentais e comunitários, é um passo indispensável para que os desafios locais não comprometam compromissos globais e para que o potencial ambiental do estado seja um verdadeiro motor de desenvolvimento sustentável.

Enquanto discursos vazios persistirem, o ecoturismo sustentável continuará sendo uma promessa distante. É hora de aprender com os erros e agir para equilibrar desenvolvimento e preservação antes que o custo da inação se torne irreparável.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Geraldo Fernandes

    Centro de Conhecimento em Biodiversidade, Universidade Federal de Minas Gerais

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