A vontade de reclamar pode até ser grande, mas quem liga para a concessionária Águas de Niterói é obrigado a acalmar os ânimos por alguns instantes, enquanto escuta a mensagem de espera.
A voz charmosa da gravação informa que nos cinco primeiros anos de operação a empresa levou água tratada para mais de 100 mil pessoas, realizou obras de limpeza das lagoas de Itaipu e Piratininga, reparou a estação de tratamento de esgoto do bairro de Icaraí, atendendo a 175 mil habitantes, entre outras benfeitorias. Se mesmo assim a insatisfação com algum serviço da empresa persistir, é bom colocar a mão na consciência e pensar em pelo menos maneirar as palavras, porque, afinal de contas, não é mais a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) que opera no município.
A cidade que se orgulha de ter um dos mais altos índices de alfabetização e qualidade de vida do estado do Rio de Janeiro capengava, até 1999, para ter água suficiente e saneamento. Quando a prefeitura de Niterói decidiu substituir os serviços da Cedae, apenas 46% do município recebia água tratada, o que equivalia a 72% da população. Quanto ao esgoto, nem se fala. Apenas 20% era tratado. Segundo o diretor-executivo da Águas de Niterói, Cláudio Abduche, a cidade despejava 1.300 litros de esgoto sem tratamento por segundo na baía de Guanabara e 200 litros por segundo (l/s) nas lagoas de Piratininga e Itaipu, na região oceânica.
Em oito anos sem a Cedae, muita coisa mudou. Desde 2003, Niterói consegue suprir com água tratada 100% do município. E, com cinco estações de tratamento de efluentes, atingiu a marca de 76% do esgoto coletado e tratado. Abduche lembra que a média nacional “está na casa dos 20%”. “Diminuímos sensivelmente a poluição na Baía de Guanabara, e uma prova de que as nossas lagoas estão mais limpas é a não proliferação das gigogas”, diz. Essas plantas aquáticas que se alastram pelas praias do Rio de Janeiro crescem em ambientes com alto índice de poluição.
A concessionária também instalou, em 2003, a primeira rede coletora de chorume do Brasil. O resíduo, resultado da decomposição do lixo, é levado para o aterro sanitário Morro do Céu e tratado junto a outros efluentes. Além disso, começou a reutilizar uma pequena parte da água da estação de Camboinhas para outros serviços no município.
Menos água
Mais surpreendente é o fato de que, para suprir toda Niterói, a empresa privada usa menos água do que a Cedae precisava para abastecer apenas 46%. A Cedae gastava 1.800 l/s de água tratada para atender 350 mil pessoas. A Águas de Niterói precisa de apenas 1.750 l/s para os atuais 470 mil habitantes da cidade. Como? Reduzindo o desperdício de água de 45% para 22%. “Temos um trabalho permanente de substituição dos canos, trocamos os medidores ou instalamos em algumas residências, e fizemos uma verdadeira caça às ligações clandestinas, como em fábricas de gelo, shoppings e postos de gasolina”. E por uma tarifa 8% menor do que a Cedae cobra no Rio.
É claro que problemas vão continuar a existir, mas os moradores, de maneira geral, se dizem satisfeitos com os serviços da concessionária. “Apesar de pagarmos um pouco mais pela água, a qualidade está melhorando. Nem se compara aos serviços da Cedae, que eram péssimos”, opina o ambientalista Cássio Garcez, da ong niteroiense Ecoando. O morador credita a falta de compromisso com a qualidade dos serviços ao sucateamento da companhia estadual. Como nada é perfeito, diz que mesmo a Águas de Niterói dá prioridade a obras nos bairros mais ricos da cidade. “Em bairros como Engenho do Mato, onde vivo, o esgoto ainda não chegou completamente e vemos descarte de efluentes nos rios sem que ninguém tome providência”, reclama Garcez.
José de Azevedo, presidente do Conselho Comunitário da Orla da Baía (Ccob), acha que a melhora “foi de 100%”. “Niterói deu sorte. Somos bem atendidos e não falta mais água”, diz. O líder comunitário ressalta uma parceria entre os moradores do bairro do Jacaré com a Águas de Niterói, que vai cobrar uma tarifa simbólica de 15 reais pelos serviços de água e esgoto em 250 casas, acabando com gatos de água e ligando o esgoto na rede do bairro. “Outras associações de moradores estão pedindo parcerias como essa”.
Segundo o diretor-executivo da Águas de Niterói, há quem diga que a privatização só teve sucesso porque se trata de um município com alta renda per capta, sem indústrias e com menos de 500 mil habitantes. No entanto, em outros municípios que a Cedae deixou de atender no final da década de 90 os avanços também foram visíveis.
Abduche também é diretor da Águas de Juturnaíba, concessionária que atende aos municípios de Silva Jardim, Saquarema e Araruama, na Região dos Lagos fluminense, e diz que nesses locais o esgoto só chegou no ano 2000. Agora, atinge 50% da população. Por sua vez, o índice de abastecimento com água tratada passou de 30%, em 1998, quando a Cedae saiu, para 92% hoje.
Versão da Cedae
Problemas com falta d’ água ainda são comuns na Região dos Lagos, destino de boa parte dos cariocas em finais de semana e feriados ensolarados. Mas as informações de Abduche (foto) permitem entender por que, num passado recente, a situação era caótica. Segundo ele, a Cedae atendia oito municípios da Região dos Lagos com uma estação de captação de água na lagoa de Juturnaíba com capacidade de 600 l/s. “Hoje essa estação tem vazão de 1.100 l/s e serve a apenas três municípios”. As cinco outras cidades são abastecidas por outras duas estações com vazão de 1.800 l/s, operadas pela concessionária Prolagos.
A Cedae ainda é responsável por 64 dos 92 municípios fluminenses. Um deles é São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, com quase 1 milhão de habitantes. O geógrafo Vagner da Silva Oliveira, morador do município, diz que os maiores problemas são a distribuição desigual de água, a enorme quantidade de ligações clandestinas e o desperdício nas redes. Segundo a Cedae, 69% da área da cidade é beneficiada com água, e apenas 21,89% da população tem o esgoto tratado.
“A central de tratamento que faz parte do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara foi um elefante branco. Inauguraram a obra, mas não adianta nada porque as ligações entre as residências e a estação, sob responsabilidade do governo do estado, não estão prontas ainda”, reclama o geógrafo. A enorme central não funciona, mas bem ao lado dela a administração fluminense se apressou para concluir o “piscinão” de São Gonçalo e fazer a alegria do povo.
Com 12,5 milhões de clientes conveniados, a Cedae estima que apenas 72% deles recebam efetivamente a água e 50,53% tenham esgoto. Segundo a assessoria de imprensa da companhia estadual, essa defasagem acontece porque existem pessoas oficialmente conveniadas, mas que ainda não contam com redes de abastecimento ou coleta prontas. Dados de novembro de 2005 mostram que a companhia pública produz 144 milhões de metros cúbicos de água por mês nas estações do Guandu e Imunana-Laranjal, com uma perda no processo de produção de 2% a 4% desse volume, o que é considerado normal. Mas, do que é distribuído à população, apenas 45% geram fatura para a Cedae, sendo que 30% delas são de clientes inadimplentes. Ou seja, mais da metade da água que a Cedae trata é consumida clandestinamente ou vaza.
“O que a Cedae arrecada com água e esgoto tem que ser destinado a ela própria. O que parece é que o governo tira a verba da Cedae para investir em outras áreas”, opina Oliveira. Até o fechamento desta edição, a Cedae não esclareceu as principais causas dos serviços que tinham problemas de qualidade antes de concessionárias privadas assumirem Niterói e a Região dos Lagos. Mas sua assessoria adianta que, entre outros motivos, Niterói paga um preço abaixo do valor de custo à Cedae pela água que recebe e distribui para o município. Além disso, alguns projetos da Cedae para ampliação das redes de esgoto, água e construção de novas estações que estavam prontos caíram nas mãos de ex-funcionários da companhia que foram contratados pela Águas de Niterói. A assessoria de imprensa da Cedae informou que, se a companhia tivesse tido mais tempo, realizaria as melhorias propaladas por sua sucessora.
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