O governo Lula enfrenta sua terceira e mais acirrada greve de servidores do Ibama, ou formalmente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Ao contrário das paralisações anteriores, que ganharam força ao longo dos dias, esta começou no dia 4 de maio atingindo quase todos os 6 mil funcionários do órgão no país. De lá pra cá, só cresceu. O movimento paredista não tem hora para acabar, já afeta exportações e importações, o licenciamento de obras e pode comprometer o combate ao desmatamento na Amazônia.
O motivo da nova parada é o não cumprimento pelo governo federal de acordos firmados com os grevistas. Com a paralisação de 2004, foi montada uma comissão de servidores, diretoria do Ibama e ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente. O grupo encaminhou ao Ministério do Planejamento reivindicações para reestruturação da carreira de especialista em meio ambiente e para equiparação salarial entre aposentados, pensionistas e ativos. As propostas deveriam ter seguido para o Congresso.
“Participamos de todas as negociações e fizemos nossa parte, mas mais uma vez o Ministério do Planejamento sentou em cima das propostas e fomos obrigados a uma nova paralisação”, disse Jonas Corrêa, presidente da Asibama (Associação dos Servidores do Ibama) e funcionário do Laboratório de Produtos Florestais do órgão.
Outros pedidos dos servidores são negociados diretamente entre o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente. Como aumento de 38% nos salários, gratificação para quem trabalha em lugares perigosos ou de difícil acesso, definição de critérios para nomeação de cargos de confiança e ainda a criação da carreira de fiscal ambiental.
Os grevistas têm recebido apoio de parlamentares como dos senadores José Sarney e Roberto Saturnino, que enviaram cartas ao Palácio do Planalto e à Casa Civil. O próprio Lula recebeu uma carta com as reivindicações durante a inauguração de obras no Hospital Pio X, no município goiano de Ceres.
Procurado pela reportagem de O Eco, o Ministério do Planejamento do petista Paulo Bernardo Silva informou que não se pronuncia sobre o assunto. “É bem típico da área econômica”, disse o presidente da Asibama.
Atender ou não aos pedidos dos servidores agora depende da política salarial do governo e também do orçamento da área ambiental. Apenas o enquadramento dos 4.800 aposentados e pensionistas consumiria mais R$ 65 milhões este ano. O Meio Ambiente tem o sexto menor orçamento entre os ministérios. Além disso, conforme análise divulgada pela Conservação Internacional, estão contingenciados R$ 751 milhões de R$ 2,069 bilhões da pasta para este ano. “Não adianta enviar propostas para o Congresso sem previsão orçamentária. Estamos negociando com o governo”, disse Márcio Freitas, da Coordenação de Qualidade Ambiental do Ibama.
Em passos lentos
Enquanto isso, as importações e exportações de uma série de produtos estão lentas ou paradas. Embarques e desembarques nos portos brasileiros têm ocorrido com liminares judiciais. O fluxo de produtos como pneus e automóveis está normal, mas produtos químicos e naturais enfrentam dificuldades na liberação.
O Porto de Paranaguá, no litoral paranaense, é um dos maiores exportadores de produtos florestais do país. Lá, a situação não é diferente. Segundo o chefe do escritório local do Ibama, Lício George Domit, apenas dois funcionários tentam atender a quase uma centena de liminares por semana para vistoria de cargas. Com a paralisação, o embarque de madeiras nativas e exóticas caiu de 50 mil metros cúbicos para em torno de 25 mil metros cúbicos semanais. Os prejuízos seriam de 700 mil dólares.
No licenciamento, os poucos servidores na ativa não dão conta de avaliar empreendimentos para exploração petróleo ou construções de hidrelétricas, rodovias e ferrovias. “Queremos sensibilizar a área econômica do governo. Se alguma obra for inaugurada sem licenciamento, iremos denunciar”, avisou Jonas Corrêa.
Estão parados um parecer do Ibama para uma linha de reforço de energia em Florianópolis, o licenciamento de hidrelétricas no Rio Madeira e de obras na BR-230, a Transamazônica. “Pedimos ao comando de greve um número mínimo de analistas para processos emergenciais, mas não tivemos resposta. Temos que esperar o fim da paralisação”, disse Luiz Felipe Kunz Júnior, diretor de licenciamento do órgão federal.
Em uma verdadeira sinuca de bico, o Ministério do Meio Ambiente defende o cumprimento dos acordos pelo Planejamento, mas sabe que uma greve demorada pode comprometer a economia e a proteção ambiental em um ano politicamente complicado.
No Mato Grosso, Pará e Rondônia, responsáveis pela maioria do desmate na Amazônia, estão acontecendo apenas operações que começaram antes da greve. Mas o fôlego do Ibama deve acabar nos próximos dias. “A paralisação reduz o número de agentes em campo e complica a liberação de passagens e diárias. Estamos chegando no limite”, disse Aristides Salgado Neto, chefe de operações do órgão.
Queimadas já foram registradas na última semana na região, marcando o início do seco inverno no norte do Brasil, entre maio e setembro. Nesta época, as motosserras começam avançar sobre a floresta. “Os servidores não irão sair para as operações de combate ao desmatamento ilegal”, garantiu o presidente da Asibama.
* Aldem Bourscheit é jornalista em Brasília.
Leia também
A pressa para catalogar espécies de insetos antes que sejam extintas
Editores de 𝘐𝘯𝘴𝘦𝘵𝘰𝘴 𝘥𝘰 𝘉𝘳𝘢𝘴𝘪𝘭, professores pesquisadores da UFPR estimam que há mais espécies para serem descobertas do que as mapeadas até agora →
Obstrução da COP16: a distância entre o discurso e a prática
Nem os países ricos nem os países demandadores de recursos, em boa parte, têm dado uma demonstração mais efetiva de que estão realmente determinados a gerar alterações em seus modelos de desenvolvimento →
Projeto lança livro inédito dedicado aos manguezais do Sul do Brasil
O livro Mangues do Sul do Brasil será lançado nesta sexta (8) pelo projeto Raízes da Cooperação, em evento realizado no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, em Palhoça (SC) →