“É uma conta que eu fiz em cinco minutos, e rapidamente, sem muita dificuldade, eu condicionei todo o algoritmo para entregar este tipo de conteúdo”, disse o influencer Felca, em seu vídeo viral que tem, até o momento, um alcance de mais de 48 milhões de visualizações.
Ao longo do breve documentário chamado “Adultização”, Felca demonstrou, através de um exemplo prático (i.e., criando uma conta temporária na plataforma Instagram e curtindo alguns vídeos), a existência de um “Algoritmo P”: um conceito didático que em entrevista para o Fantástico, veiculado no dia 17, o presidente da ONG SaferNet Brasil, Thiago Tavares, interpretou como “uma falha sistêmica capaz de violar direitos fundamentais e colocar em risco os usuários da própria plataforma”.
Com “P” remetendo à Pedofilia, esta conceituação se refere ao ciclo retroalimentar que ganha vida, com aparente espontaneidade, em plataformas de redes sociais: onde, num efeito dominó perigoso, uma inocente curtida é capaz de desencadear não apenas o recebimento, mas também o engajar de vários conteúdos mal intencionados.
Explicando de um jeito simples: uma mãe de uma menina atleta de ginástica rítmica que não só compartilha, em conta aberta, registros dos treinos e competições da sua filha, como curte e comenta em publicações de suas colegas da mesma academia pode estar, ao mesmo tempo, gerando e compartilhando um tipo de conteúdo que poderá ser consumido por… Por quem? Pelas mães das outras meninas, claro, mas também por qualquer outra pessoa. Por qualquer pessoa. Por todo mundo. E em “todo mundo” estão incluídos, infelizmente, os pedófilos.
Da intenção à facção
Alguém pode dizer que tal risco é similar a sair em público na rua. Afinal de contas, nas arquibancadas das competições e eventos infantis, em shoppings e em supermercados, também pode haver pedófilos. Mas a questão é que através das redes sociais eles, além de ver, registram. E através dos registros, criam redes de organização criminosa com outros pedófilos. Basicamente, estas plataformas permitem que más intenções saiam da teoria, da imaginação, do querer, passando a ser um risco que, apesar de digital, é real.
Nessa conjuntura, um dos problemas é o permitir da camuflagem daqueles que são verdadeiros lobos em pele de cordeiro. Onde adultos responsáveis e adultos buscando ganhos financeiros através da exploração infanto-juvenil postam o mesmo conteúdo. O único grupo de pessoas que se beneficia em não precisar discernir entre quem produz conteúdos sem malícia ou não é o daqueles que a tem nos olhos.
Em outras palavras, a rede de crime se alimenta do conteúdo veiculado: seja ele ingênuo e bem intencionado, ou não. E é aí que está o cerne do problema: menos nas pessoas e mais no funcionamento da plataforma em si.
Do algoritmo P ao algoritmo TAS
Aqui eu gostaria de cunhar o termo “Algoritmo TAS” para o Tráfico de Animais Silvestres, e dizer que a lógica de um sistema digital de crime, bastante discutido nas últimas semanas desde o vídeo do Felca, não se restringe apenas aos corpos humanos. Conteúdos de animais silvestres em contato com humanos ou em ambientes antropogênicos permitem a camuflagem de uma rede criminosa de tráfico, exploração e crueldade.

Num nível mais brando, conteúdos envolvendo animais silvestres estimulam toda uma indústria que romantiza e fomenta o comércio de pets exóticos – legal e ilegal. Aqui, são incentivados, simultaneamente, de um lado, a formação de novos veterinários e profissionais especializados, com a construção de novos petshops e o estabelecimento de novos criadouros legalizados, e do outro, a formação de novos facções de caça, que apanha da natureza para cobrir o aumento da demanda pelo comércio ilegal de espécimes.
Num nível mais violento, a possibilidade de monetização de conteúdos virais envolvendo animais silvestres representa uma possibilidade de lucro-dobrado para os criminosos, ou aspirantes à influencers: Animais estão sendo cada vez mais retirados da natureza e comercializados para alimentar uma rede que primeiro produz conteúdo “fofo” (e.g., filhotes de macacos usando roupinhas) para depois, ou descartar/abandonar o animal, ou produzir conteúdo sádico e doentio, onde filhotes de macacos sofrem zooerastia, são enterrados vivos, afogados, pisoteados, e/ou espancados até a morte.
Algumas pessoas dizem, de boca cheia, que o tráfico sempre existiu e sempre vai existir – e que o problema não é o compartilhar de vídeos divertidos de animais na Internet – mas a verdade, escancarada pelas evidências e comum à vários outros setores comerciais e de entretenimento, é que toda exposição é um tipo de propaganda. E toda propaganda, com o objetivo de convencer, romantiza e normaliza. E o pior, romantiza.
Regulação + Educação: O único caminho possível
Em seu vídeo, Felca diz, em revolta: “É completamente inaceitável pra mim que na era da inteligência artificial não tenha sido aplicada ainda uma forma de detectar estes vídeos.” E pergunta, em seguida, “Má intenção, ou descaso?”.
A Social Media Animal Cruelty Coalition (SMACC) estima que, em apenas três meses, o YouTube pode arrecadar até US$ 12 milhões com o compartilhamento de conteúdo de crueldade animal pelo algoritmo TAS. Eu me pergunto: quanto será que o YouTube ganha com conteúdos infanto-juvenis com o Algoritmo P? E quantos outros algoritmos prejudiciais e criminosos, ainda sem nome, não existem?
As redes sociais devem urgentemente suprimir os algoritmos P e TAS, protegendo crianças, adolescentes e os animais. Mas para além disso (e enquanto isso), a sociedade precisa se informar.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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