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A guerra recomeçou

No Mato Grosso e no Pará, Ibama vai gradualmente retomando suas ações contra o desmatamento. Este ano, a luta do órgão terá uma ajuda da conjuntura econômica.

Manoel Francisco Brito ·
23 de março de 2006 · 18 anos atrás

Uma das mais renhidas refregas do calendário ambiental brasileiro, que entra ano, sai ano põe em confronto a fiscalização do Ibama e os desmatadores ilegais na Amazônia, já começou no norte do Mato Grosso e no sul do Pará. É nessas regiões que estão localizados os municípios onde o desmatamento é considerado mais crítico, e por essa razão foi nelas que o governo federal decidiu travar as primeiras escaramuças.

No Mato Grosso, 17 fiscais fazem incursões regulares em uma área próxima à reserva dos índios caiabis, onde no início de março flagraram madeireiros ilegais derrubando árvores. Lá, também esbarraram em grileiros de terra e garimpos ilegais. Ontem, depois da consulta pública para criação do Parque Nacional do Juruena, os fiscais apreenderam nessa região duas máquinas que faziam o corte ilegal de madeira numa área de 298 hectares, que foi embargada. O responsável pelo desmatamento próximo à reserva dos caiabis tomou uma multa de R$ 447 mil.


O Ibama retomou também as investigações sobre fraudes na documentação de comercialização de madeira e notas fiscais descobertas pela Operação Curupira em junho do ano passado.

“Fizemos ainda ações de fiscalização em São José do Rio Claro e Nova Maringá”, diz Roberto Ávila, analista ambiental do Ibama que coordena, do escritório do órgão em Sinop, a logística da luta contra os desmatadores no Mato Grosso. Por enquanto, nada disso produziu resultados retumbantes. Mas serviu para começar novamente a mostrar as cores do governo federal na Amazônia.

O plano de combate ao desmatamento tem a meta de reduzir a derrubada da floresta em 20% em relação aos números do ano passado, quando a Amazônia perdeu 18,9 mil quilômetros quadrados de floresta. Para chegar lá, funcionários do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente, em reunião feita no começo deste mês em Cuiabá, elegeram 95 municípios da Amazônia como alvo de sua atuação este ano. Começaram por dez deles: quatro no Pará e seis no Mato Grosso, onde a situação é há alguns considerada crítica. Entre eles, estão velhos campeões do desmatamento na Amazônia, como Novo Progresso, São Félix, Querência e Juara.

Como nada acontece no governo de maneira perfeita, apesar do início das operações a instalação das bases previstas pelo plano está atrasada. A culpa é do orçamento de 2006, que ainda não foi votado pelo Congresso, limitando a capacidade de gastar do Executivo. “Mas até o final de maio, começando pela região de Alta Floresta ainda em março, todas as cinco bases que cobrirão o norte do Mato Grosso estarão em funcionamento”, diz José Araújo, gerente regional do Ibama em Sinop.

Derrubadas começaram

Diante da pergunta se 17 fiscais são suficientes para o trabalho, Roberto Ávila ri. “É o que temos. Mas Brasília prometeu enviar mais agentes nos próximos dias”, diz. Se isso acontecer é ótima notícia porque, como no ano passado, os madeireiros ilegais não devem aguardar o fim do período das chuvas, entre abril e maio, para iniciar o corte de árvores. “Em Sinop já estão ocorrendo derrubadas”, informa Ávila.

O fenômeno, que pode ser visto como uma tentativa dos ilegais de se adiantar à fiscalização, tem também outro motivo em Mato Grosso. Pelo menos do ponto de vista lógico. A hipótese que vem sendo discutida dentro do Ibama no estado é que os madeireiros ilegais estão tentando engordar seus estoques nos pátios das serrarias para se aproveitar de uma janela de legalização da madeira, embutida no acordo que passou a gestão florestal no Mato Grosso, desde janeiro, às mãos do governo estadual.

Pela nova regulamentação da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) do estado, até 31 de março o madeireiro que confessar estar de posse de madeira ilegal poderá regularizá-la pagando somente 30% do valor total da multa. Parece tentador, mas há um problema. Os madeireiros temem que, ao optar por uma multa mais barata e legalizar seu estoque, abram flanco para processos criminais movidos pelo Ministério Público. E, pelo menos por enquanto, segundo o gerente do Ibama em Sinop, poucos aderiram ao programa.

Desde junho de 2005, logo após a Operação Curupira, nenhuma operação de desmatamento foi mais autorizada pelo Ibama no Mato Grosso. Este ano, a atribuição de autorização de desmate e aprovação de planos de manejo passou às mãos da SEMA. E quem quiser desmatar legalmente vai precisar passar por uma justíssima via crucis burocrática. Além de dizer onde pretende cortar, o que já era exigido anteriormente, vai precisar também indicar o destino da madeira. Essa é a novidade. “É mais uma barreira que deve ajudar a conter o corte”, diz José Araújo.

Ele lembra, no entanto, que em 2006 uma série de fatores conjunturais deve ajudar a conter a derrubada da floresta. Alguns, como a queda no preço da carne e dos grãos, freando a expansão da fronteira agrícola, já marcam presença na região desde 2005. Mas o preço da madeira beneficiada produzida na Amazônia também está desabando por causa da concorrência com os chineses, situação que provavelmente reduzirá um pouco mais a sanha de devastação na região. Há que se levar em conta também o fator Blairo Maggi, governador do Mato Grosso.

Pego com as calças na mão pela Curupira, que flagrou os desmandos ambientais no seu estado, o governador parece disposto a mudar sua ação no setor, apertando a concessão de licenças para corte e coordenando ações de monitoramento e repressão com o governo federal. “Até agora, todas as indicações que temos é que o governo estadual fez um giro de 180º graus em relação ao seu passado”, diz Araújo, que prevê duas etapas marcantes para 2006. Primeiro, o combate ao desmatamento. Em seguida, ajudada pela conjuntura favorável, a estruturação de um sistema efetivo de controle. “E aí talvez, em 2007, a gente já tenha conseguido institucionalizar uma nova prática em relação ao corte de árvores na floresta”. Tomara. Seria bom demais.

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