Advaldo mediu, fotografou, soltou o bicho e foi consultar o “Sigrist”. Ficou espantado com o que viu: aquele pica-pau parecia ser um Celeus obrieni, o pica-pau-do-parnaíba, espécie identificada em 1926 e nunca mais vista desde então.
Por muitos anos considerou-se que o pássaro poderia ser uma subespécie do pica-pau-lindo (Celeus spectabilis), encontrado nas florestas de taboca (um tipo de bambu nativo) da Amazônia ocidental. O problema é que o espécime do obrieni do American Museum difere do spectabilis em vários aspectos, e a distância entre os locais de ocorrência é muito grande, mais de 3 mil quilômetros. Hoje os ornitólogos consideram o obrieni espécie plena – uma decisão, segundo Pacheco, que procurou também atrair a atenção da comunidade ornitológica para esse bicho. Imaginava-se que uma pequena população pudesse existir no “remoto e pouco conhecido interior brasileiro”.
A hora da redescoberta
O achado de Advaldo parece seguir o padrão de redescobertas recentes. De acordo com Fernando Pacheco, elas têm acontecido ao acaso, e não em iniciativas focadas para encontrar bichos raros. “Pesquisadores esbarram com esses bichos, muitas vezes longe da sua localidade original.” Goiatins (TO) não é tão perto de Uruçuí (PI), mas também não fica tão longe. O importante é que o ambiente daquele pedaço do Tocantins torna a presença do pica-pau-do-parnaíba plausível.
Como a avifauna da região é pouco conhecida, não é improvável que houvesse uma população não detectada do pica-pau por ali, mesmo que a região já tenha passado por alguns levantamentos. O pioneiro foi José Hidasi, húngaro de nascimento e grande autoridade em aves de Goiás e de Tocantins. Ele percorreu a maior parte do estado nos anos 50 e 60, e coletou muito material. Mas a informação é pouco acessível e pesquisas mais recentes têm trazido registros novos e muitas extensões de áreas de incidência. É possível que existam populações do obrieni no sul do Piauí e Maranhão, regiões ainda pouco conhecidas do ponto de vista ornitológico.
O avanço do conhecimento, no entanto, tem um lado sombrio. Os levantamentos de campo como aquele onde Advaldo capturou o pica-pau muitas vezes estão ligados ao processo de licencimento ambiental de obras de infra-estutura, de estradas como a BR-010 ou a BR-163, ou ferrovias como a Norte-Sul, que são indutoras da colonização, da expansão da agricultura e da pecuária – como pode ser constatado por qualquer internauta com o Google Earth no seu computador. Assim, a identificação ou a redescoberta dessas aves (e de inúmeros outros animais e vegetais) acontece no momento de maior perigo para a sua sobrevivência. Olmos e Pacheco esperam que a notícia da redescoberta sirva para atrair mais atenção para a região, de interesse científico e potencial turístico, como Olmos já descreveu eloquentemente aqui em O Eco.
O governo de Tocantins já dispõe de toda a informação necessária para criar as unidades de conservação que aquele estado merece. É bom que o faça rápido, antes que o avanço da soja varra do mapa essa fantástica riqueza natural.
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