Um dos mais fundamentais princípios formadores do Direito Constitucional Norte – americano é o de que o governo federal não possui poderes ilimitados, este princípio está no cerne do modelo federal adotado pelos Estados Unidos. Não é suficiente que o Governo Federal entenda necessário que determinadas medidas políticas ou administrativas devam ser adotadas, é imperioso que ele detenha a competência constitucional para fazê-lo. Aqui está a essência da república norte-americana, ser um governo de leis e não de homens. No federalismo, repita-se, os entes federados e a própria federação têm as suas competências limitadas e definidas pelo pacto fundador da União. Como já foi demonstrado até aqui, a harmonização entre as diversas competências não é tarefa banal e, concretamente, tem dado margem a muita discussão em todas as Cortes Constitucionais dos Estados Federais. Em matéria ambiental, as graves questões têm se aprofundado, visto que elas estão pressionadas por outras que não são diretamente constitucionais. Elas se vinculam a temas tais como “sobrevivência da humanidade”, “futuro do mundo”, “gerações vindouras” e muitos outros que, fundados essencialmente sobre opiniões especulativas, os quais o leigo designaria como palpites, sem qualquer base técnica ou científica. Em sua essência, buscam criar um “direito do medo”[1], forçando uma “ultrapassagem dos limites constitucionais” que, não com pouca freqüência, é reivindicada por grupos de pressão específicos. É bastante usual que, dependendo de interesses circunstanciais, existam pressões pela “federalização” de determinadas condutas – quando as ações estaduais são julgadas débeis pelos grupos de pressão -, ou a “estadualização”, nas hipóteses em que a ação federal não se faça presente. Esta tendência não guarda qualquer relação com a repartição constitucional de competências mas é, isto sim, uma tática ad hoc, com vistas a enfrentar situações conjunturais concretas. É comum que os ambientalistas afirmem que “without the strong arm of the federal government, environmental programs in the United States would not be as far along as they are today.”[2]e[3]
A proteção ambiental, certamente, é um dos expoentes do chamado federalismo cooperativo, visto que repousa sobre as bases de uma ação, em tese, conjunta e coordenada entre a União e os Estados. Entretanto, a implementação das políticas ambientais tem sido, essencialmente, um ato de constante e freqüente federalização. Trata-se de uma tendência que vem se desenvolvendo desde a década de 70 do século XX e, cada vez mais, tem sido submetida a forte crítica. “Although the extensive command-and-control environmental regulation that emerged in the 1970s came after numerous other efforts to control or internalize pollution externalities, the centralization of environmental policy-making was more the result of political urgency and frustration than of careful balancing of the costs and benefits of centralization.”[4]e [5]
A principal cláusula constitucional que serve de base para a ação legislativa do Congresso relacionada ao meio ambiente é a chamada cláusula de comércio[6], pela qual o Congresso tem o poder de regulamentar o comércio entre os vários Estados, de forma a evitar que uns imponham barreiras comerciais sobre os outros. Assim, o Congresso tem legislado sobre temas ambientais, sob o argumento de que normas fixando parâmetros ambientais diferentes em cada um dos Estados podem afetar a atividade comercial. A Suprema Corte tem entendido que a existência de padrões ambientais nacionalmente uniformes pode ser um importante elemento para que se evitem as barreiras entre Estados[7]. Uma outra compreensão da competência do Congresso deriva da Cláusula que autoriza o Congresso a legislar sobre o território ou outras propriedades dos Estados Unidos[8]. Este conjunto de normas dá a fundamentação do direito ambiental federal.
Findley e Farber afirmam que: “congressional power in the environmental area is virtually ilimited. The commerce clause reaches essentially any private activity that has significant environmental consequences. That power, broad as it is, is augmented by the other broad powers to protect public property, to deal with matters of international concern, and to spend money in the public interest.”[9] e [10]
A repartição de competências ambientais nos Estados Unidos, assim como em outros países organizados politicamente sob a forma federativa é motivo de polêmica e controvérsia. Os movimentos ambientalistas, não raras vezes, reclamam o reforço do poder da União e, portanto, o fortalecimento da centralização.
O princípio constitucional que tem sido mais debatido nos Estados Unidos é exatamente o princípio federativo. Os pesquisadores norte-americanos têm considerado que o federalismo é, naquele país, “um sistema harmônico de frustração mútua”, como nos relembra Scheberle[11].
Normalmente, as relações entre a União e os Estados podem adotar alguns padrões que, em linhas gerais, segue o seguinte:
(i) Existe uma Lei federal sobre um determinado tema que se transforma em políticas e programas federais, baseados em mecanismos de comando e controle e que exercem preempção sobre as leis estaduais. Em seguida, a competência para a implementação das políticas e dos programas criados pela norma, é delegada para as autoridades estaduais e locais, mediante determinadas condições, com vistas à implementação. Cada lei define quais as medidas que deverão ser adotadas pelos Estados para torná-los aptos ao recebimento da competência delegada. Em geral define-se que a lei estadual referente à política em questão deve ser, no mínimo, equivalente à lei federal, no que concerne às restrições ambientais.”The principle of primacy preserves a state’s right to pass requirements more stringent than those found under national law and regulations”[12]e [13]. A aceitação pelos Estados dos programas e leis federais, em tese, não significa uma renúncia de suas próprias competências e atribuições. Registre-se, contudo, que a maioria dos Estados não produz legislação ambiental própria, dando preferência à implementação das normas federais. Scheberle[14] indica que em 1999, cerca de 74% de todas as políticas ambientais norte-americanas haviam sido delegadas para os Estados, sendo certo que em 1993, o percentual não ultrapassava os 41%.
(ii) Uma outra forma de delegação de competências ambientais que tem sido adotada nos Estados Unidos é a determinação feita pelo Congresso, por meio de lei, que os Estados devem desempenhar determinadas atividades com vistas à proteção do meio ambiente. Como exemplo, pode ser citada a obrigação delegada aos Estados para realizar o monitoramento da qualidade da água potável, como resultado da revisão, em 1996, da Lei da Água Potável Segura (Safe Drinking Water Act). Os Estados não estão obrigados a aceitar a determinação do Congresso.
(iii) Cooperação voluntária entre Estados e a União com o estabelecimento de incentivos federais para que os Estados adiram aos programas.
Teoricamente, a legislação federal se aplica em todo o território dos Estados Unidos, entretanto, a doutrina tem reconhecido que vários problemas podem surgir em função da amplíssima abrangência das normas federais. Um dos problemas mais relevantes é a implementação uniforme das normas em todo o país, visto que as condições ambientais diferem de Estado para Estado. Assim, uma determinada norma pode ser muito liberal em determinado Estado e extremamente restritiva em outros[15]. Este, aliás, é um problema recorrente em todo modelo federativo, uma vez que existe um legítimo temor de que se criem “subsídios ambientais” para a implantação de empreendimentos e indústrias em determinados Estados em detrimento de outro, tudo com base em maiores ou menores “facilidades” ambientais. Por outro lado, também não se pode deixar de registrar o fato de que a manutenção de padrões uniformes, ou meramente mais restritivos, exerce uma pressão pela concentração industrial em áreas que já são mais industrializadas e, conseqüentemente, amplia a poluição em áreas críticas.
[1] VER: SUNSTEIN, Cass R. Laws of Fear- Beyond the Precautionary Principle. Cambridge: Cambridge University Press. 2005.
[2] VER: SCHEBERLE, Denise. Federalism and Environmental Policy – Trust and the Politics of Implementation. Washington : Georgetown University Press. 2nd edition, 2004. p. 1. [3] “Sem o braço forte do governo federal, os programas ambientais nos Estados Unidos não seriam o que são hoje.” [4] VER: BUTLER, Henry N. e MACEY, Jonathan R. – Using Federalism to Improve Environmental Policy. Washington: The AEI Press. 1996. pg. 4. [5] “Apesar da extensiva regulação ambiental de comando e controle que emergiu nos anos 1970, após numerosos outros esforços para controlar ou internalizar as externalidades da poluição, a centralização da elaboração da política ambiental foi mais o resultado de urgência política e frustração do que de um cuidadoso balanço dos custos e benefícios da centralização.” [6] U.S. Constitution – Article 1 Section 8 Article 1 – The Legislative Branch. Section 8 – Powers of Congress. The Congress shall have Power To lay and collect Taxes, Duties, Imposts (http://www.usconstitution.net/glossary.html#IMPOST) and Excises (http://www.usconstitution.net/glossary.html#EXCISE), to pay the Debts and provide for the common Defence and general Welfare of the United States; but all Duties, Imposts (http://www.usconstitution.net/glossary.html#IMPOST) and Excises (http://www.usconstitution.net/glossary.html#EXCISE) shall be uniform throughout the United States;…………..To regulate Commerce with foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes; To establish an uniform Rule of Naturalization, and uniform Laws on the subject of Bankruptcies throughout the United States…” A R T I G O I . Seção 8. 1. Será da competência do Congresso: Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; 3. Regular o comércio com as nações estrangeiras, entre os diversos estados, e com as tribos indígenas; 4. Estabelecer uma norma uniforme de naturalização, e leis uniformes de falência para todo o país.” , in, http://www.braziliantranslated.com/euacon01.html, capturado aos 25.07.2006. [7] VER: FINDLEY, Roger W. e FARBER, Daniel A – Environmental Law in a Nutshell. St. Paul: West Publishing. 2nd Edition. 1990. pg. 202. [8] “Article IV. – The States……Section 3 – New States………The Congress shall have Power to dispose of and make all needful Rules and Regulations respecting the Territory or other Property belonging to the United States; and nothing in this Constitution shall be so construed as to Prejudice any Claims of the United States, or of any particular State. “A R T I G O IV . Seção 3…..O Congresso poderá dispor do território e de outras propriedades pertencentes ao governo dos Estados Unidos, e quanto a eles baixar leis e regulamentos. Nenhuma disposição desta Constituição se interpretará de modo a prejudicar os direitos dos Estados Unidos ou de qualquer dos Estados.” [9] VER: FINDLEY, Roger W. e FARBER, Daniel A – Environmental Law in a Nutshell. St. Paul: West Publishing. 2nd Edition. 1990. pg 210-11. [10] “O poder congressual na área ambiental é virtualmente ilimitado. A cláusula de comércio alcança essencialmente qualquer atividade privada que tenha conseqüências ambientais significativas. Aquele poder, amplo como é, é aumentado por outros amplos poderes para proteger a propriedade pública, para lidar com matérias de interesse internacional e para gastar dinheiro no interesse público.” [11] VER: SCHEBERLE, Denise. Federalism and Environmental Policy – Trust and the Politics of Implementation. Washington : Georgetown University Press. 2nd edition, 2004. p. 8. [12] VER: SCHEBERLE, Denise. Federalism and Environmental Policy – Trust and the Politics of Implementation. Washington : Georgetown University Press. 2nd edition, 2004. p. 8. [13] “ O princípio da primacia preserva o direito de um estado de aprovar exigência mais restritivas do que aquelas existentes na lei nacional e regulamentos.” [14] VER: SCHEBERLE, Denise. Federalism and Environmental Policy – Trust and the Politics of Implementation. Washington : Georgetown University Press. 2nd edition, 2004. pg. 9. [15] VER: HOBAN, Thomas More e BROOKS, Richard Oliver. Green Justice – The Environment and The Courts. Boulder: Westview Press. 2nd Edition. 1996. p. 13.Leia também
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