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Um campeão de bagunça ambiental

O governo do Rio de janeiro está sucateando as unidades estaduais de conservação, como mostrou Luiz Renato Villejo no congresso de ambientalismo em Curitiba.

22 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Não é novidade para ninguém que o estado do Rio de Janeiro, também em termos ambientais, vai de mal a pior. Qualquer pessoa que viva no estado ou o visite percebe o crescimento desordenado das cidades, cada vez mais parecidas com imensas favelas, invadindo indiscriminadamente o que resta da vegetação original. E isso não acontece só nos grandes centros urbanos, mas em todo o seu território. Das praias à serra, dificilmente se poderia construir cidades tão feias em lugares tão bonitos.

Mas, para quem ainda tinha dúvidas sobre isso recoomenda-se uma olhada nos anais do IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em Curitiba. Durante a semana, discutiram-se por lá inúmeros trabalhos técnicos, sobre os mais variados temas relacionados às unidades de conservação brasileiras. Entre eles, todos já publicasdos em três volumes, há que trata especificamente das unidades de conservação do Estado do Rio.

Feito pelo professor adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense Luiz Renato Vallejo, e intitulado “Políticas de Governo e as Unidades de Conservação do Estado do Rio de Janeiro”, é um retrato fiel do quadro de abandono em que elas se encontram.

O trabalho traz dados muito interessantes. Em sua introdução, por exemplo, lembra que, apesar de tudo, o Rio de Janeiro tem a maior área relativa de Mata Atlântica, com 16,73% de seu território ainda cobertos por esse bioma. Esse percentual, no entanto, em 1990, era de 20,83%. Perdeu cerca de 150 mil hectares. Boa parte do que sobrou da Mata Atlântica encontra-se nas 29 U.C.s e cerca de 430 mil hectares de áreas administradas pela União, em condições tão precárias que não lhes permite cumprir função ecológica ou mesmo social.

Todas as unidades estaduais são geridas por dois órgãos ambientais: a FEEMA (Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente) e o IEF (Instituto Estadual de Florestas). A primeira administra 17 unidades de conservação. O segundo, 12. Não é tarefa fácil. Ainda mais com pouca verba, poucos funcionários e praticamente nenhum apoio do governo. Hoje ambos dependem de convênios, parcerias e verbas privadas para levar adiante seus projetos, alerta o autor.

Desde 1987 a FEEMA perdeu 25% de seus 1008 funcionários. Hoje conta com apenas 753. Com a falta de recursos, diz o ex-subsecretário de meio ambiente Paulo Bidegain S. Primo, “a FEEMA passou a ser um mega cartório expedidor de licenças”. O Serviço de Ecologia Aplicada da instituição conta hoje com apenas 8 funcionários para administrar três unidades de conservação, dos quais apenas três permanecem em campo. Desde 1982, a FEEMA não promove concurso público.

O IEF, por sua vez, informa o trabalho, nunca realizou concurso público para o preenchimento de seus cargos. Por conta disso, depende de funcionários migrados de outros setores do governo, em caráter provisório e sem qualificação.

Por conta dos problemas crônicos de infraestrutura do IEF, o Rio de Janeiro deixou de receber 8,3 milhões de euros do Banco de Reconstrução Alemã. A verba, proveniente de um acordo binacional e destinada ao fortalecimento das UC’s, só seria disponibilizada caso houvesse a infraestrutura mínima necessária para assegurar a viabilidade do acordo. Esbarrou na própria necessidade de ajuda. Ou seja, na péssima fiscalização e conservação das UC’s.

As razões para essa crise são muitas, sendo a falta de verbas a principal delas. O dinheiro destinado às unidades de conservação pode vir, em síntese, de duas fontes principais: o próprio governo estadual ou de repasses federais e investidores privados. No caso específico do Rio de Janeiro, existe uma fonte de recursos decorrente de royalties da exploração de petróleo e gás natural, multas e indenizações ambientais e da arrecadação de taxas e contribuições pela utilização de recursos naturais. Fazer com que tais recursos atinjam seu destino, no entanto, não tem sido tarefa fácil.

De 1976 a 2002, a previsão orçamentária de recursos destinados à conservação ambiental apresenta uma média anual, já corrigida, que não chega aos dois milhões de dólares. E isso é o que foi previsto nos orçamentos do Poder Executivo carioca. Não significa que esse dinheiro tenha sido, efetivamente, aplicado na conservação da natureza. Aliás, ao que tudo indica, realmente não foi. A média destinada às unidades de conservação estaduais, nesses 27 anos, gira em torno de seiscentos mil dólares por ano.

O artigo alerta, no entanto, que esses fatos precisam ser apurados. Segundo consta, muitas UC’s contempladas com verbas orçamentárias jamais receberam um tostão. Um exemplo disso é o Parque Estadual da Serra da Tiririca. Destinatário de quase 700 mil reais segundo os orçamentos estaduais, até hoje não tem sede, sub-sede, telefone, veículo ou qualquer infraestrutura material. Os orçamentos, portanto, não são cumpridos. Para onde vai a verba, não se sabe ao certo.

E quanto às mencionadas verbas de royalties e multas e indenizações? Entre 1989 e 2002, cerca de 298 milhões de dólares foram aprovados para investimentos em conservação da natureza. Destes, no entanto, 86% foram destinados a projetos de saneamento e apenas 2,3% em preservação ambiental propriamente dita. A destinação e o re-direcionamento dessas verbas é feito através de procedimentos que não primam pela transparência e pela retidão, denuncia o autor.

Às UC’s, tem restado a verba proveniente de investidores privados, que são atraídos a esse tipo de patrocínio por incentivos fiscais legalmente concedidos, ou das chamadas medidas compensatórias impostas a empresas potencialmente poluidoras. É dinheiro que não chega a entrar no caixa do governo, indo direto para as UC’s. Dá prioridade ao melhoramento da infraestrutura das UC’s. Nada mal. Superam os 16,2 milhões de dólares previstos nos 27 anos de orçamentos governamentais.

O autor conclui o trabalho, como não poderia deixar de ser, confirmando que interesses políticos têm contribuído para a drenagem dos recursos orçamentários teoricamente destinados para as unidades de conservação. É um processo que o Brasil está cansado de ver e ter que suportar. O trabalho de Luiz Renato é de grande importância. Dá embasamento científico e certeza matemática ao que, no fundo, todos já sabíamos: que o Brasil é um país grande, com mania de pensar pequeno; é o país do futuro, que só enxerga o presente; e que mesmo dentro desse panorama geral, o Estado do Rio de Janeiro ainda consegue dar um mau exemplo.

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