Reportagens

Tráfico de animais silvestres: Maldade de estimação

Transformar um animal silvestre em pet, além de crime, é maldade. Para cada um que ganha um dono, nove morrem na captura ou no transporte.

Vandré Fonseca ·
12 de maio de 2015 · 8 anos atrás
Laérzio Chiesorin Júnior, médico-veterinário do Cetas Sauim-Castanheiras, segura um papagaio resgatado. Poucos animais sobrevivem ao tráfico. Foto: Vandré Fonseca.

Manaus, AM – Iguanas cegas, que tiveram o olho perfurado por crianças na rua. Macacos-aranha com problemas ósseos ou macacos-pregos alcoólatras e agressivos. E até uma jiboia com a mandíbula quebrada, para evitar mordidas. Mantido pela prefeitura, o Centro de Triagem de Animais Silvestres, no Refúgio da Vida Silvestre Sauim-Castanheiras, na periferia de Manaus, é onde terminam várias dessas infelizes histórias de tráfico de animais silvestres.

O periquitão-maracanã sobreviveu, contra as estatísticas, mas chegou ao centro com distrofia óssea. Patas e pés tortos impedem que ele consiga se empoleirar. É o que costuma acontecer com animais dessa espécie, quando tirados da natureza e condenados à estimação. Resultado da falta de cálcio na alimentação.

“Na natureza, esses animais têm uma alimentação com frutos, folhas e outros itens, que têm vitaminas específicas”, conta Laérzio Chiesorin Júnior, médico-veterinário do Cetas Sauim-Castanheiras. “Presos, não escolhem o que comer e recebem alimentação humana, fraca nos nutrientes exigidos por estes animais, principalmente se estão em fase de crescimento”.

Ainda em Manaus, o Cetas Ibama também recebe vítimas como estas. A analista ambiental Natália Lima lembra de um macaco caiarara que chegou com deformações na coluna. Estava curvado para a direita, provavelmente devido a movimentos giratórios repetidos, devido ao confinamento em uma gaiola pequena. Conta também a história de Sansão, uma suçuarana (onça-parda) criada em jaula, cuja alimentação baseada em peixes a deixou com as pernas curtas. Hoje, Sansão vive no zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército.

Apesar das cicatrizes, animais resgatados são privilegiados. A maioria dos bichos tirados da natureza pelo tráfico morrem pelo caminho, na captura ou durante o transporte. No início dos anos 2000, estimativa divulgada pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) mostrava que para cada animal silvestre que chegava a um dono, nove tinham sido mortos.

Vinte e três cacatuas e um papagaio foram encontrados amontoados em garrafas plásticas de água a bordo de um navio na Indonésia. Foto: Petrus Riski/Mongabay

É fácil entender as causas desta mortandade. Basta verificar como esses animais são transportados. Na semana passada, na Indonésia, noticiou-se a apreensão de um carregamento de cacatuas-de-crista-amarela enfiadas dentro de garrafas de água mineral. Para esconder os animais, traficantes não enxergam limites, mesmo que o resultado seja a perda da carga. Isto ocorre tanto no exterior quanto no Brasil.

“Infelizmente não é uma situação rara de acontecer”, afirma Dener Giovanini, coordenador-geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). Ele cita o exemplo de macacos enfiados dentro de garrafas térmicas, cujos revestimentos de vidro foram retirados, para acomodar o tamanho dos bichos. “Esses animais são transportados de maneira cruel, passam até 3 ou 4 dias, do Norte ou Nordeste para o Sudeste, sem água ou alimentação”, diz Giovanini.

Para ele, a legislação brasileira é branda quando se trata de tráfico de animais. E embora a sociedade esteja mais consciente, a estrutura para fiscalização continua deficiente. Em busca de alternativas, a Renctas está lançando por meio do site Kickante uma campanha para tentar captar R$150 mil. Se sair, o dinheiro financiará um relatório sobre a gestão e uso sustentável da fauna silvestre brasileira.

“O tráfico de animais é considerado crime de menor potencial ofensivo”, diz Giovanini. “Se condenada, a pessoa não vai presa, no máximo é obrigada a pagar cesta básica”. Só em alguns casos, quando se trata de tráfico internacional, as autoridades conseguem enquadrar o responsável em outros crimes. Enquanto isso, o tráfico continua condenando animais ao cativeiro, a maus-tratos e, na maioria das vezes, à morte.

 

O macaco caiarara deformado pelos movimentos contidos dentro de uma gaiola pequena. Foto: Ibama (clique para ampliar)

 

 

 

Leia também:
Começou a temporada do tráfico de papagaios
Em Manaus, a fauna visita a cidade
Países se unem contra o tráfico de animais silvestres

 

 

 

Leia também

Notícias
29 de maio de 2023

Brasil comercializou 7,3 bilhões de m³ de madeira de espécies ameaçadas entre 2010 e 2020

Mercado nacional foi responsável por 94% do consumo, que representa 6% de toda madeira comercializada no período, mostra estudo inédito

Salada Verde
29 de maio de 2023

Sociedade pede por nova área protegida na Grande São Paulo

Campanha pela criação do Parque Estadual do Morro Grande visa garantir proteção de um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica na Região Metropolitana de SP

Notícias
29 de maio de 2023

Obras e licenças de resort na APA de Maricá estão suspensas por nova decisão do STJ

Corte acatou liminar do MPRJ para determinação de paralisação de atividades do megaempreendimento turístico-residencial de capital espanhol

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta