A 63ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorreu durante toda esta semana na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, elegeu o Cerrado como tema principal. Apesar disso, foram debatidos os mais variados assuntos e problemáticas do país em mais de 60 conferências, 80 mesas-redondas, simpósios e mini-cursos. No centro das principais discussões estava a participação da ciência na formulação do projeto do Código Florestal, que tramita no Senado, e alternativas de produção sustentável no bioma Cerrado.
O discurso mais repetido em praticamente todos os eventos que compuseram a programação era: “A ciência quer ser ouvida”. Na palestra de abertura do maior evento científico da América Latina, com uma estimativa de aproximadamente 16 mil pessoas, a presidente da entidade, Helena Nader, defendeu maior participação de cientistas na elaboração das políticas públicas, necessidade que ficou evidente recentemente com a polêmica discussão do novo Código.
Segundo ela, toda a discussão sobre o tema tem sido polarizada entre os representantes do agronegócio e os ambientalistas: “Essa discussão passa apenas pelos interesses de dois grupos, e não os do Brasil. Tem que haver uma discussão isenta, que só a ciência pode promover”.
No dia 11, as entidades científicas enviaram uma carta ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em que pedem que a proposta do novo Código seja discutida na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) da casa. Por enquanto, o texto passará apenas pelas comissões de Meio Ambiente e de Agricultura. A carta diz também que, sem participação da ciência, o novo Código “será, já de nascença, considerado defasado”.
Cerrado em pauta
Não por acaso, o tema central da reunião deste ano foram os desafios e o potencial de um dos biomas mais delicados do país, o Cerrado, que concentra um terço da biodiversidade nacional e 5% da flora e da fauna do planeta. Segundo maior em tamanho, atrás apenas da Floresta Amazônica, ele estende-se por oito unidades da Federação, em mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, e sofre diversas ameaças. De acordo com o governador do estado, Marconi Perillo (PSDB-GO), o cerrado é um dos biomas mais ameaçados do país. “No acumulado até 2009, a sanha dos destruidores já havia consumido 48,2%, ou seja, quase um milhão de quilômetros quadrados”, informou Perillo. Ainda segundo ele, que elogiou o tema central da reunião – “Cerrado, água, alimento e energia” –, a devastação das bacias do Cerrado impactam a vida de 88,6 milhões de brasileiros.
O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Pedro Antônio Pereira, afirmou que o solo do Cerrado é pobre de nutrientes e tem características físico-químicas muito peculiares, como a grande necessidade de fósforo para o desenvolvimento da agricultura. “Durante os últimos 35 anos, esse solo foi superexplorado primeiro pela cultura do arroz e posteriormente pelas pastagens, chegando a um nível de degradação extremo”, disse.
Na opinião de Pereira, esses casos são exemplos em que a ciência é fundamental para encontrar soluções. “No caso dos solos, já foram desenvolvidas inúmeras técnicas de recuperação, que usam inclusive espécies comerciais como o milho e a soja, que atuam na recomposição do nitrogênio perdido ao longo dos anos. Soluções não faltam. O que é preciso são políticas públicas que as coloquem em prática”, completou.
Feedback imediato
Como uma dessas políticas, o governo anunciou no dia 12 a volta do funcionamento da Superintendência de Desenvolvimento Sustentável do Centro-Oeste (Sudeco). O órgão fará repasses do fundo constitucional para a região, considerada a principal fronteira agrícola. Além da produção agropecuária e de infraestrutura, haverá linhas de financiamento para pesquisa e inovação, e para projetos de sustentabilidade ambiental. Segundo o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, que fez o anúncio, o Cerrado, que cobre grande parte do Centro-Oeste, possui 72% das áreas agricultáveis. Ele destacou ainda a produção de alimentos e a criação de animais, além da importância ambiental da área, onde estão as nascentes dos rios São Francisco, Tocantins, Araguaia e Paraná.
Para o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante, “a expectativa é a de chamar a atenção para o potencial do Cerrado, para a necessidade de preservação, conservação e exploração sustentável”. Já o reitor da UFG, Edward Madureira Brasil, anfitrião do evento, ressaltou a importância de se pesquisar a biodiversidade na busca da preservação do bioma.
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