Não existem “desastres naturais”: os desastres acontecem a partir de fenômenos naturais, sim, mas só eclodem quando não há planejamento urbano, fortalecimento das capacidades de resposta da população e invisibilização dos processos de vulnerabilização socioambiental. A partir desta segunda (13/10), muitos eventos e ações ocorrem em alusão ao Dia Internacional da Redução do Risco de Desastres (RRD), data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1989, com o objetivo de promover uma cultura global focada na prevenção, e como um lembrete do que ainda precisa ser feito.
Desastres estão se tornando mais frequentes, com impactos cada vez mais devastadores. O Relatório de Avaliação Global sobre Redução do Risco de Desastres (GAR), 2025 das Nações Unidas, destacou como os custos diretos dos desastres cresceram para aproximadamente US$ 202 bilhões anualmente, e chegam a US$ 2,3 trilhões quando se levam em conta suas reverberações. O peso desse custo recai desproporcionalmente sobre os países em desenvolvimento, como o Brasil, que ainda sofre com os efeitos das Inundações de 2024, no Rio Grande do Sul.
Nosso país vive todos os dias as consequências diretas do agravamento das mudanças climáticas e do mau planejamento urbano. A consciência de que o agravamento de eventos extremos ocorre a partir da intervenção humana na Terra cresce no Brasil, mas ainda é possível identificar manchetes na imprensa e políticos afirmando que “as chuvas causaram o problema”. Nesse sentido, a comunicação de riscos é uma área que pode colaborar não apenas com a RRD, mas também com todas as etapas do ciclo de gestão de riscos e desastres (prevenção, mitigação, preparação, resposta, restabelecimento e recuperação).
Embora sempre citada como um aspecto fundamental no gerenciamento e governança de riscos de desastres, a comunicação voltada para a área requer mais investimentos, seja para ampliarmos as pesquisas que subsidiam as estratégias de ação, seja para contar com profissionais especialistas. No estudo chamado “Comunicação de Riscos no Brasil: Identificação dos estudos acerca de desastres e suas abordagens”, publicado na última edição da Revista Latino-Americana de Comunicação, Eloisa Loose e Cora Quinteros mapeiam o percurso da produção científica da comunicação de riscos no Brasil, revelando que predomina uma visão instrumental da área.
Não é suficiente pensar na comunicação apenas quando um desastre eclode. Ainda que a falta de uma comunicação eficaz (precisa, consistente, confiável) sobre os riscos pode expandir a circulação de desinformação, diminuir a confiança nas organizações, nos governos e na mídia, e até atrapalhar em uma situação de emergência, antecipar os riscos é fundamental. A ausência de uma comunicação adequada pode levar à percepção errônea de uma situação – as pessoas podem subestimar potenciais ameaças, ignorar situações graves ou superestimar outras –, o que coloca vidas em perigo.
A comunicação de riscos ainda é uma área pouco conhecida por cientistas brasileiros, considerando a escassez de trabalhos com a expressão no título. Segundo as autoras, a expressão “comunicação de risco” surge em 1984 a partir das discrepâncias do conhecimento científico na avaliação dos riscos e da percepção da população sobre eles. Na América Latina, começou a ser usada esporadicamente nos anos 1990 e 2000, ganhando projeção com a pandemia de covid-19, em 2020. Aliás, é a área da Saúde que tem avançado nos estudos que envolvem a comunicação de riscos por aqui, o que é comprovado quando se categorizam os temas predominantes nos trabalhos sobre comunicação de riscos analisados.
Quando falamos do processo da comunicação de riscos, é preciso considerar a percepção pública e a participação da população nas decisões relacionadas à prevenção e mitigação de desastres onde vivem. Loose e Quinteros reforçam que vário fatores importam:
“[…] mensagens inconsistentes, excessivamente complexas, confusas ou incompletas; a falta de confiança nas fontes de informação e instituições; reportagens seletivas pela mídia; fatores psicológicos e sociais que afetam como as informações são processadas; a participação da sociedade (ou a falta de participação) nas políticas de saúde pública, meio ambiente e governança climática. A aceitabilidade do risco e os fatores de indignação variam de acordo com valores, educação, experiência pessoal e inserção no resultado”.
A percepção social do risco modela como o público interpreta as informações que chegam até ele, sendo necessária atenção na maneira como se dá a mediação entre as autoridades e comunidades interessadas. A mídia deve estar preparada para lidar com a situação de forma responsável e organizada, e a comunicação do governo e demais autoridades deve ser orientada para enfrentar situações complexas com transparência e diálogo. Quanto mais preparação, melhor resposta emergencial: a afirmação parece lógica, mas não representa a realidade das últimas crises derivadas de desastres climáticos.
O breve diagnóstico de Loose e Quinteros revela que há uma lacuna na produção científica sobre comunicação de riscos. Considerando a urgência em ampliar o debate sobre o assunto, em um cenário de policrise, as autoras propõem uma agenda de pesquisa com o intuito de incentivar a produção na área da comunicação:
1. Avançar no debate conceitual e epistemológico da comunicação de riscos e seu cruzamento com os estudos centrados em RRD, gestão e governança de riscos, e percepção de riscos, desde uma perspectiva Sul Global;
2. Propor metodologias interdisciplinares para investigar o processo comunicacional no âmbito dos riscos de desastres, de modo que pesquisadores de outras áreas possam contribuir com achados nessa área – e não tomá-lo de forma reducionista, como sinônimo de informação e de divulgação científica, por exemplo;
3. Considerar a ausência de oportunidades de participação social nas decisões sobre os riscos como sendo mais uma vulnerabilidade que agrava os efeitos do desastre;
4. Aproximar o campo comunicacional dos estudos de percepção de risco, tão caros para aprimoramento de estratégias comunicacionais efetivas;
5. Fomentar a inclusão de políticas de comunicação climática nas políticas públicas no âmbito da América Latina e das cidades, com diretrizes específicas de comunicação de riscos de desastres e comunicação pública
Tais propostas visam fortalecer a comunicação de riscos, entendendo que é a partir dela que se poderá construir uma cultura de prevenção onde a RRD se fará presente cotidianamente. Enquanto o tema ainda estiver distante da população e a comunicação de riscos for lembrada somente em momentos críticos, resta-nos dar visibilidade às ações que buscam romper com essa lógica, como é o objetivo do Dia Internacional da Redução do Risco de Desastre. Contudo, nosso desejo é que a comunicação de riscos possa transformar essa efeméride em prática diária.
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