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Rio: Paraiso ou Inferno do Ecoturista?

Assaltos e violência não são ocorrências exclusivas às trilhas de parques cariocas. Mas houve época em que elas eram das poucas no mundo onde havia segurança.

10 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

Realizou-se na semana passada, na cidade do Rio de Janeiro, o Red Bull International. Trata-se de uma competição de esportes de aventura que incluiu ciclismo, trekking, natação e vôo livre. O evento, que contou com participações de atletas de ponta de varios paises, colocou mais uma vez em evidencia a vocacao do Rio de Janeiro para o turismo ecologico. Infelizmente, contudo, tambem chamou atencao para o triste estado da seguranca das trilhas cariocas. Como um dos participantes brasileiros fez questao de ressaltar, “para caminhar no Parque Nacional da Tijuca, especialmente na Pedra da Gavea nao se pode levar relogio, botas de goretex ou equipamentos importados, pois as chances de assaltos sao muito grandes”.

E verdade que o problema não é novo. Nem restrito ao Rio. Em minhas andanças por trilhas urbanas mundo afora, vi carcaças depenadas de automoveis roubados em Sydney e em Porto Rico, observei placas alertando para o perigo de roubos e assaltos no Parque Nacional da Montanha da Mesa, na Cidade do Cabo, fui desaconselhado a caminhar nas matas que flanqueiam Nairobi, no Quenia, tive noticias de escaladores assaltados no Parque Estadual do Marumbi, proximo a Curitiba, e fui deixado nu e ameacado de morte com um revolver na cabeca enquanto fazia uma excursao ao Pico do Itacolomi, em Ouro Preto. No proprio Rio de Janeiro, os relatos dos viajantes estrangeiros que nos visitaram ao longo do seculo XIX, recheados de referencias a assaltos na trilha do Corcovado, atestam que a inseguranca nas matas da Serra da Carioca nao vem de hoje.

Ainda assim, não vejo razão para que a frequência dos assaltos nas estradas e trilhas da Floresta da Tijuca (e de outros Parques urbanos brasileiros) tenha atingido niveis tao altos. Entendo ser impossivel evitar os casos fortuitos e esporadicos. Mas é facil resolver a inseguranca sistemica e padronizada.

O caso da Pedra da Gávea é exemplar. Ate 1998, o mirante e seus acessos eram conhecidos como ponto de risco entre os excursionistas cariocas. A quantidade de assaltos era inversamente proporcional a presenca institucional na area- Entre os 20 agentes de fiscalizacao do Parque Nacional da Tijuca, apenas 5 tinham subido até a Cabeca do Imperador na década de 90.

Em 1999 e 2000, o lugar foi colocado na rotina de fiscalizacao do Parque. Agentes do IBAMA e da Guarda Municipal passaram a galgar os 842 metros da Pedra da Gavea todas as semanas, cada vez por uma trilha diferente. Na mesma época, a direção da Floresta da Tijuca fechou dois acordos: o primeiro com o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, que passou a designar guarnição para, durante os meses de verão, ficar estacionada todos os sabados e domingos na localidade conhecida por Praca da Bandeira, ponto de convergência dos diferentes acessos que levam ao cume da Gávea; o outro com o Comando Militar do Leste, combinando que a Pedra da Gávea seria usada sempre que possivel para exercicios de caminhada em montanha das unidades do Exercito Brasileiro. Ato continuo, foi criado um canal de comunicacao entre o Parque e Corpo de Bombeiros e as Forcas Armadas, de modo que a informacao fluia. Resultados? Alem da grande presenca institucional na Gávea, por si só inibidora de assaltos, os Fiscais do IBAMA e os Guardas Municipais rapidamente tornaram-se conhecedores da malha de trilhas da Pedra e capazes de identificar cada atalho novo, cada visitante frequente, cada local passivel de esconderijo, cada rota de fuga.

Trabalho analogo foi desenvolvido nas demais trilhas do Parque, que eram percorridas pelo Exercito, Batalhao Florestal da PM, Bombeiros, Guarda Municipal e Ibama, com frequência diária e rotatividade de locais. Como consequência, foram desativados em dois anos mais de 60 pontos de caça, incluindo mais de 25 acampamentos completos, com armas, chuveiros, camas e utensílios de cozinha. Tambem esse trabalho, ao tempo em que reduzia a caca ilegal na Floresta da Tijuca, servia para familiarizar a fiscalização com cada uma das trilhas e possiveis rotas de fuga dentro do PNT. Nas cabeceiras das principais trilhas, sempre havia um Guarda Municipal de plantão e um livro de ocorrências, permitindo a denuncia e a rapida ação da fiscalização, método que propiciou a prisão de alguns caçadores e a detenção de excursionistas armados, com seu posterior encaminhamento para a policia.

Aos poucos, a fiscalização estendeu-se para alcancar tambem as matas limítrofes da Tijuca. No Parque Lage, moradores irregulares foram removidos de dentro da mata. No Parque da Cidade, dois homens foram presos em flagrante depenando uma Towner roubada. No Quitite foram apreendidas armas, em Jacarepagua, recuperadas centenas de aves silvestres encarceradas. Nas trilhas do Parque Nacional da Tijuca em si, os assaltos registrados cairam a zero naquele biênio.

Tambem no que toca ao asfalto, a solução é óbvia. Os acessos rodoviários ao PNT são menos de uma dezena. Para garantir a seguranca, basta fechar cada um deles com uma guarita e cancela. No biênio 1999-2000, foram feitos os primeiros movimentos nesse sentido, com a instituição da mão única na Floresta da Tijuca, o que deixou aos veiculos apenas a opção de utilizar um único portão de saida. No setor Paineiras, a segurança foi incrementada com a transferência da sede do Grupamento Ambiental da Guarda Municipal para a entrada do Parque pela Estrada do Redentor. Alem disso, cancelas foram colocadas, vedando o tráfego de veiculos nas Paineiras entre meia noite e 6 da manha. Por fim, guaritas para cada um dos acessos rodoviários foram orçadas e sua construção comecou a ser feita ainda em 2001.

Infelizmente, como quase tudo que se refere a administração pública no Brasil, esse trabalho não teve continuidade. A grande maioria dos Guardas Municipais lotados no Parque, inclusive seu sub-inspetor, foi transferida ao longo de 1999 e 2000, e hoje tira plantões em pracas e ruas da cidade. Com isso, perdeu-se dois anos de treinamento especifico em atividade Guarda-Parque – alguns com cursos em Curitiba e Minas Gerais. Os seus substitutos não tem nenhuma rotina sistemática de patrulha nas áreas mais profundas e recônditas da Floresta. O acordo com o Corpo de Bombeiros foi descontinuado, e a comunicação com as Forcas Armadas emudeceu.

No asfalto, descobriu-se que os cadeados que trancavam as cancelas das Paineiras a noite eram arrombados por “bondes” com regularidade quase que diária. A Policia Federal foi notificada, mas as cancelas deixaram de ser trancadas. As guaritas na entrada de cada acesso rodoviário não passaram do estágio inicial de construção por que o material, deixado no local da obra ao fim do expediente, era roubado a noite.

Como se sabe pela leitura dos jornais, os assaltos não tardaram a reaparecer. Subir a Pedra da Gávea voltou a ser um programa de alto risco e o asfalto das Paineiras é novamente testemunha de seguidos roubos e furtos, inclusive de turistas estrangeiros.

É imperioso reconhecer que o problema da violência é sério e aflige a toda a cidade do Rio e Janeiro, bem como outras metrópoles do mundo. Seu combate torna-se ainda mais dificil no contexto de Florestas urbanas que abrigam um labirinto e trilhas e rotas de fuga. Com certeza, há melhores soluções do que a encontrada para a trilha que inicia-se no Parque Lage e leva ao Corcovado, maior atrativo turistico do Brasil, que tambem passou a ser palco de recorrentes assaltos. Resolveu-se o problema com uma singela placa afixada em sua cabeceira, alertando os excursionistas com os dizeres: “cuidado perigo de assalto”.

Quem avisa, amigo é!

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