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Novidade européia

A França inovou ao dedicar parte de sua Constituição exclusivamente à proteção do meio ambiente. O Brasil, no entanto, já havia feito isso 16 anos atrás.

31 de março de 2005 · 20 anos atrás

No último dia 28 de fevereiro, o Parlamento francês aprovou, por maioria de votos, duas medidas para alterar a Constituição daquele país. A primeira delas visava abrir as portas do sistema constitucional francês para a realização de uma consulta popular, a ser realizada em breve, para ratificar, ou não, da Constituição Européia – até agora, dos países do bloco, apenas a Espanha já ratificou aquele texto. A segunda medida consistia em introduzir na Constituição Francesa as novas normas ambientais criadas para a União Européia, a European Environmental Charter. As alterações foram muito comemoradas pelos franceses, que vêem nelas um grande passo dado por seu país rumo a um direito constitucional moderno e atualizado, especialmente em termos de tutela ambiental.

As mudanças mais significativas no novo texto constitucional francês envolvem a inclusão de um artigo que afirma que “todos têm direito a viver em um ambiente balanceado e saudável”, bem como a adoção dos princípios ambientais da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador. As medidas são, de fato, revolucionárias, especialmente se considerarmos que o texto constitucional francês é de 1946, mas não são efetivamente nenhuma novidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 e vigente até hoje – embora retalhada e remendada por mais de 40 Emendas Constitucionais – e a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei nº 6.938 –, de 1981, já traziam, em seus textos originais, tudo o que os franceses comemoram hoje como uma grande novidade.

Veja-se, por exemplo, que o artigo 225 da nossa Constituição, dedicado exclusivamente ao meio ambiente, estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Trata-se de uma bela obra de redação, com 16 anos de idade, que, infelizmente, temos tido grande dificuldade de pôr em prática.

O art. 225 divide-se, ainda, em sete incisos e seis parágrafos, estabelecendo normas e diretrizes básicas para a proteção do meio ambiente, inclusive os princípios recém-adotados pela Carta francesa do poluidor pagador, da precaução e da prevenção, entre outros.

O princípio do poluidor pagador encontra-se previsto no art. 4º, III, da Lei nº 6.938/81, que determina à imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos que tiver causado. A norma serve para transferir, da população em geral para o verdadeiro causador do dano, o ônus gerado pela degradação ambiental e pela necessidade de sua recuperação bem como para conscientizar os produtores em geral do impacto de suas atividades produtivas sobre o meio ambiente.

O princípio da precaução, por outro lado, tem origem no art. 170, VI, da Constituição Federal que traça os princípios gerais a serem seguidos pela atividade econômica no país e determina que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e que deve ter como um de seus princípios a defesa do meio ambiente. Na prática este princípio traduz-se na não realização de qualquer empreendimento econômico sem que se tenha certeza de que este não causará danos ambientais despropositados ou maiores do que o estritamente necessário. Não se trata, portanto, de evitar qualquer espécie de dano ambiental, mas de exigir que se demonstre que os danos causados são superados pelos benefícios econômicos e sociais do empreendimento, tentando sempre mantê-los no mínimo necessário. Esse é um dos princípios que dão fundamento à realização dos estudos prévios de impacto ambiental. Sua raiz está no fato de que o que se pensa hoje ser inofensivo para o meio ambiente, pode vir a ser descoberto no futuro como algo profundamente danoso. É isso o que se pretende evitar.

O princípio da prevenção, por sua vez, muito próximo do anterior, determina que danos ambientais já conhecidos venham a ser causados novamente. Ou seja, enquanto o princípio da precaução trata de danos eventuais, desconhecidos – porém possíveis – , este princípio trata de prevenir danos já reconhecidamente causados por uma determinada atividade. Este também norteia os estudos de impacto ambiental e o licenciamento ambiental como um todo. Sua origem também se encontra na Lei nº 6.938/81.

Além desses, a legislação brasileira ainda traz muitos outros princípios ambientais, que, embora não possuam classificação unânime entre os autores brasileiros quanto à sua nomenclatura e enumeração, servem para informar mais ou menos qualquer atividade ou ação jurídica envolvendo questões ambientais.

A importância de inserir a preservação ambiental entre os princípios constitucionais advém do fato de que no Brasil, assim como na França, o Ordenamento Jurídico é organizado na forma de uma pirâmide, seguindo o modelo proposto pelo austríaco Hans Kelsen em sua obra Teoria Pura do Direito. No topo da pirâmide estaria a Constituição, à qual todas as demais normas, que constituem a base da pirâmide, estariam subordinadas. Ou seja, na hierarquia das normas jurídicas, nenhuma é mais alta ou mais importante do que a Constituição e nenhuma outra norma pode conter qualquer disposição que contrarie o que está escrito no texto constitucional sob pena de banimento do ordenamento jurídico através da declaração de sua inconstitucionalidade.

As novidades da Constituição Francesa, portanto, são grandes e muito importantes e o povo francês tem muito o que comemorar. Mas é preciso atenção para não se deixar levar pela euforia e acabar cometendo gafes diplomáticas como a do Primeiro Ministro Jean-Pierre Raffarin que em seu discurso na abretura da votação no Parlamento afirmou que com as novas alterações a França seria o primeiro país a dedicar um dispositivo constitucional integralmente ao meio ambiente. Na União Européia, talvez, mas nesse caso, o Brasil chegou bem antes.

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