Reportagens

Bola da vez

Deputado propõe exclusão de 12 mil hectares do Parque Estadual do Jurupará. Não faltam críticas à proposta. Pelo visto, a moda da desafetação pegou em SP.

Aline Ribeiro ·
30 de junho de 2006 · 18 anos atrás

Há exatos cinco anos, abriam-se as porteiras para que propostas de desafetação de áreas protegidas invadissem a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. O primeiro alvo foi o Parque Estadual de Intervales, em julho de 2001, quando a unidade perdeu parte de sua área para comunidades quilombolas. Tempos depois, o Parque Estadual Carlos Botelho viveu drama parecido. Mais recentemente, as propostas de reclassificação da Estação Ecológica Juréia-Itatins e de cortes na área do Parque Estadual Jacupiranga mostraram que a prática já está virando moda. A bola da vez, agora, é o Parque Estadual do Jurupará.

O Projeto de Lei (PL) 304/2006, do deputado estadual João Caramez (PSDB), propõe a exclusão de mais de 12 mil hectares dessa unidade de conservação. As terras pretendidas pelo parlamentar representam 46% da área total do Parque do Jurupará, uma das maiores áreas protegidas de Mata Atlântica do país, localizado entre os municípios de Ibiúna e Piedade, a 120 quilômetros da capital paulista. A medida, como era de se esperar, desagradou ambientalistas. “As áreas de conservação tem como objetivo proteger a natureza das ações do próprio homem. Todas as vezes que são excluídas sem critérios técnico-científicos, é aberto precedente para outros cortes”, opina Verônica Theulen, coordenadora do Programa de Áreas Naturais Protegidas da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.

Caramez diz ter sido procurado pelas famílias que residem na porção sul do parque – mais precisamente no bairro do Rio Bonito – para elaborar o projeto de lei. O deputado diz que ele mesmo as alertou sobre a dificuldade de se aprovar tal projeto, dada a importância das áreas para a preservação do meio ambiente. Mas foi adiante. “Quando sou solicitado para subscrever uma proposta, quero saber a relevância do pedido. Fui ver in loco”, conta. Depois de uma visita à região e algumas conversas com a comunidade, deu a canetada final.

A justificativa do PL, segundo ele, se baseia no argumento de que hoje cerca de quatro mil famílias residem por lá – grande parte de populações tradicionais. Questionado sobre quais critérios utilizou para definir a classificação das famílias, não convence. “Conheci uma senhora que está lá há quase de cem anos.” Sobre as outras milhares de pessoas, não dá explicações. Diferentemente do que afirma o deputado, o diretor do Parque Estadual do Jurupará, Paulo Pimenta, assegura que em todo o parque moram hoje cerca de 1.200 pessoas. “Poucas delas são tradicionais.”

De acordo com Caramez, o projeto pretende corrigir um erro do poder público. “O estado tem, por obrigação, resolver a situação das famílias que moram em determinada área antes de criar um parque lá.” Ele diz ainda que, se aprovada, a proposta vai melhorar a vida dessas pessoas. “Hoje, se o cidadão precisar consertar um banheiro, não pode. O material de construção fica preso na portaria”, comenta.

Demonstrando, talvez, falta de atenção com as próprias palavras, ele fala sobre as partes do parque que seriam excluídas. “Ainda não sabemos a dimensão da área a ser desafetada. Isso é resolvido depois, quando a secretaria do meio ambiente faz o estudo. Nós não temos recursos para esse tipo de levantamento.” Mas o projeto diz que são 12 mil hectares, não? “É mesmo. Me confundi.” O PL está agora na Comissão de Constituição e Justiça da assembléia e, se aprovado, deve passar ainda pela Comissão de Defesa do Meio Ambiente antes de ir para votação.

Carência

O parque ainda não tem plano de manejo, o que significa que é desprovido de planejamento para a visitação. Diferentemente da maioria dos parques que, mesmo sem o documento, abre as portas para os turistas, no Jurupará ninguém entra desde 1992, quando foi criado. Em 2004, duas portarias foram construídas a fim de monitorar a entrada de pessoas, mas nunca foram abertas. Elas foram concebidas também no intuito de intimidar caçadores, coletores ilegais de palmito e madeireiros. “O problema ainda existe, mas já diminuiu bastante”, comenta. Mas na verdade, as portarias geraram mais problemas do que vantagens.

Segundo Salvador Alves dos Santos, diretor de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente de Ibiúna, a população não concorda com o parque fechado. “É muito comum ver jipeiros e ecoturistas em busca de trilhas voltando pra trás.” E diz mais. “A prefeitura de Ibiúna não foi procurada, até o momento, para discutir um plano de manejo para a unidade. A elaboração do estudo só pode começar quando nós recebermos ofício informando a primeira reunião.” O pedido do plano de manejo já foi parar até na Justiça. A promotora do Ministério Público de Ibiúna, Ana Alice Marques, diz que há dois anos foi aberto um inquérito civil contra o Instituto Florestal (órgão da Secretaria do Estado de Meio Ambiente que administra as unidades de conservação), solicitando a elaboração do estudo. Paulo Pimenta se defende e informa que o estudo está sendo feito por um grupo de trabalho da secretaria, mas não tem previsão de término.

Relevância

O Parque Estadual do Jurupará funciona como corredor ecológico que interliga várias áreas protegidas de São Paulo. Tem cerca de 26 mil hectares e altitudes que variam de 400 metros a florestas de mais de mil metros – o que favorece maior diversidade de flora e fauna. Composto por áreas devolutas, o parque tem 70% de mata em bom estado de conservação. Cerca de 2.700 hectares são matas nativas. O rio Juquiá, um dos mais importantes da unidade, consta do Plano Estadual de Recursos Hídricos do estado desde 1990. Isso significa que, se vier a faltar água na região metropolitana de São Paulo, ele servirá como manancial para o abastecimento da capital.

É por esses motivos que ambientalistas defendem a manutenção das áreas do parque. O ornitólogo Pedro Develey, da Birdlife International, fez sua tese de doutorado na reserva e conta o que viu por lá em termos de biodiversidade. “Tem pelo menos 250 espécies de aves.” Entre as ameaçadas de extinção estão a araponga (Procnias nudicollis), o sabiá-pimenta (Carpornis malanocephalus), o gavião-pombo (Leucopternis lacernulatus) e a choquinha-pequena (Myrmotherula minor). Os mamíferos não são muitos. Ao todo, existem 35 espécies, como a paca (Agouti paca), o bugio (Alouatta guariba), o mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides) e a onça parda (Puma concolor).

A consciência conservacionista ainda não atingiu boa parte dos moradores da região. Amparados pelo deputado João Caramez, os membros da Associação dos Sitiantes e Moradores do Bairro do Rio Bonito e Adjacências (Asimoraboa) lutam pela exclusão da área da unidade. “Muitos de nós não conseguem nem mesmo se locomover, por causa da precariedade das estradas. É proibido passar máquina lá. Outros não têm nem energia elétrica nas casas. É o caso também de uma escola que fica no parque”, lamenta Fernando Agra, da associação.

Salvador Alves dos Santos, da fiscalização da secretaria de Ibiúna, não é contra os ambientalistas, tampouco a favor dos defensores do PL 304/2006. Fica em cima do muro. “A proposta do deputado é tendenciosa. Ele quer excluir apenas as áreas de interesse dele. Por que não beneficia as demais regiões do parque?”, questiona. Para Santos, o ideal seria que a unidade de conservação continuasse existindo, mas sem que as famílias fossem expulsas. “Queremos preservar a área e, ao mesmo tempo, garantir o direito de uso das terras.”

Enquanto as discussões prosseguem, o Instituto Florestal está elaborando um parecer para se posicionar a respeito do projeto. Prática comum quando um PL é criado, o documento deve ser encaminhado à Assembléia Legislativa. Mas isso ainda não tem data para acontecer.

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